"A partir dos 25 anos comecei a pensar: `O que é que eu vou fazer depois disto?`"


Jogador de 27 anos que começou a época no Fátima SAD já tem um projeto em mente.

Chegaste à Fátima SAD esta época e tornaste-te logo capitão. O plantel era tão jovem que, apesar da tua juventude, a idade e a experiência pesaram na escolha?
Acho que sim. Cheguei esta época ao Fátima SAD e o fator da experiência e da idade fez muita diferença porque no meio de muitos jovens é sempre preciso um bocado mais de experiência …

Apesar desses anos que tens de futebol, provavelmente nunca tinhas deixado de comparecer a um jogo por decisão da entidade patronal, como no fim-de-semana antes do anúncio do fim da SAD. Como é que se lida psicologicamente com uma notícia destas?
Nunca tinha lidado com uma situação assim. É muito má e não é só como jogador. Nós andamos ali, trabalhamos todos os dias… Nem tínhamos um campo para treinar, é uma situação que não é digna de um ser humano e psicologicamente isto afetou-nos imenso. Nenhum jogador merece passar por isso. Mas nós trabalhamos e o nosso objetivo é, no domingo, podermos mostrar aquilo que fizemos durante a semana e não ter essa possibilidade é muito complicado, como poderão imaginar.

De qualquer modo, estás satisfeito pela forma como conseguiste liderar o plantel em conjunto com os outros capitães, enquanto vocês próprios também viviam esta situação em que a Fátima SAD vos colocou?
Sim, em conjunto com os meus capitães e com a equipa técnica acho que conseguimos, de uma forma correta e com as armas que tínhamos, dar uma boa resposta às dificuldades que tivemos durante o caminho. Fizemos o que era possível. Nós não tínhamos apoio por parte da direção do Fátima em nada.

As dificuldades na época passada foram públicas, com o Sindicato a chegar a apoiar financeiramente jogadores da Fátima SAD. Quando assinaste, certamente achavas que agora ia ser diferente. O Covid também serviu de desculpa para muita coisa que já não estava bem?
Noutros clubes acredito que isso possa ter alguma implicação, porque ter público nas bancadas é uma fonte de rendimento e como tal uma ajuda para as despesas inerentes a um clube. No contexto do Fátima acho que não teve grande impacto. Acho que foi mesmo a má fé das pessoas e a má gestão. Não houve honestidade com os jogadores.

"CHEGA A UM MOMENTO EM QUE TEMOS DE TOMAR DECISÕES, NÃO TEMOS HIPÓTESE E EU ACHO QUE É IMPORTANTÍSSIMO NÃO DESCURAR NUNCA A PARTE DA ESCOLA E DA EDUCAÇÃO."

Hoje estamos aqui contigo para falar sobre os teus estudos, para os quais contavas certamente com o vencimento enquanto profissional de futebol. Possuis um nível de educação financeira que evitou que esta parte importante da tua vida fosse logo colocada em causa?
Tive a sorte de ter tido ajuda da minha família, de alguns amigos e também o pouco que consegui poupar ajudou-me a conseguir não faltar aos meus compromissos com a faculdade e a não desistir. A partir dos meus 25 anos pensei que tinha de fazer algo, porque chega a um momento em que temos de tomar decisões, não temos hipótese e eu acho que é importantíssimo não descurar nunca a parte da escola e da educação, porque mais tarde ou mais cedo vai sempre fazer-nos falta.

Tentaste transmitir a esses colegas mais jovens a importância de também prepararem o pós-carreira?
Sim, sim. Falei com alguns colegas e tentei elucidá-los dessa parte que é muito importante, porque nós estamos aqui a viver o sonho, todos estamos. Mesmo eu, com 27 anos, ainda vivo um sonho, mas já penso também no pós, porque estará perto, mesmo que seja daqui a cinco ou seis anos. Nesta divisão é difícil sobreviver, só alguns é que conseguem. Tentei falar com colegas, sim, tentei elucidar e partilhar um bocado da experiência que fui tendo, mesmo nos clubes deste campeonato. Sei que é difícil e se não conseguirem dar o salto até uma determinada idade vai ser cada vez mais difícil.  Depois os jogadores começam a desmotivar, conforme a idade passa, independentemente de terem o sonho ou não.

Já experimentaste campeonatos nacionais e distritais: se nas divisões mais baixas os treinos habitualmente são à noite, que dificuldades é que tinhas relativamente aos estudos enquanto jogador do Campeonato de Portugal?
É conciliar. Normalmente treinava de manhã e na maioria das vezes tenho mais aulas de manhã. Consegui arranjar um estatuto de atleta de alta competição, que pedi ao clube para me passar, e ultrapassar isso minimamente, mas há sempre a parte do estudo, do ter de estudar e preparar o dia seguinte e os trabalhos. Se não fosse com a ajuda dos meus colegas e de um grupo com quem me dou muito bem, se não fossem eles, era muito difícil. Eram eles que estavam sempre a alertar-me, a enquadrar-me com a matéria de cada disciplina, a avisar-me dos trabalhos de grupo, porque eu não comparecia nas aulas e aí é sempre mais difícil.

