"A mentalidade é o mais importante"


Aos 32 anos, e com três participações na Libertadores, Córdoba deu um novo rumo à carreira.

 

Victor Córdoba, de 32 anos, é um dos jogadores colombianos que veio para Portugal no início da época 2019/2020 para jogar no Atlético Clube Marinhense. Apesar das alegrias vividas no plano desportivo, em especial na campanha do clube da Marinha Grande na Taça de Portugal, no plano laboral as coisas não correram bem, tendo sido privado do seu salário durante vários meses e acabando por sair do clube em litígio. O desentendimento entre clube e o investidor estrangeiro, bem como as irregularidades encontradas no seu processo de entrada em Portugal, motivaram a ação do SEF e obrigaram o jogador a procurar um novo desafio profissional, em fevereiro. Seguiu-se a ida para a União de Leiria SAD. Quando se vislumbrava uma fase de recuperação, a crise provocada pelo COVID-19 voltou a trocar-lhe os planos e sem qualquer fonte de rendimento ao longo dos últimos meses, viu-se obrigado a pedir a ajuda do Sindicato, que além do acompanhamento jurídico o apoiou através do Fundo de Garantia Salarial. Esta é a história de um jogador estrangeiro, com carreira feita, à procura de uma oportunidade de emprego no Campeonato de Portugal. Chegou a jogar as meias-finais da Libertadores, veio para Portugal com a promessa – vã – de poder trazer a esposa e a filha, agora com um ano há nove meses. Victor Córdoba não desarma e consegue vislumbrar algo de positivo em cada situação – até da pandemia...

 

 

"Para mim, o futebol é tudo, é entrega, é paixão. O meu estilo de jogo é forte, a ideia é partir sempre para cima, de ser um líder positivo. Por isso, fico feliz por poder transmitir a minha experiência aos outros"

Córdoba, estás aqui, em Portugal, aos 32 anos, com uma carreira já bem preenchida, jogaste a Libertadores, podes falar-nos um pouco desse percurso que te trouxe até este momento?
Sim, gostava de falar do que Deus me proporcionou na minha vida de futebolista. Tive a oportunidade de jogar em mais de oito países. Tive a oportunidade de ser vice-campeão pelo Once Caldas, na Colômbia, fui campeão da Liga Ascenso, do México, o que foi muito bom para mim, na primeira vez que joguei lá. Consegui ainda ser campeão por duas vezes na Bolívia, com o Bolívar de La Paz. Para mim, o futebol é tudo, é entrega, é paixão. Em Portugal, estou muito feliz, pelas pessoas, a competição, mas ainda tenho muito para dar.

Chegaste a jogar por três ocasiões na Libertadores, como é a experiência de competir a esse nível?
Jogar a Libertadores é muito importante, para mim foi o melhor que tive na carreira. Há equipas muito fortes, com muita qualidade na América do Sul, com muita paixão. Quando jogamos com equipas da Argentina, do Uruguai, do Equador, é muito bom, porque os estádios têm sempre 60 mil, 70 mil pessoas. Então o coração… É uma sensação única. É uma alegria. Tive a oportunidade de jogar pelo Once Caldas, contra o Santos. Naquela época ainda lá jogava o Neymar, foi uma experiência muito boa para a minha vida. Depois joguei a Libertadores pelo Bolívar e nessa época chegámos à meia-final. Se tivéssemos conseguido ganhar ao San Lorenzo, teríamos com certeza a oportunidade de jogar o Campeonato do Mundo com o Real Madrid, na altura do Cristiano Ronaldo. Nessa época foi o San Lorenzo que ganhou a prova. Mas eu gosto sempre de ganhar. Para mim, uma competição que tenha luta, que tenha paixão, que tenha entrega, eu gosto. O meu estilo de jogo é forte, a ideia é partir sempre para cima, de ser um líder positivo. Por isso, fico feliz por poder transmitir a minha experiência aos outros.

