Paulo Sérgio, o conquistador


Avançado português de 37 anos é um dos protagonistas da mais recente edição da “Players”.

A 15 de março completou-se um ano desde o teu último jogo, ainda na Indonésia. A Covid-19 mudou completamente a tua vida?
Sem dúvida. Os meus planos passavam por jogar até aos 40 anos mas, devido a toda esta situação, o campeonato foi cancelado. Tentaram retomá-lo, mas sem sucesso, depois tive de voltar para Portugal, não houve qualquer iniciativa por parte da Federação da Indonésia para fazer um esforço para recomeçar a liga, e tentei chegar a um entendimento com o clube porque era a melhor opção. Eles quiseram fazer um corte salarial muitíssimo elevado, eu não aceitei, depois graças ao Sindicato consegui fazer um bom acordo e vir-me embora.

Não foi fácil deixarem-te vir embora?
Não, até porque gostavam bastante de mim. Inclusive, o treinador fez um esforço enorme a tentar convencer-me para continuar. Ainda cheguei a voltar, estive lá a treinar dois meses a ver se chegava a um bom entendimento ou se porventura a liga pudesse começar, não foi possível e não fazia qualquer sentido estar longe da família e com um corte salarial impressionante. A melhor solução foi mesmo chegar a um bom entendimento e cada um segue a sua vida.

Quanto tempo é que ainda lá estiveste depois de começar a pandemia?
Viemo-nos embora no dia 2 de abril, depois voltei em julho, estive dois meses a treinar com eles, quando estavam a ver se conseguiam retomar a liga, e durante esse período estivemos em conversações entre o Sindicato, o Dr. João Oliveira e o dono do clube, por causa da situação salarial, e lá consegui fazer o acordo.

Quando voltaste já o fizeste sozinho?
Nesses dois meses estive sozinho, a família ficou aqui. Já tínhamos estado aqui a tentar negociar a rescisão, não foi possível, e a melhor solução foi viajar sozinho, sem a família, para não estar sujeita a este tipo de situações.

 

O clube existia há dois anos, o clube da polícia e na Indonésia ninguém gosta da polícia. Quando cheguei lá o treinador é que me diz isso.

E como é que era estares lá e saberes que as coisas por cá também estavam a ficar complicadas?
O mais difícil era estar lá sozinho e a família aqui porque podia acontecer alguma coisa e eu não estar presente. Não é que eu fosse fazer muito, mas pelo menos a minha presença podia dar um incentivo à família, mas fui com a intenção de tentar resolver as coisas o mais rápido possível para voltar para junto da família.

Tirando essa fase, a família acompanhou-te sempre ao longo da tua carreira?
Sempre. Era impossível estar longe sem o apoio da família. Sou muito chegado à família. Para onde fui ou para onde irei, a família terá sempre de estar presente. Ainda para mais com duas filhas, não é fácil estar longe. Admiro imenso o esforço que muitos pais fazem para estar longe dos filhos, da esposa e da restante família, mas eu não conseguia.

Desde 2015 jogaste nas ligas de Singapura e Indonésia. Como é que se lida com deixar um país para trás, onde já estavam possivelmente habituados à cultura, levar crianças para uma escola em que se fala uma língua desconhecida, essas coisas todas?
Graças a Deus que, na Indonésia e no Brunei, havia escola internacional. As miúdas desenrascaram-se muito bem desde o início com o Inglês e, nesse sentido, a adaptação até foi fácil. E como estávamos todos juntos, as coisas passam com naturalidade. Foi sempre o que aconteceu connosco, por onde quer que a gente vá. Temos um estilo de vida e uma maneira de pensar muito positiva e isso é o mais importante. Estamos juntos, estamos felizes, faço aquilo que gosto, lutando para o bem da família, e as coisas só têm de correr bem.

