“Sinto que há ali um orgulho de verem mulheres da minha idade a jogarem futebol”


Uma das veteranas do Atlético CP é mãe, empresária e dá tudo em campo.

Quando é que surgiu a paixão pelo futebol e com que idade começaste a jogar?
A paixão pelo futebol surgiu quando era mesmo miudinha, desde os Salesianos. Sempre joguei pela equipa da escola e mais tarde comecei a jogar por clubes. Interrompi durante uns anos porque escolhi outro desporto de eleição – a vela – onde fui muito boa velejadora. Uns anos mais tarde voltei à minha paixão de infância, que é o futebol. Iniciámos um projeto no Estoril Praia, que não tinha equipa feminina. Surgiu essa oportunidade e começou a minha aventura, outra vez, no futebol em 2010.

Nessa altura ainda existia algum preconceito por uma mulher jogar futebol?
Sim, a minha geração sentiu muito isso. Desde miúda, até por causa da formação. Chegávamos a uma certa idade e não havia continuidade. Quando voltei em 2010 senti que estava um bocadinho diferente, que estavam a querer começar a apoiar o futebol feminino de uma maneira diferente e tem-se vindo a ver, ao longo destes anos, a evolução. Já senti uma ligeira diferença em relação a quando era mais nova.

O futebol feminino mudou ao longo dos anos, mas para ti qual foi a maior mudança?
A maior mudança foi a aposta dos clubes grandes no futebol feminino, desde que o Sporting e o Benfica abriram equipas. São clubes grandes, que já podiam ter aberto há mais anos. Tínhamos equipas femininas em clubes mais pequenos, como o Belenenses, o Estoril… e os grandes sempre fugiram um bocadinho disso. Portanto, para mim, a mudança grande foi realmente quando os “grandes” começaram a ver aqui uma oportunidade de fazer o futebol feminino crescer.

És a terceira mais veterana do plantel. Como é lidar com muitas das tuas colegas que têm 19, 20 anos?
É muito interessante, porque elas veem-nos de uma forma exemplar, olham para nós como um exemplo do que querem ser. Querem ser iguais a nós daqui a uns anos e têm-nos imenso respeito. Nota-se que têm vontade de aprender connosco e eu também aprendo muito com elas. Também tenho muito que aprender com as mais novas, mas sinto que há ali um orgulho de verem mulheres da minha idade a jogarem futebol e a darem tudo em campo, como se tivéssemos 15 anos.

 

“Hoje há a oportunidade, em Portugal, de ser profissional com qualidade e recebermos por aquilo que valemos.”

 

Alguma vez fez parte dos teus planos tornares-te jogadora profissional?
Quando era pequenina tinha isso nos meus planos, foi uma coisa que depois não surgiu e como disse acabei por enveredar mais pela vela, mas era uma coisa que tinha sempre aqui dentro do meu coração, o futebol. É um desporto que adoro e não me imagino a viver sem ele. Aliás, eu para correr tem de ser atrás de uma bola, não consigo correr de outra forma e penso jogar futebol enquanto as pernas me deixarem, porque sou completamente apaixonada.

Pelo que observas, achas que ser profissional traz mais vantagens ou desvantagens?
Ser profissional neste momento traz vantagens, visto que as jogadoras já recebem ordenados e apoios, o que há uns anos era impensável. Quem quisesse ser bom ou grande tinha de procurar sair do seu país, estar longe da família, como o exemplo da Carla Couto. Hoje há a oportunidade, em Portugal, de ser profissional com qualidade e recebermos por aquilo que valemos.

Tens um filho com quase três anos. Como foi, a nível futebolístico, quando descobriste que estavas grávida?
Estava a jogar no Belenenses, tinha saído do Estoril Praia, e ainda fiz um ou dois jogos grávida sem saber. [risos] Mais tarde, então, vim a aperceber-me e foi uma felicidade gigante saber que ia ser mãe, que é outra etapa da minha vida, e quero ter mais, este foi só o primeiro. Mas ao mesmo tempo queria que aquilo tudo acontecesse rápido para poder voltar ao futebol o quanto antes. Foi assim um misto de emoções. Tive de parar o futebol, como é óbvio, durante a gravidez e o tempo de amamentação. Mas estive sempre a acompanhar a equipa e presente onde poderia estar, que era nas bancadas. Foi muito bom.

Esse desejo de voltar a ser mãe, é para já ou só quando acabares a carreira?
Ora bem… A mulher tem prazos e há um limite para se ser mãe e está sempre aqui em jogo. Eu voltei ao futebol na época passada, queria pelo menos acabar esta época e depois pensar nisso, porque calculo que ao ser mãe outra vez dificilmente terei tempo para me dedicar ao futebol, como jogadora pelo menos.

 

“Fui vice-campeã da Europa na Grécia… Tinha todo um futuro pela frente ligado à vela, mas surgiu a oportunidade do futebol e acabei por colocá-lo à frente”

 

Além de seres mãe, treinares e jogares, ainda tens uma marca de roupa infantil. Como é que surgiu esse lado na tua vida profissional?
Surgiu precisamente quando estava grávida. Já tínhamos uma empresa de construção e eu estou mais em casa a trabalhar orçamentos, a dar apoio de escritório, contabilidade… Portanto tinha ali algum tempo “morto” e na altura que estava grávida surgiu-me a ideia de um projeto, que era ter uma marca de roupa para bebé e criança. Tive um rapaz e na altura apercebi-me de que no mercado as meninas têm muita coisa, mas havia pouca oferta para rapazes. Então surgiu a ideia de criar a minha marca e realmente corre melhor do que alguma vez pensei.

Sentes que deixaste alguma coisa para trás para conciliar isto tudo?
Deixei, mas foram opções. Eu estava lançadíssima na vela, era uma grande velejadora, tinha a federação a apoiar-me em tudo. Fui campeã nacional, fui lá fora fazer muitos campeonatos, mundiais e europeus, fui vice-campeã da Europa na Grécia… Tinha todo um futuro pela frente ligado à vela, mas surgiu a oportunidade do futebol e acabei por colocá-lo à frente. Será uma coisa que irei retomar quando o futebol acabar, como forma de lazer.

Como é que gostavas de terminar a carreira?
Aquilo que me deixaria mais feliz era conseguir ajudar o Atlético a subir à Primeira Divisão. Aí sim, acabava a carreira de uma forma que gostava.

Sentes que há algo que ficou por fazer em termos de futebol?
Acho que nós, como jogadoras, sentimos que fica sempre alguma coisa por fazer, mas o tempo não dá para tudo, muito menos sendo mãe. Sinto que há coisas que ficaram por fazer, mas também sinto que no futuro, mesmo fora do relvado, continuarei ligada ao futebol de alguma forma, vai ser sempre uma paixão da qual não me vou conseguir desapegar, nem que seja como treinadora, como delegada de uma equipa… De alguma forma continuarei ligada ao futebol e a trabalhar esse lado, para que não sinta que ficou alguma coisa por fazer.