“Nos últimos 11 anos, só passei seis meses em Portugal”


David Caiado brilhou em várias ligas do Leste europeu e, aos 32 anos, sente-se preparado para regressar. 

Tricampeão nas camadas jovens do Sporting, apontado como nova promessa, teve um convite do Real Madrid, chegou à equipa principal dos leões, mas acabou por ser prejudicado por duas lesões e, sobretudo, pela enorme expetativa que criou.

David Caiado brilhou em várias ligas do Leste da Europa e, aos 32 anos, sente-se preparado para regressar e mostrar de vez todo o seu talento.

 Esta época mudaste-te para o Hermannstadt. Que balanço fazes desta experiência?
Tinha uma expetativa bastante diferente. Acabei a época muito bem no Gaz Metan, tinha uma oferta para renovação, mas o facto de o Hermannstadt ter ficado na Primeira Liga, e de me ter oferecido dois anos de um contrato bastante vantajoso, levou-me a aceitar. O clube tem algumas deficiências em termos de instalações, mas são pessoas que tentam que as coisas melhorem. Os resultados não foram os esperados no início e já houve três mudanças de treinador, o que cria sempre alguma instabilidade. O balanço da época tem sido assim, com altos e baixos, no entanto tem sido um desafio.

Antes jogaste uma época e meia pelo Gaz Metan. Como é que foi a adaptação à Roménia?
Nos últimos 11 anos só passei seis meses em Portugal, então o facto de já ter vivido em países de Leste, principalmente, fez-me perceber que são mentalidades parecidas. É um país com bastante potencial e habituamo-nos rápido. Vim com a minha mulher para Medias, uma cidade bastante pequena, não muito bonita e com pouco para se fazer, mas onde fui muito feliz porque associamos sempre a experiência profissional à cidade onde vivemos. Agora estou numa cidade muito melhor e, para já, guardo melhores recordações de Medias do que aquilo que guardo de Sibiu.

Além de ti, o Hermannstadt contratou mais quatro portugueses, um cabo-verdiano e dois brasileiros. Foram importantes para a tua adaptação?
Sim, mas, tirando um dos brasileiros, sou o que leva mais tempo na Roménia. O romeno é fácil de aprender, é uma língua latina, e temos uma grande variedade de idiomas no balneário. Nasci no Luxemburgo e, falando francês, alemão, inglês, espanhol e português, tenho essa facilidade de conseguir captar a língua romena e já falar bastante. Por isso, no balneário para mim é fácil. O treinador fala alemão, temos dois franceses na equipa, os portugueses, um espanhol….

Há alguma coisa que leves na mala sempre que vens a Portugal? Alguma comida, por exemplo?
Normalmente trago sempre picanha. Aqui encontras boa carne, mas não há picanha. Não sou grande apreciador de bacalhau ao ponto de trazer, como só quando estou em Portugal. O Afonso Taira, por exemplo, traz sempre. Trazemos sempre um bocado daquilo que é Portugal dentro de nós. Posso estar aqui a jantar, mas se estiver a comer uma picanha ou sardinhas enlatadas, que às vezes também trago, ajuda a que, mesmo estando longe, estejas no teu ambiente.

Que diferenças existem entre a liga romena e a nossa?
A organização a nível de clubes é uma das principais diferenças. Estamos mais evoluídos em Portugal. O trato também é bastante diferente, apesar de não ter razão de queixa. Em Portugal há mais sensibilidade para com o jogador. E a nível de treinadores é uma diferença muito grande. Temos treinadores com muita qualidade e aqui falta essa parte. É a mais importante porque influencia todo o projeto. O treinador é a base de tudo. Mas há qualidade no campeonato romeno.

Polónia, Chipre, Bulgária, Ucrânia, Espanha e Roménia. Em qual destes campeonatos foste mais feliz?
Se for a falar a nível individual, foi na Bulgária. Joguei na Liga Europa, ganhámos a Supertaça e a Taça da Bulgária, fui eleito para o melhor 11 da Liga não estando numa equipa que lutasse para ser campeã e foram dois anos bastante bons. A primeira época em Espanha, apesar da descida de divisão, foi bastante positiva a nível individual, e na Ucrânia, apesar de todas as dificuldades, também me senti valorizado.

Sentes que te cobram mais por seres estrangeiro ou, por outro lado, és mais protegido?
Quem vai lá para fora tem de ir com a mentalidade de se adaptar ao novo país e cultura. É assim que vais ganhando o respeito dos outros. Como são pessoas mais fechadas, que não recebem tão bem, olham para ti como se viesses ganhar o dinheiro deles, porque aqui sabe-se tudo, mas se veem que te esforças e dás tudo, também fazem tudo para te ajudar.

