"Ainda tenho muito para dar ao futebol"


Internacional português regressou ao Paços de Ferreira no último ano, depois de ter sido campeão.

 

Antunes, começando, inevitavelmente pelo início. A caminhada no futebol começou como a de qualquer outro miúdo, no clube da terra?
Sim, no clube da terra, mas não no Paços. Foi no vizinho e rival Freamunde. Fiz lá toda a minha formação e acabei por vir para o Paços de Ferreira numa altura bastante improvável, tendo em conta a rivalidade que era muito grande. Felizmente fiz essa escolha na minha vida, pois das três vezes que por aqui passei senti-me sempre muito bem. É como se fosse a minha casa.

Sempre tiveste o sonho de ser profissional?
O meu sonho sempre foi ser jogador de futebol desde miúdo. Nunca fui bom na escola, fui bom noutras coisas, por isso o meu foco era sempre o futebol. Dava o meu máximo, era o meu sonho desde pequenino e acabei por conseguir.

A tua estreia enquanto sénior foi no clube que te formou, no Freamunde, na altura na Segunda Divisão B. Nunca duvidaste se serias capaz de chegar ao mais alto patamar do futebol?
Sempre existiram dúvidas, até porque nessa altura já sabíamos que o futebol é um mundo complicado e que há milhares e milhares de miúdos com esse sonho e nem todos vão conseguir. Eu tive o privilégio de ter conseguido ingressar na equipa sénior do Freamunde com 15 anos e fazer dois anos na Segunda B, algo que me ajudou muito a crescer enquanto jogador. Tive a sorte de ser jogador profissional, mas obviamente que os meus pais, as pessoas que me rodeavam, sempre me puseram de pés bem assentes na terra e diziam que era muito complicado, que era um mundo muito complicado, e que independentemente de poder chegar ou não lá acima – e mesmo quando cheguei ao Paços de Ferreira e à Primeira Liga – o mais difícil era manter. E é verdade. Por isso o sonho existia, mas também existia aquele pé atrás de saber que tudo poderia acabar de um momento para o outro se não estivéssemos focados e não tivéssemos aquela pontinha de sorte que também é preciso.

Ainda assim, tiveste um salto muito grande na tua carreira. Passas da Segunda B diretamente para a Primeira Liga, para o Paços de Ferreira. Ainda te lembras do momento em que recebeste a proposta?
Sim, lembro-me perfeitamente. Lembro-me de que tinha outros clubes interessados, mas preferi vir para aqui, pois assim continuava perto da minha família e para mim, emocionalmente, ia ser melhor, ia ajudar no meu rendimento. Foi uma notícia muito agradável porque tinha feito o Campeonato da Europa de Sub-17 com a Seleção, a jogar no Freamunde e sonhava dar o passo seguinte, mas sabia que era muito complicado. Era jogador do Freamunde e para sair para outro lado qualquer teriam de pagar cláusulas, etc. Acabou por acontecer e fiquei muito feliz com isso, claro.

Na tua estreia na Primeira Liga fizeste logo 24 jogos e na época seguinte és emprestado à Roma de Totti e De Rossi. Enquanto miúdo, com 20 anos, aquela oportunidade parecia que estavas a viver um sonho?
Parecia não, estava. Estava mesmo a viver um sonho, algo impensável. Foi tudo muito rápido. Passei da Segunda B, para jogar na Primeira numa equipa [Paços de Ferreira] que conseguiu a qualificação para a Liga Europa pela primeira vez e de repente, no prazo de um ano e pouco dar o salto para a Roma foi um sonho tornado realidade. Não estava à espera que acontecesse assim tão rapidamente e, se calhar, nem estava preparado para isso.

SE NÃO FOSSE A FORÇA QUE A MINHA MULHER ME DEU, TALVEZ NÃO ESTIVESSE AGORA A JOGAR FUTEBOL NEM A DAR ESTA ENTREVISTA.”

Como foi a adaptação a um novo país, a uma nova língua e a um clube de uma dimensão tão grande?
Não foi muito fácil. Até porque, como já disse, a minha escolha do Paços, depois do Freamunde, foi por estar perto da família e estar bem emocionalmente. Na Roma foi muito complicado. Fui sozinho para Itália, falava um bocadinho de nada inglês, zero italiano e tive de aprender tudo do zero, aprender a desenrascar-me sozinho, a cozinhar... foi uma realidade completamente diferente. É verdade que estava a viver um sonho profissionalmente, mas estava a viver uma evolução muito grande enquanto pessoa, pois tive de aprender a desenrascar-me sozinho num país completamente diferente daquilo que é o nosso. Tudo foi uma aprendizagem. É por isso que digo que se calhar fui um bocadinho cedo de mais, dei esse salto demasiado cedo e não estava preparado para isso. Mas tudo serviu para a minha evolução no futebol.

