"Tento ser o mais correto possível com os meus jogadores"
Treinador do Feirense considera que os jogadores devem ser mais protegidos pelos adeptos.
Em março de 2020, o futebol parou devido a uma pandemia que nos apanhou a todos de surpresa. Como é que lidou com essa interrupção abrupta?
Não foi fácil. Na altura estava nos sub-23 do Feirense e ficámos sem poder treinar e estar em contacto com os jogadores. É muito difícil podermos desenvolver qualquer tipo de trabalho nesse contexto. Foi muito difícil para os treinadores, jogadores e para o clube, como deve calcular. Fomos arrumando com as ferramentas que temos, tentando manter os jogadores a trabalhar, mas não foi nada fácil.
O que aproveitou para fazer nos dois meses em que o país esteve confinado, no início da pandemia?
Acima de tudo, aquilo que tentámos fazer foi manter os jogadores em atividade, dentro dos nossos recursos. Através de videoconferências, fizemos algumas reuniões para poder desenvolver essas capacidades físicas dos jogadores, sabendo que não seria nada significativo quando fosse retomada a competição, mas era importante manter a atividade.
Como é que um treinador de futebol lida com os imprevistos de uma pandemia, que de um momento para o outro, pode alterar toda uma estratégia?
Com muito receio. Temos de ter muita atenção ao número de jogadores inscritos. No caso do Feirense deixámos de ter uma equipa de sub-23 e temos um plantel mais reduzido porque é assim que a minha equipa técnica gosta de trabalhar, mas o certo é que com esta pandemia fomos acabando por ter mais um ou outro jogador e estendemos o número de atletas no plantel. Chegamos a esta fase do campeonato achando que, para ter mais qualidade de trabalho, teríamos de reduzir o plantel, mas o certo é que nesta fase é um risco fazê-lo. Este é mais um ano diferente, em que os clubes têm de aguentar mais um bocadinho financeiramente para ter um número maior de jogadores e salvaguardar os constrangimentos da Covid-19.
Sente que as pessoas aprenderam algo com esta pandemia e passaram a valorizar aspetos aos quais não davam tanta importância antes?
Não. Não sou daqueles que digo que as pessoas vão estar mais conscientes, mais lamechas, mais amigas do próximo, pelo contrário. As pessoas vão ter tendência a ser piores, a viver a vida mais a mil. Estamos num mundo muito lindo, em que nada de grave acontece, e as pessoas querem viver o dia-a-dia e acabam por cometer mais erros. Devemos manter a calma, a serenidade e o equilíbrio, para termos uma vida com qualidade.
“JOGAR COM OS ADEPTOS É MAIS ENTUSIASMANTE, TORNA O JOGO MAIS INTENSO, MAIS COMPETITIVO E HÁ MAIS EMOÇÃO.”
É diferente jogar com ou sem público nos estádios?
Completamente. A fase sem público foi muito monótona, sem chama, sem a essência do futebol. A ausência da atmosfera criada pelos adeptos é como comida sem sal. Jogar com os adeptos é mais entusiasmante, torna o jogo mais intenso, mais competitivo e há mais emoção. Nós, profissionais de futebol, não gostamos de nos ver privados do público nos estádios.
Iniciou a carreira de treinador em 2010, no Boavista, mas esteve oito anos sem exercer esta função, desempenhando o cargo de coordenador de formação da Academia Marfoot. Porque decidiu fazer esta longa paragem?
Quando saí do Boavista tive uma fase em que esperei que surgisse um convite de algum clube e, enquanto não surgiu e como não sou muito de estar parado, envolvi-me no projeto Marfoot, que é uma academia de miúdos dos 4 aos 17 anos que nasceu através de uma ideia minha, em que convidei dois colegas meus, o Abel Ferreira e o Marco Couto, que jogaram comigo no Vitória SC e, pela amizade que temos, sugeri criar essa academia na cidade de Espinho. A expressão ‘Mar’ de Marfoot são as iniciais dos nossos nomes [Marco, Abel e Rui]. Fui dando importância a esse projeto, senti que a minha presença era fundamental e estive nove anos dedicado à Marfoot como coordenador e, atualmente, como presidente. Agora foi o momento de ir ao encontro daquilo que procurava, que é fazer a minha carreira como treinador.