O que te levou em particular para estes destinos invulgares na Ásia?
O que me levou foi, acima de tudo, ter tido uma situação complicada no Olhanense. Tive um empresário que me prometeu mundos e fundos, acreditei, fui na boa-fé, e depois fechei as portas todas aqui em Portugal. Inclusive rejeitei clubes da I Liga por causa desse mesmo empresário, porque me disse que tinha condições melhores para mim a nível financeiro, tentei pensar num futuro melhor para a minha família e abdiquei das coisas em Portugal. Fiquei sete meses sem clube, depois apareceu esta situação, financeiramente também era tentadora, e fui. Nessa altura não pensávamos sair de Portugal, mas com esse empresário a prometer mundos e fundos caí nessa tentação, queremos sempre o melhor para nós, e fui na boa-fé. Graças a Deus, as coisas depois deram a volta e pude ir para um continente e uma cultura completamente diferente. Acima de tudo foi enriquecedora, adorámos e só temos de tirar proveito das coisas.

 

Então o boss fala com o treinador e diz-lhe: “o Paulo Sérgio não serve para jogar aqui na Indonésia porque é pequenino e não tem intensidade”. Isto no meu primeiro jogo!

Jogavas na liga de Singapura, mas a equipa é do príncipe do Brunei. É uma responsabilidade acrescida quando se vai isolado para a baliza?
Aquilo é engraçado, é verdade. É um país de sultanato, o dono do clube era o príncipe, estava atento a tudo o que a gente fazia.... Não era fácil lidar com essa situação, parecia que estávamos ali com uma pressão extra. Apesar de o campeonato não ser tão competitivo, tínhamos uma pressão extra por sabermos que o príncipe queria sempre o melhor para o clube. Quando fui para o Brunei o clube nunca tinha sido campeão e mal cheguei levei logo com essa em cima da mesa: “vais ter de levar o clube a ser campeão”. “Eu? Não consigo levar o clube a ser campeão! Desconheço a realidade do campeonato, o país, a cultura é completamente diferente, para mim é uma adaptação nova, um calor e uma humidade incríveis.... Deixem-me adaptar primeiro, depois podem-me exigir”. Mas as coisas começaram a correr bastante bem desde o início e, de facto, trouxemos o clube à ribalta. Nunca tinha sido campeão e fizemos história, portanto aquilo foi uma festa.

Ele alguma vez pediu para falar contigo?
Ele estava presente em todos os treinos. Chegava sempre dez minutos depois do treino começar e ia-se embora dez minutos antes do treino terminar. Mas quando era os jogos ia ao balneário e tudo, havia sempre aquele cuidado de falar com os estrangeiros e como fui o melhor jogador da liga criei uma proximidade com ele. Não muita, a proximidade que tínhamos era só mesmo essa nos jogos. Nos treinos só sabíamos que lá estava porque o víamos no espaço dele a assistir, mas não tínhamos qualquer contacto.

Como disseste, foste campeão quando chegaste. Tinham muitos adeptos no Brunei? Foi a loucura?
Em casa, sim. Mas fora, como pertencíamos à liga de Singapura, já não iam muitos adeptos ver os jogos. No último jogo em casa metemos à volta de 35 mil pessoas. Em média era à volta de 10 mil pessoas. Comparando com Portugal, já é uma casa bastante cheia.

Ao fim de três anos vais para a Indonésia, desta vez para o clube da polícia. Estando na Ásia, já sabias melhor ao que ias?
Não, não tinha a noção do que era a Indonésia. Sabia que era mais competitivo, mas desconhecia a realidade por completo. Foi giro porque o projeto que me foi proposto era ficar nos cinco primeiros, o clube existia há dois anos, o clube da polícia e na Indonésia ninguém gosta da polícia. Quando cheguei lá o treinador é que me diz isso. “Bom, está certo. Venho para um clube onde ninguém gosta da polícia, o que é que vai sair daqui?”. Cheguei lá na terceira jornada e a equipa estava no quarto lugar. No primeiro jogo que faço empatámos 1-1. Aquilo é uma correria louca! Então o boss fala com o treinador e diz-lhe: “o Paulo Sérgio não serve para esta liga. Não serve para jogar aqui na Indonésia porque é pequenino e não tem intensidade”. Isto no meu primeiro jogo! Cheguei, fiz dois treinos e joguei. O treinador disse-lhe para ter calma, que era a adaptação e tal. E contou-me esta conversa. “Míster, para mim está tudo bem. Posso-me ir embora para Portugal, já não digo à minha família para voltar. Não tem problema”. E ele disse: “Não, não. Acredito em ti, sei o que podes dar à equipa, etc.”. Aquilo foi correndo, fui o melhor jogador, fomos campeões e as coisas correram às mil maravilhas.

