“Sei o que é estar longe e às vezes vejo pessoas que estão perto e não dão valor”


Cássio Scheid recupera de uma grave lesão no joelho e, a esse momento, juntou-se o confinamento.

Cássio Scheid recupera de uma grave lesão no joelho e, a esse momento sempre tão difícil na carreira de um jogador, juntou-se o confinamento provocado pelo Covid-19. Longe da família, que está no Brasil, o capitão do Farense mostra ser um verdadeiro guerreiro e sabe que vai sair mais forte após superar esta fase. O foco está lá, tal como a fé em Deus. Agora também tem a paciência que desconhecia do seu lado.

Como é que tens passado os dias?
Fez agora três meses que fui operado, tenho ido ao clube para fazer fisioterapia. Tenho de continuar a fazer o meu tratamento porque é uma lesão com cirurgia e preciso de recuperar. Foi o ligamento cruzado anterior, uma lesão complicada. Esses meses são muito importantes para mim.
Depois da fisioterapia venho para casa e fico aqui o resto do dia. O clube também disponibilizou algum material para fazer um segundo treino em casa, disponibilizou bicicletas a todos os jogadores, então quando não estou a treinar fico por casa a distrair a cabeça com o que é possível.

Quando não estás a treinar, como é que ocupas o tempo?
Procuro falar com os meus familiares, que estão no Brasil, por videochamada, vejo filmes e alguns jogos de futebol que repetem na televisão. É por aí, nada de especial. Passo muito tempo a treinar porque como é uma lesão complicada tenho de me focar na recuperação. Fico com pouco tempo livre e o descanso também faz parte do treino.

Como é que as coisas estão a ser vividas na tua área de residência?
Não soube de nada. Sabemos que no Algarve há menos casos do que no Norte. Há alguns casos, mas está controlado. Vejo as ruas vazias, a maioria das pessoas está em casa.

Tens saído de casa basicamente só para ir treinar?
Também vou ao mercado, mas a maioria das vezes é só para ir à fisioterapia. Moro muito perto do clube, praticamente é só atravessar a rua e já estou na fisioterapia. Da minha casa ao clube devem ser dois minutos.

Estás em casa com quem?
Vivo sozinho.

Falas diariamente com a tua família, nomeadamente com pais e avós?
Sim, falo praticamente todos os dias com os meus pais e os meus avós.

E com os teus colegas de equipa?
Normalmente falamos por videochamada, conversamos um pouco para saber se está tudo bem. Às vezes também faço chamadas individuais para alguns colegas. Tenho conversado bastante com eles.

Sentes que, apesar da distância física de família e amigos, acabamos por estar mais próximos agora?
No meu caso, em relação à minha família, mesmo antes desta situação, o contacto já era regular por estar longe, mas acho que as pessoas normalmente aproximam-se mais nestas alturas. Com essa paragem, parece que as pessoas têm mais tempo para a família do que tinham antes. Talvez deem mais valor agora.

 

“COM ESSA PARAGEM, PARECE QUE AS PESSOAS TÊM MAIS TEMPO PARA A FAMÍLIA DO QUE TINHAM ANTES.”

 

Já sentiste alguma ansiedade ou tens lidado bem com o lado psicológico?
Tenho lidado bem com tudo, a minha lesão preparou-me para isso. É uma lesão que te deixa muito tempo sem jogar e, para um jogador, normalmente isso vai deitar-te abaixo aos poucos. No meu caso foi muito pelo contrário. Quando me lesionei, não pensei no tempo em que ia ficar parado, mas sim num dia após o outro e em evoluir todos os dias. Estou muito tranquilo em relação a isso e muito feliz com a minha recuperação.
Claro que ninguém contava com esse vírus, mas, para mim, é mais um motivo para me focar na minha recuperação. Assim passo mais tempo em casa, entre descanso e treinos, e acabo por evoluir muito mais rápido do que se estivesse a andar pela rua ou a passear no shopping. O foco está na minha recuperação, mais do que nunca.

És crente? A fé tem-te ajudado a superar este momento?
Sim, acredito em Deus. Acho que ajuda muito e que Deus nos dá força para superar esses momentos, não só por causa do vírus, mas também da minha lesão no joelho, que toda a gente sabe que não é uma lesão fácil, pelo contrário. Ficas muito tempo afastado dos relvados e um pouco solitário. A religião acaba por te distrair, ajuda-te a manter o foco e dá-te uma força extra. Tem-me ajudado muito. Além de muitos colegas, amigos e familiares que falam comigo e que me ajudam dessa forma.

Temes que seja possível voltarmos a passar por uma situação parecida?
Temos de estar preparados para qualquer tipo de circunstância na vida. Depois de passarmos por este vírus acredito que temos muito mais a aprender do que propriamente a nos lamentarmos. Talvez isto nos aproxime dos nossos familiares e nos faça dar valor àqueles que temos por perto.
Muitas vezes, com a correria do trabalho, esquecemos isso. Quando estamos longe acabamos por sentir mais falta e acho que isto vai tornar as pessoas mais humanas. Vivo longe da minha família, sei o que é estar longe, e às vezes vejo pessoas que estão perto e não dão valor.

Descobriste alguma qualidade ou defeito que não sabias que tinhas?
Talvez a paciência. Não sabia que lidaria tão bem com o facto de não poder jogar e de ter de ficar em casa. Sempre fui uma pessoa com muita atividade física, sempre a treinar, a jogar, a viajar, e agora, estou numa fase em que estou mais sozinho, com tratamentos individuais e a estar em casa. Isso testa a parte psicológica no caso de ter paciência ou não. Tenho lidado bem com isso e é uma qualidade que não sabia que tinha.

Decidiste mudar alguma coisa futuramente?
Acho que vou mudar alguns hábitos como estar mais tempo com os amigos, conversar durante mais tempo, ir almoçar, valorizar mais o convívio com as pessoas. Sinto que isto nos tornou mais humanos.