Regressou ao ativo, assumindo o comando dos sub-23 do Feirense. A Liga Revelação é uma competição que fazia falta ao futebol português?
É um espaço muito importante de ligação aos sub-19, mas depende do projeto do clube. Há muitos jovens que ficam tristes e desmotivados porque as oportunidades não lhes são dadas e, subindo aos sub-23, acabam por ter mais dois, três anos de formação e isso é motivador para os jovens.
“SOU DOS PRIMEIROS A LUTAR PARA QUE AS PESSOAS, OS DIRIGENTES E OS ADEPTOS PERCEBAM QUE A CLASSE DOS JOGADORES TEM DE SER CADA VEZ MAIS RESPEITADA.”
Depois seguiu-se uma passagem pelo Felgueiras e o regresso ao Feirense. Sente que tem cumprido os objetivos e a sua missão nos clubes que tem representado?
Sim. Iniciei a minha carreira no Boavista depois de ter começado o meu trajeto como treinador no Sindicato dos Jogadores, a convite do Joaquim Evangelista, um grande amigo e uma pessoa pela qual tenho grande estima e admiração, pelo trabalho que tem desenvolvido ao longo destes anos, e depois surgiu o convite para o Boavista, na altura no Campeonato Nacional de Seniores, cujo objetivo era lutar para não descer. Propus resgatar alguns dos jogadores que estavam a treinar no Sindicato, ficar com os miúdos da formação e acreditei que podíamos criar uma ambição maior no clube e ficámos nos primeiros lugares. Nos sub-23 do Feirense valorizámos os jogadores, no Felgueiras chegámos com quatro pontos num terço do campeonato e acabámos por andar nos lugares de luta à promoção, sendo que não terminei a época porque vim para o Feirense, já numa fase final do campeonato, em que não conseguimos o objetivo da subida, mas deixámos uma marca positiva e demos continuidade esta época, construindo um plantel com um orçamento muito baixo, diferente dos anos anteriores, baseado em jogadores jovens da casa, resgatados ao Campeonato de Portugal e quatro ou cinco jogadores mais experientes que ficaram e tentámos construir uma equipa para lutar pela manutenção e as coisas estão a correr-nos bem.
Quais são as principais virtudes que um treinador deve ter para conquistar os jogadores? Revê-se em algum treinador em especial para exercer a sua função?
Acho que devemos ser nós próprios. Não devemos copiar ninguém. Devemos ter a nossa personalidade e a nossa própria liderança. Tento ser o mais sincero, o mais sério e o mais correto possível com os meus jogadores. Se os jogadores sentirem que não estou a ser correto, vão sentir-se traídos e isso seria algo negativo para o relacionamento com o grupo de trabalho. O que apresento é seriedade, exigência máxima e respeito por todos e pelo espaço de cada um.
Até onde gostaria de chegar como treinador?
De uma forma sustentada, como tenho feito até ao momento, mas tenho como objetivo claro lutar para ser campeão nacional da Primeira Liga.
Foi jogador de futebol e associado do Sindicato. Continua a acompanhar o nosso trabalho?
Claro. Não podia deixar de acompanhar, pelas pessoas que estão a trabalhar no Sindicato, pela capacidade de trabalho que têm feito ao longo deste tempo. Exemplo disso é o centro desportivo que construíram e todo o apoio que dão aos jogadores, a luta diária para uma melhoria da classe. Sou dos primeiros a lutar para que as pessoas, os dirigentes e os adeptos percebam que a classe dos jogadores tem de ser cada vez mais respeitada. Sem eles, não há jogo de futebol e eles são a verdadeira essência e o mais importante. Têm de ser respeitados e ter o seu estatuto para que possam desenvolver a sua atividade. Os clubes têm de cumprir com os aspetos contratuais dos jogadores, os adeptos têm de saber respeitar os jogadores porque estão no campo a dar o seu melhor e não podem ser enxovalhados como muitas vezes são, porque do outro lado têm uma equipa a dar o seu melhor e só pode ganhar um. Enxovalhar os jogadores é uma falta de respeito pela classe e todos nós, em sintonia, devemos alertar as pessoas e fazê-las perceber que os jogadores têm de ser mais respeitados porque sem eles o futebol não existe.