"O futebol é o momento e nunca se sabe o dia de amanhã"


Licenciado em Engenharia Biológica, o avançado de 22 anos joga na Liga 2, pelo Estrela da Amadora.

22 anos, licenciado e jogador profissional. Como é que se chega aqui?
A licenciatura, o meu percurso académico sempre foi o plano B. Desde pequeno que o meu sonho foi ser jogador de futebol. Comecei com cinco anos e sempre fui jogando, numa equipa aqui, numa equipa ali, mas os meus pais sempre me tentaram pôr juízo na cabeça e sempre disseram “vai fazendo sempre os teus estudos porque nunca sabes o dia de amanhã”. O futebol é o momento e nunca se sabe o dia de amanhã. Fui fazendo os meus estudos, como plano B, entrei na universidade, continuei a jogar e pronto, deu certo.

Quando terminaste o 12.º ano já tinhas definido que querias seguir para a faculdade e para o curso que foste?
No 12.º ainda estava muito naquela de ver no que é que ia dar o futebol, visto que ainda estava num ano de formação, se não estou em erro, no meu primeiro ano de júnior. Estava no Merelinense e, pronto, quantos juniores do Merelinense é que dão jogadores? Não é fácil. Então pensei que ia manter o plano B e continuar a lutar para conseguir chegar ao sonho de menino. O curso foi surgindo. Fui vendo coisas, pesquisando sobre cursos… Queria ficar na Universidade do Minho, que fica na zona de Braga, para poder continuar a morar em minha casa e continuar a jogar. Sabia que queria uma engenharia e acabou por ficar engenharia biológica.

Porquê Engenharia Biológica?
Eu queria uma engenharia, não me identificava com mais nenhum curso. As únicas engenharias que existem na Universidade do Minho, no polo de Braga, é física e biológica. Identifiquei-me mais com engenharia biológica e foi o curso que escolhi.

Já disseste que sempre quiseste ter um plano B, mas esta engenharia foi já a pensar no futuro?
Claro. O futebol é uma carreira curta, aos 30 ou 35, por aí, acaba e o jogador está habituado a ter o rendimento ali certinho e quando acaba a carreira muitos ficam desamparados, não têm por onde pegar, nem mais rendimentos. Com este plano B tenho sempre uma segurança. Quer precise, quer não, tenho esta segurança.

Entre o curso e o futebol nunca pensaste em deixar um para trás?
Quando acabei a formação no Merelinense as únicas equipas que me apareceram eram da distrital. O meu primeiro ano enquanto sénior foi na distrital. Nessa altura abalou-me um bocadinho, sou sincero, e pensei em desistir. Achei que já não ia chegar a lado nenhum, que ia ser muito difícil. Depois pensei “porque não tentar? Faço o que gosto, treino três vezes por dia”. Na distrital dava para conciliar tudo perfeitamente. Fazia na mesma os meus estudos na Universidade e conseguia continuar com o futebol. Fui fazendo, as coisas começaram a correr bem, a surgir e pronto, comecei a sonhar.

“QUANDO TEMOS CABEÇA E SE TRABALHARMOS UM BOCADINHO MAIS QUE TODA A GENTE, CONSEGUIMOS CHEGAR LÁ. DEPOIS É TUDO UMA QUESTÃO DE OPORTUNIDADES.”

Como conseguiste gerir as duas coisas mais a tua vida pessoal?
Não é fácil, mas se soubermos planear bem a nossa semana consegue-se organizar. Não é fácil, mas acho que está ao alcance de qualquer um. Basta ter organização e metodologia.

Os clubes por onde passaste ajudavam a incentivavam a que prosseguisses os teus estudos?
Não, nunca tive sequer estatuto de jogar. Tive apenas um ano, quando participei na equipa da Universidade e fomos a um torneio em Madrid. Mas nunca precisei desse estatuto de atleta, porque ia sempre fazendo as cadeiras todas direitinhas. Nunca precisei da época especial.

Sempre jogaste em clubes do norte, maioritariamente na zona de Braga. Foi uma opção tomada tendo em consideração os estudos?
Este ano tinha de tomar uma decisão. Ou quero o futebol e ser profissional ou continuo a estudar. Já tenho uma licenciatura e fiquei a meio do mestrado. Só faltava este ano para terminar, só que para fazer este ano não podia jogar em lado nenhum, porque tinha de fazer um estágio curricular e isso ia ocupar grande parte do dia. Não dava para conciliar isso com o futebol, então tomei esta decisão. Arrisquei, apostei tudo no futebol e se não der certo posso sempre voltar. A matrícula está congelada e se não der certo tenho sempre aquilo por onde pegar.