Agora, olhando para trás, davas um passo diferente?
Provavelmente sim. Teria tido outras escolhas que também eram possíveis na altura. Tomei essa decisão e não me arrependo. Tenho a perfeita noção daquilo que fiz. Tive o prazer de jogar futebol e ter a carreira que tive. Não me arrependo das decisões que tomei, mas claro que agora, olhando para trás, e pensando mais friamente, tomava decisões diferentes.

A verdade é que ainda jogaste no Lecce e no Livorno, com uma época emprestado ao Leixões pelo meio. Apesar de tudo, Itália foi um país importante na tua carreira?
Muito importante. Na minha posição, enquanto defesa, tive uma aprendizagem enorme porque estava num campeonato na altura conhecido por ser muito bom taticamente e muito defensivo. A verdade é que quando saí do Paços já era bom, mas quando lá cheguei vi que não era assim tão bom e que havia pormenores, pequenas coisas, que nos faziam melhorar o rendimento. Isso fez-me crescer enquanto profissional.

Depois do Livorno ainda tentas a Liga Grega. Em oito anos de sénior, mais de metade foram fora de Portugal. O facto de teres saído tão cedo do país deixou-te com o “espírito de emigrante” ou foi apenas uma questão de oportunidades?
Foi uma questão de oportunidades. Claro que gostamos do nosso país e sempre que possível gosto de estar cá. Infelizmente durante a minha carreira poucas oportunidades tive de jogar em Portugal. Tive apenas o Paços, o Leixões, na altura, e apenas porque pedi para ser emprestado por causa do nascimento do meu filho, e depois este período no Sporting. Foi muito pouco e a verdade é que nunca tive grandes oportunidades para voltar a Portugal. No mundo do futebol, quer queiramos quer não, procuramos sempre o melhor para nós e para a nossa família, não só em termos futebolísticos, mas também monetários. Não vale a pena estar com grandes mentiras. Toda a gente gosta de futebol, eu adoro futebol, mas se não tivesse rendimentos tinha de tentar outra profissão. Lá fora sempre tive essas oportunidades: poder jogar, poder usufruir daquilo que eu gosto e ter muito mais vantagens monetariamente que em Portugal. 

Depois daquela época na Grécia, regressas ao Paços de Ferreira. Sentiste que precisavas de regressar a casa, quer ao clube quer ao país?
Sim. Curiosamente quando fui da Roma para a Grécia fui por empréstimo, durante quatro meses, e estava a passar por um período muito complicado da minha vida. Tinha nascido o meu filho, depois voltei para a Roma e comecei a treinar à parte sem qualquer justificação da parte do clube e foi complicado. Foi uma fase muito complicada da minha carreira e até pensei em desistir do futebol. Só não o fiz graças à minha mulher. Ela é que me convenceu a tentar uma experiência fora, na Grécia, pois tinha esse clube que estava muito interessado em mim embora eu não tivesse muita vontade de ir. A minha decisão era acabar o contrato na Roma e abandonar o futebol. Já não tinha paixão pelo que estava a fazer. Entretanto fui [para a Grécia], disse “ok, vamos, não perdemos nada, vamos ver se vou ganhar outra vez aquela força que me mantinha no futebol” e foi a melhor coisa da minha vida. Foram quatro meses muito importantes para mim. Cheguei e apostaram logo em mim no onze, na equipa, devolveram-me a confiança, o gosto pelo futebol e pelo treino, principalmente. Se não fosse a força que a minha mulher me deu talvez não tivesse agora a jogar futebol nem a dar esta entrevista porque não tinha grande capacidade mental para continuar no mundo do futebol. Graças a Deus tomei essa decisão e por isso digo que esses quatro meses na Grécia foram muito importantes.

“DEPOIS DOS QUATRO MESES NA GRÉCIA RESCINDI CONTRATO, VOLTEI PARA CASA E FUI MUITO FELIZ OUTRA VEZ.”

Como é que uma pessoa que sempre quis jogar futebol, que sempre teve o sonho de ser jogador, lida psicologicamente com o facto de se ver confrontada com esse sentimento de já não gostar do jogo?
É difícil, é muito complicado. Por exemplo, para mim esse período foi muito complicado porque tinha o meu filho bebé em Portugal, estava sozinho em Itália, não me deixavam treinar com a equipa, tinha sempre horários diferentes, sozinho. A equipa treinava à tarde, eu treinava de manhã e vice-versa e para um jogador como eu era na altura, um miúdo de 23 anos…. Eu era muito inocente e pensava para mim “o que é que eu fiz de errado para estar nesta situação?” e não conseguia encontrar razões para aquilo. Acabamos por nos culpar, interiorizamos isso. Depois, eu desabafava com muito pouca gente, porque estando sozinho era complicado, não gostava de ligar para Portugal e preocupar os pais, a família. Aquilo começou a encher, a encher, até entrar em colapso e pensar que o meu escape era abandonar o futebol e pensar noutra coisa. Naquele momento não me sentia feliz nem sentia que estava a dar o que podia dar ao futebol. Não estava nem a receber nem a dar aquilo que queria. Isso é muito complicado.