 

Havia jogos em que tínhamos de ir para Papua e demorávamos oito horas de avião. Aquilo é muito grande. As pessoas não têm noção da grandeza do país.

Nesses países o futebol é o desporto principal?
Sem dúvida. As pessoas são completamente apaixonadas pelo futebol. Equipas da II Liga metem à volta de 30/40 mil pessoas no estádio, é incrível! Estamos a falar de um país que tem 250 milhões de habitantes, atenção. É giro porque ali parecia que estava a sentir-me realmente jogador. A pressão era outra quando íamos para os jogos, os estádios completamente cheios, a atmosfera em redor do jogo era incrível, nos próprios treinos tínhamos centenas de pessoas a ver... Em relação a isso a experiência foi fantástica, adorei! Senti-me novamente jogador por estar a jogar para tanta gente. Estou a tentar desfrutar do meu futebol para dar alegria àqueles que me estão a ver. Para mim, isso foi o mais gratificante. Tentei sempre ao máximo dar o meu melhor por onde passei, tentei sempre ao máximo desfrutar do futebol e tentar que os outros gostassem do meu futebol.

Como era a nível de condições e métodos de treino?
Não tenho razão de queixa porque tive sempre treinadores estrangeiros na Indonésia. As condições de treino e os campos eram bons. Em relação a isso não tenho nada a apontar.

Interrompiam treinos para rezar ou a gestão dos horários era boa?
Em Brunei, sim. A gente treinava à tarde, às 16h, e acho que era às 17h que eles rezavam. Tínhamos de parar para rezarem e depois voltámos ao treino. Na Indonésia, no início, quando treinávamos de manhã, ainda houve essa situação, mas depois o treinador conseguiu conciliar o horário e acabámos por fazer os treinos normais.

Quando paravam, o que é que fazias? Ias para o Instagram?
Não, ficava quieto no campo, com os estrangeiros. Dávamos uns toques, brincávamos um bocadinho até que eles acabassem de rezar para voltarmos ao treino.

 

Por incrível que pareça, por onde passei tive sempre problemas. [risos] Graças a Deus, o   Sindicato tem sido incrível, sempre me ajudou a recuperar aquilo que era meu.

Entendias-te com eles em Inglês?
Perfeitamente. Na Indonésia, na primeira época, foi mais complicado porque, onde estava, os locais não falavam muito Inglês. Só em Bali, por exemplo, é que falavam mais. Mas em Jacarta, no clube onde estava, tive de desenrascar-me um bocado mais com o Indonésio do que com o Inglês. Em Inglês era só com o treinador e com os estrangeiros.

O teu Inglês era aceitável?
Graças a Deus que dá perfeitamente para ter conversas. É fluente e é uma ferramenta que a gente leva para a vida. É engraçado que, quando estudava, sempre pus o Inglês de parte. E sempre disse: “ok, se tiver de ir para fora, depois desenrasco-me com o Inglês”. E assim foi. Tive de me fazer à vida e foi um processo engraçado. No Brunei tive um colega que era Escocês, o Inglês dele era esquisito como tudo, mas deu-me muitas aulas e foi bastante bom para mim. Agora falo Inglês perfeitamente e é graças a ele, que teve uma paciência incrível comigo. Se fosse hoje, o conselho que dou aos jovens é que estudem porque a gente não sabe o dia de amanhã, para não passarem o que eu passei.

Na Indonésia existem mais de 17 mil ilhas, 700 línguas... Conseguiste chegar a conhecer minimamente o país?
Só conhecia quando viajava com a equipa, sinceramente, porque não tinha muito tempo de folga. Quando estive em Jacarta, o campeonato era sempre à risca, havia pouco tempo de folgas. Houve uma altura em jogámos em Bali, depois a seguir ao jogo o treinador deu quatro dias de folga e foi o que consegui desfrutar.