Agora largaste a tua zona de conforto e vieste para Lisboa, para o Estrela. Como foi esta mudança?
Sinceramente não foi fácil, porque como disseste, foi a primeira vez que saí das zonas de Braga e sempre morei com os meus pais. Agora vir morar sozinho foi um choque. Lembro-me de que nas primeiras semanas até chorei, porque foi mesmo difícil. Por outro lado, sempre fui uma pessoa mentalmente forte e meti na cabeça “tem de ser, vou adaptar-me, vou começar a habituar-me”. Os meus colegas aqui no Estrela também foram impecáveis, o mesmo da estrutura, e foi uma adaptação gradual. Foi tornando-se cada vez mais fácil e agora estou bem.

Em três anos passaste das distritais para a Segunda Liga. Como se deram estes saltos consecutivos?
Não é algo que se vê frequentemente, apesar de já existirem alguns casos. Por exemplo, o do Beto que agora está da Udinese. Acho que um jogador abala-se quando está na Distrital porque de facto é difícil sair de lá. No entanto, quando temos cabeça e se trabalharmos para isso, se trabalharmos um bocadinho mais que toda a gente, conseguimos chegar lá. Depois é tudo uma questão de oportunidades. Sinto que por onde passei, as pessoas deram-me oportunidades e acabou por dar tudo certo no final.

“NUNCA É TARDE PARA TIRAR UM CURSO. ALIÁS, ACHO QUE OS JOGADORES AGORA ATÉ TÊM VANTAGENS SE QUISEREM SEGUIR PARA O ENSINO SUPERIOR. CADA UM PODIA E DEVIA APOSTAR NISSO COMO UM PLANO B.”

Começaste a época com o pé direito e já te afirmas como um dos grandes marcadores da Segunda Liga. A adaptação foi fácil?
Inicialmente não foi assim tão fácil, especialmente pela mudança de Braga para cá. Sentia-me abalado e na pré-época não me sentia no meu melhor, sentia que não estava a render aquilo que podia render. Depois, gradualmente, adaptei-me e agora sinto-me completamente estável.

No Estrela têm um grupo relativamente jovem. Tentas influenciar os teus colegas a retomarem os estudos?
Falamos às vezes disso. Temos aqui colegas que ainda estudam, como o Edu. E eu acho que nunca é tarde para tirar um curso. Aliás, acho que os jogadores agora até têm vantagens se quiserem seguir para o ensino superior. Cada um podia e devia apostar nisso como um plano B.

Sentes que há, de alguma forma, admiração pelo teu percurso educativo?
Sem dúvida. Até eu olho para o meu percurso e me sinto orgulhoso. E as pessoas também me vão dizendo que tenho de ter orgulho no que fiz.

Apesar de haver cada vez mais jogadores a ingressarem no ensino superior, ainda é raro encontrar quem nunca faça uma “pausa” na educação. Ainda assim, consideras que as coisas estão a começar a mudar?
Sim, sinto que cada vez mais as pessoas apostam em tirar cursos superiores. Eu entendo quem não tira. Por exemplo, os miúdos que já fazem a sua formação no Benfica, no Sporting, sentem que vai dar certo. Eu não, não tive essa escola. Tive a escola de passar pelos clubes da distrital, da zona e então tive de me agarrar a outra coisa.

“UMA LESÃO PODE ACABAR UMA CARREIRA E DEPOIS NÃO TÊM A QUE SE AGARRAR. DEVIA-SE MANTER SEMPRE A ESCOLA E A UNIVERSIDADE POR PERTO.”

Na tua ótica, o que é preciso para incentivar os jogadores a não deixarem de lado os estudos?
Precisam de alguém que lhes mude o mindset e que lhes diga que o futebol não é 100% fiável e que não é uma certeza que dê certo. Uma lesão pode estragar tudo. Uma lesão pode acabar uma carreira e depois não têm a que se agarrar. Devia-se manter sempre a escola e a universidade por perto. É super fazível. Eu não sou mais do que ninguém. Qualquer um pode fazê-lo.

Achas que os clubes podiam ter mais influência neste campo?
Eu acho que os clubes já fazem isso. Estive um ano no Braga e lembro-me de que tínhamos de apresentar as nossas notas no final de cada período. Se não tivéssemos boas notas, levávamos ali uma dura [risos].

Já tens uma licenciatura debaixo do braço e um mestrado a meio. Retomar o mestrado é algo que faz parte dos teus planos futuros?
Acho que só o futuro o dirá. Neste momento estou estável e tranquilo no futebol, nunca se sabe a carreira que posso ou não fazer. Tudo vai depender do que eu possa fazer, do dinheiro que vou ter ou não para investir. Vai depender de mim e do que posso ou não fazer.

O que pensas da aposta do Sindicato na educação dos jogadores e nas carreiras duais?
Acho incrível, sinceramente. São estas pequenas coisas que mudam o pensamento dos jogadores. Com estas ferramentas todas que lhes são dadas, acredito que os jogadores cada vez mais vão começar a tirar cursos superiores.