"Cheguei a ter de dormir na rua, foi violento"


A história de Naim Ben é um alerta para os problemas estruturais que afetam o Campeonato de Portugal.

 

A história de Naim Ben é um alerta para os problemas estruturais que afetam, em particular, o Campeonato de Portugal, designadamente o recrutamento de jovens estrangeiros com promessas contratuais que acabam incumpridas. O jovem tunisino foi recrutado para um projeto desportivo em Portugal, porta de entrada na Europa, pelos dirigentes do CD Fátima SAD. Assinou contrato profissional e viajou para o nosso país com a expetativa de singrar no terceiro escalão e progredir na carreira a partir daí. Acabou por não ter sequer uma oportunidade para jogar. Os regulamentos da FPF têm vindo a “apertar a malha” no procedimento de inscrição de estrangeiros: além de já ter acolhido as propostas do Sindicato para responsabilizar disciplinarmente dirigentes que coloquem jogadores em situação de abandono, para a próxima época estão previstos requisitos ainda mais exigentes ao nível da inscrição de estrangeiros. A fiscalização e monitorização constante é fundamental. O caso de Naim Ben é um bom exemplo da importância porquê.

 

 

Como é que se deu a tua chegada a Portugal?
Fui contactado por um agente, ele tinha negócios com o presidente de um clube aqui em Portugal, procuravam jogadores jovens e era uma boa perspetiva de trabalho para mim, de negócio para o agente, para todos. Quando assinei contrato, regressei à Tunísia, tratei do visto na embaixada de Portugal e quando aqui cheguei, o clube tinha um novo dirigente, do qual nem sequer sei o nome, e disse-me que ia para outra equipa: “Naim, vais esperar aqui duas, três semanas, no máximo, e depois voltas ao Fátima”. Fiquei à espera três meses e quando o visto acabou, ele disse-me: “Naim, agora é muito importante voltares à Tunísia” e quis saber porquê, porque tinha assinado um contrato de quatro anos com o Fátima e ele disse-me que a minha situação se tinha complicado. A verdade é que não foi culpa minha, foi dos responsáveis do Fátima e da equipa onde me colocaram. Depois cheguei aqui a Lisboa, cheguei a dormir na rua, foi complicado. Para mim, psicologicamente, foi muito…

 

 

Violento?
Sim, foi isso. O Afonso Guerreiro que era o responsável do Fátima não me ajudou, quando lhe ligava não atendia nem ligava de volta, fiquei a saber que cometeu diversas irregularidades. Foi por isso que pedi ajuda à embaixada da Tunísia e depois ao Sindicato dos Jogadores, sou um jogador profissional de futebol, assinei um contrato de trabalho com o Fátima, mas depois não cumpriram com nada, não pagaram os meus salários, não trataram da documentação necessária para permanecer em Portugal, ligava para o clube e não tinha respostas, foi tudo muito mau, algo que nunca pensei viver. Felizmente, tenho tido várias pessoas a apoiar-me ao longo destes últimos meses e estou grato a todas elas.

 

 

E agora, quais são os teus planos? Regressar à Tunísia? Ficar por cá?
Neste momento, quero regularizar a minha situação em Portugal. Quero jogar na Europa, julgo que é o melhor para mim. Não quero jogar na Tunísia. Sou um jovem jogador, tenho ambições e muito ainda a dar ao futebol. Mas o Fátima não cumpriu com nada, não pagou salários, não manteve a palavra. Se não puder integrar o plantel do Fátima, quero seguir em frente e encontrar um novo clube. O que eu quero é jogar. Não tem nada a ver com o dinheiro, quero é jogar. Preciso regularizar a minha situação, obter a autorização de residência. Tendo isso tratado, tenho um agente com bons contactos na Europa.

Como te caracterizas como jogador? És um jogador mais ofensivo, mais defensivo?
Sou lateral-esquerdo. Jogo em duas posições, também posso jogar a lateral-direito.

E esperas agora resolver a tua situação e prosseguir a tua carreira em Portugal?
Sim, é isso mesmo.

E tens contado com o apoio do Sindicato neste período complicado da tua carreira?
Sim, tem sido extremamente importante, porque não conheço nada de Portugal, nem sequer a língua. Felizmente, tenho sido apoiado por várias pessoas e organizações. O Sindicato está a apoiar-me para regularizar a minha situação em Portugal.