O campeonato era em ilhas diferentes?
Sim, em várias ilhas. A gente corre a Indonésia de ponta a ponta. Havia jogos em que tínhamos de ir para Papua e demorávamos oito horas de avião. Aquilo é muito grande. As pessoas não têm noção da grandeza do país.

 

Muitas vezes penso que está na hora de terminar, já estamos em Portugal há algum tempo, as minhas filhas já estão na escola portuguesa e voltarem outra vez para o Inglês sei que não é fácil para elas.

Jogaste em Jacarta e em Bali?
Joguei em Jacarta, no Bhayangkara, dois anos, depois fui para Bali mais dois anos.

São cidades muito diferentes?
É completamente diferente. Em Bali a qualidade de vida é outra, é mais turístico, o tempo é completamente diferente, em Jacarta há mais poluição. A experiência em Bali foi fantástica.

Conseguias andar tranquilamente na rua?
Conseguia. Em Bali é engraçado porque só se consegue andar de mota. Mal chegámos, eu e a minha mulher, comprámos logo mota. Às vezes ainda nos reconheciam com os capacetes, mas quando íamos a restaurante éramos reconhecidos. O bom é que não pagávamos nada! [risos]

Já eras tão famoso que te roubaram o Instagram.
É verdade, pá! Já tinha 125 mil seguidores. De um momento para o outro fui “hackeado” e agora estou a tentar tê-lo de volta, mas não está fácil.

Eras uma estrela lá?
Não era estrela, mas era reconhecido. Também porque fiz pela vida. No primeiro ano fui o melhor jogador e fui campeão, no segundo ano fui o melhor jogador e fiquei no terceiro lugar, no terceiro ano, fui para Bali e fui campeão, o clube nunca tinha sido campeão e fui dos melhores jogadores da liga, e tudo isso também ajuda, não é?

 

Foram umas guerreiras nestes anos todos que andámos fora, também tenho de olhar para esse lado, não posso ser egoísta ao ponto de estar outra vez a levar a família de Portugal.

A nível da alimentação, bastante importante para um atleta, adaptaste-te bem?
Adaptei-me porque tinha a família comigo, senão estava feito! [risos] A realidade é essa. Em Bali é diferente. Aí há muitos restaurantes estrangeiros, mas em Jacarta comia muito mais em casa do que fora. Em Bali já conseguíamos ir a alguns restaurantes e comia-se bastante bem. Eles são muito vegan, a comida é muito boa, a gente adaptou-se bem à realidade de Bali.

E quando comias no clube, como é que era?
Nunca comia no clube. E quando íamos para estágio pedia ao doutor para fazerem outro comer para mim. Eles usam muito o picante, o doce, e para mim é tudo simples, senão rebentava com o estômago.

Antes disto já tinhas passado uma época no Salamanca e outra no AEL Limassol. Como é que é feita esta gestão, para onde se vai e quando se regressa a Portugal? Por vezes são propostas que não se podem recusar?
São oportunidade que surgem. Quando fui para Espanha estava no Portimonense, onde tinha passado um episódio um bocado complicado. Confiei num empresário que me disse que me levava para Inglaterra, para a II Divisão, e quando lá cheguei o clube era da III, mais uma vez o Sindicato ajudou-me a resolver essa situação, o Dr. Evangelista. Ainda tinha contrato com o Sporting e o clube foi incrível comigo. Tinha rescindido com o Sporting, tinha mais um ano de contrato, para ir para essa equipa de Inglaterra, depois como as coisas não eram como me tinham proposto falei com o Sporting e deram-me novamente o ano de contrato que tinha e emprestaram-me ao Portimonense. Fiz uma época muito boa, ficámos em terceiro ou quarto lugar na II Liga, e apareceu a oportunidade de ir para Espanha. Foi uma experiência muito enriquecedora, uma liga bastante competitiva, a II Liga espanhola, adorei estar lá. Tinha contrato de três anos e tive pena que o clube tenha passado por momentos difíceis a nível financeiro e não ter continuado. Depois surgiu a oportunidade de voltar para Portugal, com o míster Jorge Costa, para o Olhanense, na I Liga. As coisas correram bastante bem, estive para voltar ao Sporting, mas fui para Guimarães, para o Vitória. Aí surgiu a oportunidade de ir para o Chipre, para o AEL, em termos financeiros também era bastante bom, e agarrei.

