“Os abraços, os beijos e as demonstrações de carinho agora passaram a ser armas”


João Vasco, goleador do Olhanense, deixou o Algarve e rumou a Viana do Castelo, onde vive com os pais.

João Vasco, goleador do Olhanense, líder da Série D do Campeonato de Portugal, deixou o Algarve e rumou a Viana do Castelo, onde vive agora com os pais e uma avó. Teme pela irmã, que é médica, mas mantém o pensamento positivo. Romântico e sentimental, garante que assim que isto passar vai compensar os beijos e abraços que ficaram por dar. Para já, continua a aprimorar os seus pratos, dos quais os colegas Edu Pinheiro e Carlitos tantas saudades sentem.

Vivemos uma fase única nas nossas vidas. Como é que tens passado os dias?
Com a propagação do vírus, quando iniciámos a quarentena, o Olhanense decidiu logo cancelar os treinos e aconselhou os jogadores a irem para casa. A maior parte foi, ficaram lá os estrangeiros na zona de Olhão, tal como os jogadores de lá. Vim para casa dos meus pais, em Viana do Castelo, e estou cá com eles e com a minha avó paterna.

Como é que tem sido com os treinos?
Tenho a felicidade de ter um mini-ginásio em casa e também algum espaço no terreno da casa. Além disso, o meu pai é o presidente do Darquense, o clube da vila onde vivemos, e tenho acesso ao campo.

Estás a fazer batota!
Estou a fazer um bocadinho, mas é aquela batota invisível. [risos] Tenho feito sempre dois treinos diários. Divido o tipo de treino, um de manhã e outro à tarde, e passa por fazer muitos exercícios de endurance, mobilidade e reforço. Vou deixar o trabalho de força mais para perto do Playoff, se houver, e tento completar com algum trabalho no campo específico para a minha posição, de aceleração, mudanças de direção, skills com bola, etc..
Às vezes também jogo badmington com os meus pais para mudar um bocadinho o treino e faço algumas caminhadas no monte atrás da minha casa, no meio do bosque. Dá para nos mantermos ativos.

Quando não estás a treinar, como é que ocupas o tempo?
No início, quando cheguei, havia algumas para fazer cá em casa: limpezas, pintei uma ou outra divisão dentro da casa, cortei relva, fiz alguma bricolage e trabalhos de jardinagem. Aproveitei e fiz isso com os meus pais. Tento ler, para não estar só a ver séries e filmes, e estou a tirar o curso de Team Manager, que é organizado pela Federação. Dura perto de um mês e são duas ou três vezes por semana.
E também me entretenho com a cozinha. Gosto muito, tanto de fazer pratos principais como alguns bolos e pão. Sempre gostei, mas estou a explorar mais a culinária, a tentar fazer algumas coisas novas.

 

“GOSTO MUITO, TANTO DE FAZER PRATOS PRINCIPAIS COMO ALGUNS BOLOS E PÃO.”

 

 

Em Olhão vives sozinho e tens de cozinhar ou não?
Partilho casa com dois jogadores, o Edu Pinheiro e o Carlitos. Sou o cozinheiro lá de casa. [risos] Lembro-me de ser pequeno e de estar na bancada da cozinha da minha avó, ao lado do fogão, sempre com aquela margem de segurança, e vê-la a cozinhar. Com o tempo, passei a ajudá-la a fazer bolos, depois já fazia eu sozinho e começou aí o meu gosto pela cozinha. E desde que saí de Viana, em 2013, quando fui estudar para Coimbra, a partir daí tive de cozinhar sempre. Quando fui para a universidade já sabia cozinhar, fui aperfeiçoando e agora quem fica com os louros são o Edu e o Carlitos. [risos]

Estás em casa com os teus pais e a tua avó, é isso?
Sim. A minha avó vive no andar de cima, eu e os meus pais nos andares de baixo. A minha avó com quem cozinhava era a outra, a materna, que vive a uns quinze minutos daqui, em Vila Praia de Âncora.

Como é que as coisas estão a ser vividas na tua área de residência?
Está tudo tranquilo em comparação com outros sítios aqui do Norte, que é a zona do país mais afetada. Mas temos tido cuidado. Sou eu que faço as compras, evito que os meus pais saiam de casa, e trago para nós e para os meus avós maternos. E tenho pouco contacto com eles, é só entregar e estamos sempre afastados, para evitar correr riscos. E tenho uma irmã que é médica, está na linha da frente. Tenho receio por ela. Sei que está a tomar as devidas precauções, mas está sempre sujeita a algum risco.

Onde é que ela está? Em que hospital?
Está em Coruche, no centro de saúde. Está na parte da especialidade. Agora até atendem muito por telefone, controlam assim os doentes com Covid-19 que estão em casa.

