“O ser humano estava a ser egoísta no uso do planeta e mesmo nas relações”


Capitão do Amora tem dedicado os dias à família, aos treinos e a concluir o relatório de estágio. 

Chico Gomes, capitão do Amora, tem dedicado os dias à família, aos treinos e a concluir o relatório de estágio do curso de nível I de treinador. Pelo meio, tem visto filmes e séries, aprimorado alguns pratos, mas o tempo que passa com a filha de cinco meses é o que mais valoriza.

Como é que tens passado os dias?
Os dias têm sido passados em casa, praticamente só saio para fazer compras no supermercado. Mas tenho saído o menos possível e a uma hora em que esteja menos gente.

Tens treinado diariamente?
Sim. Tenho seguido um plano que a equipa técnica do Amora nos deu e também tenho acrescentado outras coisas.

E como ocupas o tempo quando não estás a treinar?
Tenho estado em casa, com a família, a minha esposa e a minha filha de cinco meses, que tem sido muito importante nesta fase difícil que estamos a passar. Além de nos ocupar muito tempo, é uma alegria vê-la a crescer e a começar a interagir connosco. Também tem dado para concluir o meu relatório de estágio do curso de nível I de treinador, que estava a realizar e que foi interrompido com o Covid-19.
Além disto, tenho visto as minhas séries, os meus filmes e também tenho procurado soluções de enriquecimento académico e pessoal: inscrevi-me na escola da Federação Portuguesa de Futebol para o curso de Team Manager, mas, infelizmente, não fui selecionado porque a procura agora é elevada e dão primazia a dirigentes.

Como é que as coisas estão a ser vividas na tua área de residência? Houve alguma situação excecional?
Não. Sou natural de Torres Vedras, mas estou a residir no Montijo. Nada de grandes alaridos, é uma zona pacata. A única situação que vejo é que tenho uma farmácia perto de casa e tem uma afluência grande. De resto, como temos passado o tempo em casa e só saio em alturas menos movimentadas para fazer o meu treino, numa zona tranquila…. Nem tenho conhecimento de qualquer caso que tenha dado positivo.

Falas diariamente com a tua família, nomeadamente com pais e avós?
Com os meus pais, infelizmente já não tenho avós. Mas tenho falado com os avós da minha esposa, que é como se fossem meus. Tenho falado com os meus pais, com os meus sogros, irmã, sobrinhos, primos, amigos…. O facto de termos uma menina com cinco meses e de os avós estarem impedidos de a ver e terem contacto pessoal com ela há mais de um mês é sempre mais complicado. Não é fácil não acompanharem o crescimento da neta.

E falas regularmente com os teus colegas de equipa?
Sim, diariamente. Alguns estão mais preocupados com a atual situação do nosso campeonato, soubemos hoje [quarta-feira] a decisão da Federação, mas temos estado em contacto permanente e eu, como sou o capitão de equipa, tenho sempre mais responsabilidades. Tem sido por aí. As nossas brincadeiras normais de balneário têm acontecido via Internet e estamos sempre em contacto. O mesmo se passa com a equipa técnica, até pelos planos de treino.

 

"AS NOSSAS BRINCADEIRAS NORMAIS DE BALNEÁRIO TÊM ACONTECIDO VIA INTERNET E ESTAMOS SEMPRE EM CONTACTO."

 


Sentes que, apesar da distância física de família e amigos, acabamos por estar mais próximos agora?
Acho que sim. Isto vai mudar muito o panorama das relações interpessoais. Acho que as pessoas vão dar mais importância a certas ações que antigamente se calhar não davam ou não estavam a dar. Estou a falar por exemplo de um abraço, um beijo ou um cumprimento. Esta saudade de certos elementos familiares e amigos vai trazer isso. Mas, por exemplo, também vamos passar a dar mais importância ao Sistema Nacional de Saúde. Não lhe dávamos muita importância, muitas pessoas estavam a aderir ao sistema privado e agora percebem o quão importante é termos um Sistema Nacional de Saúde eficaz para dar resposta a esta e a outras situações.

Já sentiste alguma ansiedade ou tens lidado bem com o lado psicológico?
Às vezes sinto-me um bocado farto de estar fechado. Sou uma pessoa que gosta muito de estar em casa, mas também gosto de sair, de dar os meus passeios junto ao mar, ou aqui junto ao rio…. Sinto-me impaciente, acima de tudo, porque não tenho tido contacto com a bola e com a relva, que são coisas que deixam muitas saudades, tal como a competição em si. Treinar individualmente nunca é a mesma coisa, é sempre muito mais difícil, ainda para mais quando não sabemos para quando o regresso. Mas sem dúvida que é importante um jogador de futebol estar ativo e em permanente boa condição física porque o nosso corpo é a nossa ferramenta de trabalho.

És crente? A fé tem-te ajudado a superar este momento?
Sim, sou crente e temos de estar confiantes também pelo comportamento que os portugueses têm tido, porque temos sido exemplares no confinamento e no distanciamento social. Isso sim, dá esperança, e ficamos com mais fé em que isto passe mais rápido, mas sempre com a ideia de que o mundo nunca mais vai ser o mesmo.

Temes que seja possível voltarmos a passar por uma situação parecida?
Penso que vai ser possível voltar a acontecer, mas, provavelmente, vamos estar melhor preparados. Acho que é fundamental os Governos darem a importância devida a estes surtos porque afetam toda a gente e todos os setores. O meu maior receio neste momento, além da doença, é o impacto que o Covid terá na economia e nas nossas vidas, o aumento do desemprego, possivelmente provocando pobreza em muitas famílias e fome. Isso preocupa-me e, no que puder ajudar, estarei sempre disponível.

Ouvimos repetidamente que, depois disto, temos de nos reinventar. Que oportunidades é que esta crise provoca?Sinceramente, não sei. Se calhar a oportunidade de darmos mais importância a coisas que não estávamos a dar. O ser humano estava a ser egoísta no uso do planeta e mesmo nas relações. É importante mudar esse paradigma. É a melhor oportunidade que isto vai dar. A nível económico não acredito que dê oportunidades, vai retirar, a nível de Estado espero que deem mais valor aos hospitais e aos profissionais da saúde, ao que estão a pensar, porque tenho familiares nessa área e sei que é muito complicado. E se calhar certas empresas vão perceber que as pessoas não precisam de estar tanto tempo fechadas nos escritórios e vão passar a apostar mais no teletrabalho. É possível que haja uma evolução nesse sentido.

Descobriste alguma qualidade que não sabias que tinhas?
[risos] Não estou a ver. Sempre cozinhei bem, até porque já vivi em muitos sítios e tinha de cozinhar. Mas tenho aproveitado para ir aprimorando os meus dotes de culinária, já fiz pratos que nunca tinha feito.
A principal mudança neste período é que tenho dado mais atenção à minha família e à minha esposa. Tenho feito muitas horas de baby-sitting e é muito recompensador porque vejo o crescimento in loco da minha filha e isso é fantástico.

Decidiste mudar alguma coisa futuramente? Alguma resolução pós-isolamento?
Vou aproveitar para dar o tempo perdido aos avós para estarem com a neta, porque todos os dias noto uma grande saudade da parte deles, uma grande falta de poderem estar em contacto com ela e connosco. Vou querer dar mais tempo à família e à outra família que nós escolhemos, que são os nossos amigos. Isso é fundamental.