Foi a única vez em que as coisas não te correram mal por causa de um empresário?
Aí não tive problemas. Nem quando fui para Espanha, ainda estava com o Jorge Mendes, com a Gestifute. É engraçado que foi o diretor desportivo do Salamanca a entrar em contacto comigo, não sei como, e eu passei para a Gestifute para resolver a situação. Depois quando voltei para Portugal foi outra vez através da Gestifute, mas quando fui para o Chipre já foi só entre mim e o clube.

 

Não estou a pedir nada, mas se aparecesse a oportunidade de voltar a jogar em Portugal nem sequer punha a questão de voltar a ir para fora.

E cumpriram sempre com o que estava escrito no contrato?
No AEL, também tive ali um bocado.... Por incrível que pareça, por onde passei tive sempre problemas. [risos] Não sei o que é que isso quer dizer. Mas, graças a Deus, o Sindicato tem sido incrível nesse aspeto porque sempre me ajudou a recuperar aquilo que era meu. Sempre tive a sorte de não deixar as coisas avançar ao ponto de perder aquilo que me pertencia. Quando via que as coisas estavam a ficar complicadas falava logo com o Sindicato para resolver a situação. Graças a Deus nunca tive problemas para receber nos clubes por onde passei.

Se cá conseguisses obter os mesmos rendimentos, achas que tinhas saído na mesma?
Lá está, tudo depende das oportunidades. Se tenho ficado em Portugal, mas isto são os ses, se calhar a carreira podia ser outra. Mas, sinceramente, estou feliz com aquilo que conquistei, não estou nada arrependido com as decisões que tomei. Acima de tudo, tentei desfrutar ao máximo do futebol, o futebol deu-me muito, sou grato ao futebol eternamente por aquilo que tenho, pelos amigos que criei e não estou nada arrependido das decisões que tomei. Fui feliz assim e espero continuar a ser.

Como é que se lida com o dia em que termina o contrato com o clube onde se conclui a formação, neste caso o Sporting?
Estive ligado ao Sporting durante 12 anos e tenho uma certa mágoa, sinceramente. Não por ter terminado o contrato. Fui para Espanha, voltei para Portugal e, já no Olhanense, estava a fazer uma época fantástica, surgiu a oportunidade de ir para o Sporting. Na altura o Paulo Sérgio era o treinador e o Costinha era o diretor desportivo. Já tinham falado tudo com o Olhanense, em dezembro venho passar o Natal a casa, a Lisboa, trago tudo de Olhão porque já estava praticamente tudo resolvido entre Sporting e Olhanense para o meu regresso, estou aqui uma semana, duas semanas, inclusive o míster Paulo Sérgio ligou-me, juntamente com o Costinha, para saber como estava, se estava preparado. Nunca mais me esqueço, o Sporting ia ter um jogo para a Taça da Liga contra a Naval 1.º de Maio. Disse que sim, estava preparadíssimo. Estava quase tudo certo para voltar para o Sporting. Nisto o Costinha sai, entra o José Couceiro como diretor-geral e, a partir daí, abortou a situação toda. Fiquei com uma certa mágoa com o Sporting por causa disso. Não do Sporting, mas das pessoas envolvidas porque não fizeram com que a situação fosse até ao fim. Nessa altura estava muito bem, acho que tinha atingido aquele patamar a nível de experiência, de qualidade de jogo, etc., e estava convicto de que se voltasse ao Sporting as coisas podiam ser completamente diferentes do que foi.