Falas com ela todos os dias?
Sim. Temos uma ligação muito forte, só temos dois anos de diferença. Estivemos juntos até ir para a universidade, mas continuámos sempre com uma relação muito próxima.

E falas regularmente com os teus colegas de equipa?
Sim. Não com todos, mas com aqueles com quem tenho maior proximidade. Também temos um grupo no WhatsApp, mas costumamos falar muitas vezes por chamada ou videochamada. O Carlitos e o Edu também me ligam com saudades dos meus cozinhados. A mãe do Edu é que não fica muito contente, porque ele fala dos meus cozinhados e até parece que os dela não estão à altura. [risos] Ainda arranja problemas por minha causa!

Sentes que, apesar da distância física de família e amigos, acabamos por estar mais próximos agora?
Sinto que procuramos mais algumas pessoas da família e alguns amigos mais frequentemente, mas depois é tudo muito estranho: o que era de afeto, os abraços, os beijos e as demonstrações de carinho, agora passaram a ser armas. É um bocado difícil controlar isso. Mesmo cá em casa temos sempre esse receio. Vamos protegidos ao supermercado, de máscara e luvas, sabemos que o risco assim é baixo, mas existe. Há muitas pessoas assintomáticas, podemos ter o vírus e não saber, então há sempre aquele receio de transmitir aos mais próximos. Custa-me muito ir ver os meus avós e não poder dar-lhes um abraço e um beijo.

Já sentiste alguma ansiedade ou tens lidado bem com o lado psicológico?
Por norma sou muito positivo e acho que isso ajuda-nos em tudo. Mesmo as coisas negativas têm um lado positivo. Servem de aprendizagem, tento ver sempre dessa forma. E quando temos energias positivas sinto que atraímos coisas positivas. Meto isso na cabeça, tento sempre ser positivo.
Claro que me custa estar em casa, não estar com os amigos, não ter jogos ao domingo, acordar e não ir treinar, custa-me não ter a competição, tudo isso custa, mas temos de ver que estamos bem de saúde, os nossos familiares também, e isso é o mais importante.
Agora vemos que isto é transversal a todas as culturas, religiões e classes. É transversal a todos. Não há dinheiro que nos proteja, agora vemos que a saúde é mesmo o mais importante.
Outro lado positivo é que há muito tempo que não passava tanto tempo com a minha família. Tento ver dessa forma, porque se pensarmos positivo parece que passa mais rápido.

És crente? A fé tem-te ajudado a superar este momento?
Sou cristão, pouco praticante, mas tenho bastante fé. Acredito muito, mas complemento a fé com o trabalho.

Temes que seja possível voltarmos a passar por uma situação parecida?
Acho que é possível voltar a acontecer algo deste género. Ninguém estava à espera disto e surgiu do nada. Tem tudo a ver com a Ciência, que está a desenvolver-se cada vez mais. Acho que não devemos pensar nisso para não viver em angústia, mas é possível.

Descobriste alguma qualidade que não sabias que tinhas?
Não sei se foi uma qualidade ou um defeito, mas fiz agora dois lives e nunca tinha feito. [risos] Fiz o live através do Campeonato de Portugal, foi um convite deles. Começaram isto agora, aos domingos. Fizeram-me uma entrevista e depois durante a semana combinaram comigo para ser eu a fazer o live com um colega ou um convidado especial. Depois fui eu que entrei como administrador da página e fiz o live. Convidei o Jordão Cardoso, que está na I Liga da Bulgária, que foi meu colega e é meu amigo de infância, para falar da passagem do Campeonato de Portugal para a I Liga, levei o Tiago Morgado do Real Massamá, por ser meu adversário direto, deu para brincar ali um bocadinho, e levei o Fernando Madureira, o Macaco, o líder dos Super Dragões, por ser o capitão do Canelas e por terem feito um trajeto bonito na Taça de Portugal.
Além desta experiência, percebi que o futebol é mesmo muito importante para mim e que não consigo viver sem ele.

Decidiste mudar alguma coisa futuramente? Alguma resolução pós-isolamento?
A nível profissional não mudo nada porque tenho os meus objetivos bem vincados e não foi por esta paragem que mudei alguma coisa. Isto apenas serve de exemplo em como devemos trabalhar sempre no limite, não esperar pelo meio ou pelo final da época para fazer alguma coisa. Ainda bem que a época me correu bem até à data porque se não houver mais campeonato a imagem que fica é positiva. Devemos dar sempre o nosso melhor para não ficar nada por fazer.
A nível pessoal, a única coisa em que penso é a parte do afeto. O carinho era o que nos juntava, o que tornava as pessoas mais próximas, e isso é o que me custa mais. Sou romântico e sentimental, quando isto passar vou ter de compensar.