"A EDUCAÇÃO É IMPORTANTÍSSIMA, MESMO PARA QUEM ESTEJA NUMA PRIMEIRA LIGA, TENHA BONS ORDENADOS E BOAS CONDIÇÕES."

O ensino superior sempre foi uma ambição tua?
Nem sempre. Estive em Marketing na Universidade Lusófona, para aí em 2012, quando acabei o secundário, mas estive lá pouco tempo, desisti e continuei a jogar futebol. A partir dos meus 25 anos comecei a pensar, “Ok, e se isto não der? O que é que eu vou fazer depois disto?” Mas antes nunca tinha pensado nisso. Muitos jogadores, mesmo que dê certo e consigam criar um bolo financeiro ou uma estabilidade que permita durante alguns anos viver desso bolo ou mesmo criar um negócio através de qualquer coisa, acho que é curto, porque depois chega a um momento e não chega. A educação é importantíssima, mesmo para quem esteja numa Primeira Liga, tenha bons ordenados e boas condições, acho que é sempre importante.

E porquê a Escola Superior de Desporto de Rio Maior?
Tinha feito o exame de maiores de 23 anos, tanto na FMH, em Lisboa, como aqui e passei nas duas. Depois decidi vir para cá porque jogava no Caldas e era-me conveniente em termos de logística.

Escolheste o curso já com uma saída em mente ou querias essencialmente adquirir conhecimento para criar algo novo?
Principalmente queria adquirir conhecimento. Tenho um projeto em mente, com um colega de faculdade, o Ricardo, que estamos a tentar desenvolver. Mas sim, primeiro era sempre para adquirir conhecimentos que futuramente dessem para transpor para outros níveis e dar-me outro tipo de opções, que não teria se não tivesse este curso.

"VOU SEMPRE DAR PRIMAZIA AO MEU TRABALHO QUE É ISSO QUE ME VAI DAR O SUSTENTO FINANCEIRO. E ESPERO CONSEGUIR CONCILIAR COM O FUTEBOL."

Em que consiste esse projeto?
Eu entrei na faculdade há três anos e tive a sorte de conhecer o Ricardo, uma pessoa espetacular que me ajudou muito e que me trouxe muitas coisas boas. Criámos uma ligação muito forte e, entretanto, surgiu a oportunidade de o conseguir levar para o Fátima, como preparador físico. Com estes problemas todos do clube, surgiu uma oportunidade, falei com o míster Luís Lourenço e assim foi. Relativamente ao nosso trabalho... No segundo ano de faculdade, mais ou menos, começámos a tentar desenvolver um projeto. O nosso objetivo é trabalhar com atletas de todo o tipo, campeonatos profissionais e também no futebol mais amador, como o Campeonato de Portugal. Porquê? Porque achamos que na parte da condição física, os clubes não têm as condições necessárias para dar aos seus jogadores. Não estou a dizer que são todos, mas a maior parte dos clubes do Campeonato de Portugal e das Distritais não estão aperaltados com as condições necessárias para a melhor condição física. Podemos fazer isto através de parcerias e alugávamos este serviço a um baixo custo a estes clubes. Vamos acabar o curso este ano, se Deus quiser, e acho que com um pequeno investimento e com o que aprendemos na universidade podemos pôr isto ao serviço dos clubes mais amadores. Mas queremos também trabalhar com equipas da Primeira e Segunda Liga, com outro tipo de protocolos.

Quando acabares o curso, pensas que vai ser possível começar a conjugar logo essas tuas ambições com a carreira de futebolista?
Isso é uma coisa que ainda tenho de estudar. Também tenho de ver as propostas que irei receber, mas já pensei, mesmo que não consiga conciliar as duas coisas, vou sempre dar primazia ao meu trabalho que é isso que me vai dar o sustento financeiro. E espero conseguir conciliar com o futebol.

Para finalizar, voltamos a Fátima: com a falta de condições de treino que tinham, certamente não conseguiram passar a melhor imagem do potencial de cada um dos 18 elementos do plantel. Achas que vai ser possível aproveitar as habituais afinações nos plantéis em janeiro e muitos regressarem aos relvados ainda esta época?
Penso que muitos jogadores vão ter oportunidade, porque têm qualidade. E eu em princípio também. Têm-me contactado alguns clubes, mas ainda não decidi o que é que irei fazer neste resto de época.

[Já após a nossa entrevista, Tomás Meneses foi apresentado no dia 17 de dezembro de 2020 como jogador do Atlético da Malveira]