Passaste um ano na equipa B e duas primeiras metades da época na principal, em que só jogaste uma vez em cada. O que dificultou essa tua transição? Existia menos aposta nos jovens do que hoje?
É engraçado porque a seguir ao Europeu de sub-19, de que fui o melhor marcador, fomos à final contra a Itália e perdemos 1-0, eu tinha clubes para ir para fora. Foi nessa altura que o Cristiano [Ronaldo] foi para o Manchester United. O treinador era o míster Fernando Santos e não me deixaram sair. Disseram-me que o Cristiano já tinha saído e eu ia ser aposta. Fiquei de certa maneira agradado com a situação porque ia ser aposta, mas não foi isso que aconteceu. Também tínhamos uma equipa bastante boa, tínhamos João Pinto, Pedro Barbosa, Sá Pinto, eram posições onde eu jogava e sabia que não iria ser fácil poder ser regular, por exemplo. Tudo dependia da aposta do míster Fernando Santos, mas não fui aposta. Mas devo-lhe muito, aprendi imenso só pelo simples facto de partilhar o balneário com esses jogadores incríveis, mas gostava de ter tido a oportunidade de jogar no Sporting. Penso que se fosse agora, no atual futebol do Sporting, a situação podia ser completamente diferente. Mas fui feliz. Sei que com a minha irreverência se calhar não esperei o tempo certo pela oportunidade, por isso é que pedia para sair a meio da época, porque queria era jogar, mas sou grato ao Sporting e ao futebol por aquilo que me deram. Acima de tudo tentei ser aquilo que eu era e, se não estava feliz no Sporting, tentava ser feliz noutro lado. Basicamente foi isso.

 

O feedback que dava era de que conciliassem a vontade de ir para fora com a certeza sobre quem estava a tratar da situação, para não se deixarem enganar ao ponto de os abandonarem e depois ser difícil voltar para a Indonésia.

Voltando à Seleção: depois desse Euro sub-19, com 5 golos em 5 jogos, o que é que falhou para depois teres ficado fora do Euro sub-21, apesar de teres feito 8 jogos e 4 golos na fase de qualificação?
Com o míster José Couceiro. Por incrível que pareça, ele está ligado a estes episódios. Não tenho nada contra ele, pelo amor de Deus! É uma excelente pessoa e também tive uma boa relação com ele no Belenenses, mas está marcado na minha vida por esses episódios. [risos]

Como é que nasceu o sonho de ser jogador?
No bairro. Fui nascido e criado no bairro, a malta fazia uma bola de tudo e mais alguma coisa, uma simples carica passava a ser uma bola, e a paixão foi surgindo a partir daí.

E agora, como é ser um jogador de futebol português com 37 anos?
Pois, parece que a carreira já está terminada. Tenho pena, devido a esta situação toda da Covid, como falei, porque a intenção era ir até aos 40. Tinha mais de dois anos de contrato lá em Bali e seguramente que conseguia ir até aos 39/40. Tenho pena que tudo isto tenha acontecido, sinto falta de jogar. Ainda não penso em terminar a carreira, para ser honesto. Apesar de ter 37 anos ainda tenho esperança de voltar. Agora há pouco tempo recebi propostas para voltar para a Indonésia, só que como eles agora estão a ter um torneio só de três semanas não aceitei. Se houver liga e oportunidade, espero voltar a jogar. Muitas vezes penso que está na hora de terminar, já estamos em Portugal há algum tempo, as minhas filhas já estão na escola portuguesa e voltarem outra vez para o Inglês sei que não é fácil para elas. Foram umas guerreiras nestes anos todos que andámos fora, também tenho de olhar para esse lado, não posso ser egoísta ao ponto de estar outra vez a levar a família de Portugal. É uma situação que tenho de pensar bem, se realmente o bichinho fala mais alto ou não. Mas o bicho está cá dentro e sem dúvida alguma que gostava de voltar a jogar. Não sei se irei para fora, se cá dentro, mas gostava de voltar a jogar.

