Sonhar para lá do pesadelo


Tevez, Franco, Guzzo e Cassuza são os protagonistas de um filme em que ninguém queria entrar.

 

Este é o caso de quatro jovens, todos argentinos, que espelha uma realidade cada vez mais frequente no nosso país, sobretudo no Campeonato de Portugal: o fenómeno de clubes que funcionam como verdadeiras “barrigas de aluguer”, geridos por investidores estrangeiros com projetos com pouca sustentabilidade financeira. Os processos desenrolam-se sob um paradigma comum: jovens jogadores sul-americanos ou africanos em busca da quimera europeia são aliciados para um salto na carreira que se revela, na maior parte das vezes, num abismo - sucedem-se os episódios de incumprimento salarial até uma prática de quase abandono dos futebolistas, de que resultam situações precárias para as quais o sindicato não se cansa de alertar e combater.

Maurício Tevez, Emiliano Franco, Enzo Guzzo e Pablo Cassuza. Estes são os nomes dos protagonistas da história que se segue, mas poderiam ser outros. Porque, não sendo um caso banal, o enredo vai tendo réplicas e derivações bem para lá do desejável. O recrutamento massivo de jovens jogadores estrangeiros, sobretudo provenientes da América do Sul ou de África, com aspirações a jogar na Europa, vai sendo prática cada vez mais comum no nosso país, sobretudo no Campeonato de Portugal. A ação decorre em Santa Maria de Oliveira, Vila Nova de Famalicão, mas a AD Oliveirense, SAD acaba por ser um dos diversos intérpretes de uma maleita que vai alastrando. Em outubro, o Sindicato apoiou a tomada de posição dos jogadores, que fizeram um pré-aviso de greve ao jogo da Taça de Portugal frente ao Santa Clara, reclamavam salários em atraso, fartos das promessas incumpridas do novo investidor argentino, responsável pela administração, Sebastian Diericx. Chamado a intervir, o Sindicato dos Jogadores acionou o Fundo de Garantia Salarial; em final de janeiro, é decretada a insolvência da SAD da AD Oliveirense e, um mês depois, declarado o encerramento coercivo da atividade, com a consequente perda de todos os postos de trabalho. Foi a partir dessa altura, desde o final de fevereiro, que os quatro jogadores ficaram numa casa em Santo Tirso, sem meios de subsistência e em condições precárias, a aguardar a resolução da sua situação. Passada a pandemia e com o regresso à Argentina no horizonte, fruto dos esforços do Sindicato junto da embaixada e do SEF, os protagonistas dão voz aos seus planos e expectativas.

 

 

“Só quero voltar a estar com a minha mulher e o meu filho”

Natural de Rosario, fez toda a sua formação no Newell’s Old Boys, sendo cedido por duas temporadas a clubes de escalões inferiores (Instituto e Defensa y Justicia). É este o seu testemunho:

- Olá, sou o Maurício Tevez, tenho 23 anos e sou extremo. Vim para Portugal porque, sinceramente, na Argentina não tinha clube. e falei com o meu empresário, convenceram-me pela vertente económica, porque era grande a diferença do que tinha na Argentina e vim para Portugal. Infelizmente, depois deparámo-nos com um problema do qual não estávamos a par. A mim, disseram-me que me iam arranjar uma casa, porque tenho mulher e filho, foram arrastando, acabaram por não os trazer e, entretanto, deu-se esta situação da pandemia. A minha ideia agora é poder voltar e estar a minha mulher e com o meu filho e depois logo se vê se regresso ou vou para outro clube, era algo que me agradava muito. Mas hoje a minha prioridade é voltar à Argentina. Se houver depois oportunidade de voltar a Portugal, era ótimo. Quero continuar a jogar, seja em Portugal, ou noutro sítio, mas agora que voltar a estar com a minha mulher e o meu filho.

 

 

“A ideia era ir progredindo”

Argentino, nasceu há 25 anos em Saragoça, em Espanha, e tem também nacionalidade italiana. Também formado no Newell´s Old Boys, estava a jogar no Huracán Las Heras antes de rumar à Oliveirense. Eis a sua leitura:

- O meu nome é Emiliano Franco, tenho 25 anos e sou um 10, um médio ofensivo. Acabei por vir para Portugal por considerar que tratava de uma boa oportunidade, apesar de na Argentina estar a jogar. Poder vir para a Europa agradou-me e quis agarrar esta oportunidade, apesar de saber que vinha para um escalão inferior, mas ideia era que as coisas corressem bem e fosse progredindo. Quando aqui chegámos encontrámos um clube que atravessava muitos problemas, acabou insolvente, e pronto, depois chegou esta situação da pandemia. No futuro, não descarto a possibilidade de voltar a Portugal, pelo contrário, gostava muito de ter outras experiências, noutros clubes, mas depois de tudo o que se passou, quero pôr agora o futebol um pouco de lado, porque estou com saudades e não vejo a hora de voltar à Argentina para poder estar outra vez com a minha família. Depois disso, logo se vê onde o futebol me leva. Com tudo isto da pandemia, o Sindicato dos Jogadores abordou-nos e tem-nos dado uma ajuda em termos logísticos, não só ao nível de comida, como também algum dinheiro para podermos passar com o mínimo de condições a quarentena. 

  

“Quero ficar mais dois anos e abrir portas na Europa”

Nascido em Buenos Aires, jogava nos juniores do Liniers antes de rumar à Oliveirense. Conta a sua história e planos:

- O meu nome é Enzo Guzzo, tenho 19 anos e jogo a médio ofensivo. Vim para cá a meio do ano passado, deixei a minha equipa da quarta divisão argentina e esta oportunidade era muito boa para mim, em termos futebolísticos, monetários, em todo o sentido. A minha ideia é ficar cá mais dois anos, para completar os três anos de cidadania, o que me pode abrir muitas portas no futebol, seja em Portugal ou noutro país da Europa. Só temos a agradecer ao Sindicato dos Jogadores, porque com toda esta situação da pandemia, o clube já não nos paga nos últimos dois meses e forneceu-nos alimentos e deu-nos dinheiro para termos água quente e tem-nos ajudado muito.

  

 “A minha ideia é continuar aqui e encontrar um bom clube” 

Foi em Villa Progreso que veio ao mundo e fez toda a sua formação no Gimnasia de La Plata. Apesar do regresso imediato à Argentina, pretende dar continuidade à sua carreira em Portugal:

-Sou o Pablo Cassuza, de 18 anos, sou médio-defensivo. Vim cá para Portugal para cumprir o sonho europeu. A minha ideia é continuar aqui, fazer uma boa pré-época e tratar de arranjar um bom clube, a ver o que se consegue. Na Argentina, jogava numa equipa da I Divisão, embora ainda nas camadas jovens, o Gimnasia de La Plata, e é como dizia, o objetivo é conseguir um bom clube a partir da próxima época e estou grato pela oportunidade. Depois, tivemos aqui uma contrariedade, com os problemas financeiros do clube e a pandemia e agradeço ao Sindicato dos Jogadores esteve sempre presente e ajudou-nos com dinheiros e bens.