 

E como é que está a ser a tua experiência pela primeira vez na Europa, em Portugal?
O Marinhense não era uma equipa muito forte, mas naquela altura conseguimos fazer o que até aí não tinha sido conseguido, de passar várias etapas na Taça, eliminando várias equipas, tornando-a numa equipa forte, temida pelos adversários. Jogámos, na Taça, contra equipas da I Liga. Percebi que o melhor do futebol não é só a técnica, não é só fazer golos bonitos, é a mentalidade. Com uma mentalidade vencedora, passas a ter muito sucesso na tua vida, independentemente do teu trabalho, se limpas casas ou tens uma empresa, pouco importa, o que conta é a mentalidade, é o mais importante. Lembro-me que, quando cheguei, não conhecia as outras equipas, mas os meus companheiros diziam sempre: “Domingo temos um jogo muito complicado, a outra equipa é forte.” Ou seja, olhávamos só para o adversário, não olhávamos para nós, nem reparávamos que também éramos uma equipa muito forte. Nos treinos e nos jogos, aplicávamo-nos muito, imenso, e a mentalidade mudou: conseguimos ter êxito e já ninguém no balneário falava da força do adversário, porque ganhámos consciência que também nós éramos uma equipa forte. Logo na estreia, fiz o meu melhor jogo, com a ajuda dos meus companheiros. Consegui sacar um penálti à equipa adversária e ele serviu para seguirmos em frente na Taça. Fiquei muito feliz e estou muito contente com as pessoas que já conheço em Portugal. É um país de que gosto muito. Agora, só espero que a minha experiência possa ajudar outras pessoas.

“A pandemia trata todos por igual”

A forma empreendedora como Córdoba encara as situações extravasa o futebol. Disso mesmo é prova a perspetiva que deixa sobre a pandemia que mudou a vida de todos nós – e que, defende, deve mudar a todo um outro nível. O vírus que trata todos por igual deixa-nos esse ensinamento: somos todos, de facto, iguais, enfatiza Córdoba.

Passamos por um período que ninguém imaginaria há uns meses: o que se pode retirar da pandemia e como tem sido viver esta fase tão complicada?
Para todo o mundo… Acho que as pessoas acreditam que a pandemia é uma coisa muito ruim. Mas, para mim, não é. Para mim, a pandemia, é igualdade. Há uns tempos, na América, tínhamos um problema com o Amazonas. Os Amazonas são os pulmões do mundo. As pessoas na Colômbia estão muito perto do Amazonas, como as pessoas do Brasil.E as empresas estavam a asfixiar a natureza. E agora a pandemia faz isto: o mundo está a respirar, a poluição diminuiu e isso é muito bom, porque agora podemos todos respirar muito melhor. A pandemia é igualdade. Gostava que as pessoas seguissem o exemplo da pandemia: ela não se importa se uma pessoa tem muito dinheiro ou nenhum, ela infeta indiscriminadamente. É igual para todos. Não olha a quem é adulto, a quem é jovem, a quem tem muitas casas ou nenhuma, se és trabalhador ou presidente. Se conseguirmos fazer o que faz a pandemia, tratar todos por igual, que a pessoa que trabalha merece o seu salário e quem tem uma empresa também merece bons trabalhadores, acho que a pandemia nos oferece aqui um bom espaço para refletir e tronarmo-nos ainda melhores pessoas.

“Já há muito tempo que desenvolvo um projeto, porque o futebol permite-me trabalhar de manhã, depois faço ginásio da parte de tarde, mas tenho tempo para trabalhar em casa. Posso ajudar outras pessoas”

É verdade que tens residência em Miami? O que nos podes dizer sobre isso e sobre os projetos que tens em curso?
Sim. Já há muito tempo que desenvolvo um projeto, porque o futebol permite-me trabalhar de manhã, depois faço ginásio da parte de tarde, mas tenho tempo para trabalhar em casa, fazendo projetos. Posso ajudar outras pessoas. Tenho um programa, o Once Cracks, em que os jogadores aproveitam para falar para as pessoas que… não sei como dizer, mas que acreditam no nosso sonho e então nós apoiamos. E agora também estamos a fazer esse projeto em Miami e estamos a ter muito apoio na Alemanha. Queremos fazer uma coisa que possa ajudar muitos jogadores e a muitas pessoas que acreditem nos nossos sonhos.

E planos para o futuro mais imediato? Continuar em Portugal?
Agora, não sei. Estou muito feliz em Portugal, mas não sei o que vai acontecer, quando é que o campeonato vai começar… Estou com muitas saudades da minha filha e da minha mulher e agora é difícil trazê-las para Portugal, porque não temos muito trabalho agora, não temos futebol, mas se eu conseguir fazer alguma coisa em Portugal, gostaria de o fazer, porque é um país em que não há muita confusão, é muito tranquilo, as pessoas são muito boas. Gosto, adoro Portugal.