Se surgisse uma hipótese em Portugal, mesmo que, obviamente, não sejam os valores que ganhavas lá, aceitavas?
Os valores, sinceramente, já nem ponho em causa. Era mais para desfrutar do futebol mas, como a gente sabe, em Portugal, a partir dos 30 anos.... A partir dos 27, já tens o rótulo de estar a caminhar para a velhice. Infelizmente, em Portugal ainda existe essa mentalidade. Então agora, que a política é outra, com a aposta em jovens jogadores.... Mas convém dizer que uma equipa só com jovens dificilmente tem sucesso, também tem de ter experiência misturada, e eu, sem dúvida alguma, podia ser essa experiência, que podiam juntar ao puzzle. Não estou a pedir nada, mas se aparecesse a oportunidade de voltar a jogar em Portugal nem sequer punha a questão de voltar a ir para fora.

As pernas ainda aguentam?
Aguentam muito, aguentam muito! [risos]

E a tua coleção de camisolas? Era uma vontade tua ou foi acontecendo?
Foi acontecendo. Fui trocando camisolas com outros jogadores, mas sem a intenção de fazer uma coleção. Fazia a troca porque havia aquela estima pela pessoa ou porque jogava contra amigos, e fui guardando camisolas e bolas dos campeonatos onde fui jogando. Agora olho para aquilo e é bonito ver essa coleção.

Terminaste agora um curso de gestor de carreira dual, promovido pelo Sindicato. Quando começaste a pensar no pós-carreira?
Devido a toda esta situação que estamos a viver, antes de voltar a Portugal, quando ainda estava em Bali, comecei a pensar no que fazer no futuro, um curso de treinador ou de dirigente, depois quando voltei tirei o curso de especialização de formação de jogadores, também através do Sindicato, e em conversa com o Dr. Evangelista surgiu esta situação. Não estando a competir e tendo mais tempo livre, por que não ganhar mais conhecimento noutras áreas? O conhecimento não ocupa lugar, por isso tomei essa decisão de começar a apostar no meu futuro, porque não sei o que me reserva. Ia começar agora o segundo nível do curso de treinadores, mas surgiu esta situação do curso de gestão de carreira dual e tinha mais a ver com aquilo que pretendia. Mais uma vez graças ao Sindicato, a quem quero dar os parabéns por estas iniciativas que, de facto, só ajudam os jogadores a ter uma perspetiva de futuro diferente.

Já chegaste a uma conclusão sobre o que queres para a segunda metade da tua vida?
Gostava de estar ligado ao futebol. Também já pensei em tirar o curso de diretor desportivo, a Federação tem esse curso, mas primeiro quero terminar este juntamente com o Sindicato e só depois irei ver o próximo passo.

O tema desta edição da revista é o tráfico de jogadores. Contactaste com uma realidade muito diferente da que conhecemos. Sentiste que na Ásia há muitos jogadores com o sonho de vir para a Europa? Deste algum tipo de conselho para que colegas teus não fossem enganados ou explorados nesse sentido?
Sim, dei. Em Portugal, infelizmente, temos muitos casos desses, de jogadores que vêm de fora com promessas de empresários ou diretores e depois já não olham para o jogador como uma peça fundamental para o projeto do clube e abandonam-nos por completo. O Sindicato tem feito um trabalho formidável no combate a essas situações. Mas na Indonésia tive conversas com jovens jogadores porque muitos fazem períodos de experiência em Espanha, na Bélgica, na Suíça, inclusive tive um colega que fez parte da formação no Barcelona, e o feedback que lhes dava era de que conciliassem a vontade de ir para fora com a certeza sobre quem estava a tratar da situação, para não se deixarem enganar ao ponto de os abandonarem e depois ser difícil voltar para a Indonésia. Infelizmente temos visto muitos casos desses em Portugal e é triste porque vemos jogadores que vêm com uma ilusão completamente diferente da realidade que vão encontrar.

Como utilizador frequente dos serviços do Sindicato que te revelas ao longo da entrevista, acrescentavas alguma sugestão ao que tem sido feito?
O Dr. Evangelista, nestes anos todos que tem estado à frente do Sindicato, tem feito um trabalho fantástico. Nesta área, no combate ao tráfico, tem ajudado muito os jogadores, mas também nos salários em atraso, no mau comportamento dos clubes para com os jogadores, o Sindicato tem estado presente em todas as áreas e é de enaltecer tudo o que toda a equipa tem feito para fazer do futebol uma indústria diferente, com outro tipo de valores.