Jogar no estrangeiro era um objetivo?
Se me perguntassem aos 18 anos se a minha expetativa seria estar a jogar na Roménia aos 32, mentiria ao dizer que sim. Tive lesões nos primeiros dois anos como profissional que me condicionaram. Também tivemos o azar, nessa geração, que era muito forte, fomos tricampeões nacionais, de não haver equipas B ou Sub-23 como há agora. Quando estás habituado a jogar dentro de uma dinâmica que te permite potenciar as tuas qualidades, na transição para sénior o clube tem de ter em atenção o contexto para o qual vais. Quando tens uma expetativa e sabes o que as pessoas esperam de ti, acabas por criar uma ansiedade que te vai prejudicando. Aconteceu-me aos 20 anos e aos 27, quando estava no Vitória de Guimarães: fora de Portugal estava a ter uma prestação muito boa, sentia-me maduro a nível de jogo, no entanto, voltar a Portugal para um clube grande, com um excelente treinador, o Rui Vitória, senti que estavam todos a olhar para mim e essa pressão dificultou-me um bocado. Sentia-me mais cómodo a jogar fora de Portugal. Quero voltar, seja no próximo verão ou mais tarde, e, aos 32 anos, já aprendi a lidar com essa pressão. E encontro-me a fazer uma pós-graduação em Direção Desportiva, em Coimbra, funções que quero desempenhar no futuro. Mas tudo a seu tempo.

 

“ENCONTRO-ME A FAZER UMA PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREÇÃO DESPORTIVA, FUNÇÕES QUE QUERO DESEMPENHAR NO FUTURO.”

 

Chegaste a fazer um jogo pela equipa principal do Sporting. Por que não tiveste mais oportunidades?
Tive oportunidade de jogar em Braga com o Tomané e o Pereirinha porque alguns brasileiros se atrasaram a regressar das férias de Natal e o Paulo Bento chamou-nos. Perdemos esse jogo por 3-2 e não voltei a ter oportunidade. Apostava-se muito menos, só no ano seguinte é que o Paulo Bento ganha a confiança da Direção para apostar nos jovens e chama o Miguel Veloso, o Yannick.… Começou a apostar-se mais a partir daquela grave crise do Sporting e apareceram Cédric, André Martins, André Santos, jogadores de qualidade, é verdade. Nós também a tínhamos, o contexto é que foi diferente. O Nani também é desse período, mas estava acima da média, tal como o João Moutinho. O Moutinho pela sua inteligência e maturidade, o Nani pelo talento enorme que tinha, por ser um extremo à Sporting. Joguei contra ele quando estava no Real Massamá e lembro-me de fintar a nossa equipa toda. Só não assinou pelo Sporting devido ao excesso de estrangeiros. Mas estávamos a ganhar 5-0 ou 6-0 e ele, chateado, pega na bola e finta a nossa equipa toda. Era realmente diferente.

Em que liga gostarias de ter jogado?
Na liga espanhola, sem dúvida.

Nalguma equipa em específico?
Quando era júnior recebi um convite do Real Madrid, um contrato de três anos para ir jogar na equipa B. O Sporting soube e assinei contrato profissional com a promessa de começar a jogar pela equipa principal. Entre ir para o Real Madrid e ser mais um ou estar no Sporting escolhi apostar em chegar à equipa principal, o que aconteceu. Ao ir para Espanha com 28 anos voltei a sentir-me jogador de futebol. Mesmo sendo na Segunda Liga, é bastante competitiva e foi o futebol com o qual mais me identifiquei. Aconselho todos os meus colegas que tiverem a oportunidade de ir para Espanha a irem.

Foste internacional nas camadas jovens, mas nunca tiveste uma oportunidade de jogar pela Seleção principal. É um sonho que ficou por cumprir?
Houve três fases: era presença assídua nas seleções nacionais e tive sempre aquela esperança, principalmente depois de chegar à equipa principal do Sporting. Confesso que nunca fui um jogador de quem se dissesse que chegaria à Seleção A, mas fazendo seis ou sete jogos bons poderia ter acontecido. Tive esse sonho até aí. Depois tive outra fase de um sonho: a partir dos 23 anos, quando vejo que vai ser difícil jogar por Portugal, há um convite do selecionador do Luxemburgo para me naturalizar. O facto de ter representado as seleções jovens de Portugal e de não ter dupla nacionalidade, apesar de ter nascido no Luxemburgo, não me permitiu jogar por eles. Depois tenho uma terceira fase, que é perder a esperança de representar as duas seleções: a de Luxemburgo porque não dá a nível burocrático e a portuguesa porque não dá a nível de qualidade.

Qual é a tua opinião sobre o trabalho do Sindicato?
Tenho muitos colegas que me falam muito bem daquilo que é o trabalho que tem sido feito através do presidente Dr. Evangelista e, claro, de toda a estrutura. Conheço alguns elementos e dá para perceber que o caminho é o correto. Além de o presidente ser uma pessoa com uma visão boa, está a rodear-se de gente capacitada para que haja uma evolução, que tem sido natural.

 

Nome: David Caiado Dias
Data de nascimento: 2 de maio de 1987
Posição: Médio
Percurso como jogador: Académica (formação), Sporting (formação), Sporting, Estoril, Trofense, Zaglebie Lubin (Polónia), Olympiakos Nicósia (Chipre), Beroe (Bulgária), SC Tavriya (Ucrânia), Vitória de Guimarães B, Vitória de Guimarães, Metalist (Ucrânia), Ponferradina (Espanha), Gaz Metan (Roménia) e Hermannstadt (Roménia).