Assim sendo, apesar de muito curta, a tua passagem pela Grécia acabou por ser a mais impactante da tua carreira?
Sim. Foi aí que eu depois decidi rescindir com a Roma, apesar de ainda ter contrato. Foi uma rescisão amigável e voltei ao Paços de Ferreira. Curiosamente foi o único clube que me fez uma proposta para poder continuar a minha carreira. Em anos anteriores tinha muitos clubes interessados em mim e no meu trabalho e, naquele momento, com o passaporte na mão, como jogador livre, não houve nenhum clube que me quisesse dar uma oportunidade. O Paços mais uma vez estendeu-me a mão, deu-me mais uma oportunidade. Depois dos quatro meses na Grécia rescindi contrato, voltei para casa e fui muito feliz outra vez.

Ainda assim, a passagem foi curta, porque saíste logo de seguida para Espanha, para mais uns quantos anos na vida de emigrante. Como foi a experiência no Málaga?
Muito boa. Aliás, esse ano começou muito bem para mim. Estávamos a fazer um ano fantástico aqui no Paços e a situação até me apanhou um bocadinho de surpresa porque a transferência para o Málaga aconteceu no último dia do mercado. Lembro-me que treinámos de manhã, fui almoçar a casa da minha avó com a minha mulher e o presidente estava a tentar ligar-me, mas eu tinha deixado o telefone no carro, então ele ligava e ligava, mas eu nunca atendia. De repente ligaram para a minha mulher. Era a mulher do presidente [risos]. Ela tinha o contacto da minha mulher e disse que o presidente precisava muito de falar comigo. Falei com ele e disse-me que tinha aquela equipa, se quisesse ir, podia ir à minha vida. Disse-me “vieste livre, podes ir livre para o Málaga se quiseres”. Claro que já havia um acordo entre clubes, mas deixou claro que não ia pôr nenhum entrave para eu poder sair a meio da época. Eu disse “pronto, presidente, vamos lá então”. Vim aqui ao estádio rapidamente assinar os papéis do Paços de Ferreira e cheguei a Málaga faltava vinte minutos para o fecho do mercado. Acertámos tudo muito rapidamente e acabei por ficar lá. Foi uma experiência espetacular. Tinha vindo de um momento mais escuro da minha carreira, voltei para casa, para o Paços, voltei a ser feliz neste clube, e sou vendido e volto a entrar num clube de Liga dos Campeões. Para mim foi o retomar do sonho. Tive aquele curto-circuito e isto voltou a dar-me esperança.

Na tua terceira época em Espanha, sais para o Dínamo de Kiev. Como é que encaraste a proposta de ir para a Ucrânia?
Foi uma proposta irrecusável. Tinha renovado com o Málaga dois meses antes e depois apareceu a proposta do Dínamo de Kiev em plena guerra, que isto foi no ano em que começou a guerra na Crimeia. A proposta era muito tentadora, irrecusável mesmo. Ainda liguei para o Miguel Veloso para ele me dar algumas indicações sobre aquilo, se era perigoso, se estava tranquilo. Ele disse que nunca tinham tido problemas, então nem pensei duas vezes. Tomei a decisão de ir para o Dínamo porque era uma coisa que me ia dar uma estabilidade muito grande, a mim e à minha família, no futuro. Acabei por ser feliz lá. Fui duas vezes campeão, ganhámos duas taças, joguei na Europa… foi bom.

Foi ao serviço do Dínamo que conquistaste o maior número de troféus. Dois campeonatos, uma taça e uma supertaça. Ambientaste-te bem a mais uma cultura e outro futebol?
Sim. Sim, porque nesse clube encontrei o Miguel Veloso, que já conhecia das seleções jovens, e muitos jogadores estrangeiros, muitos deles brasileiros, o que acabou por tornar o ambiente numa coisa mais “nossa”, ou seja, era como se estivesse em casa, mesmo a nível de língua. Falávamos sempre português ou inglês. Acabou por ser uma ambientação muito fácil. Entrava ali e era como se estivesse no meu país, porque acabávamos por estar sempre juntos, aqueles que falavam a mesma língua.

“NO DIA EM QUE ASSINEI CONTRATO COM O SPORTING DISSE AO HUGO VIANA QUE ÍAMOS SER CAMPEÕES.”

Na altura disseste que gostavas de regressar a Portugal, mas voltas a Espanha, para o Getafe. Porquê?
Lá está, porque nunca surgiu a oportunidade de voltar a Portugal. Surgiam oportunidades, mas realisticamente nunca eram compatíveis com as de outros países. Faziam propostas que nunca poderias sequer comparar com as de outros países. A realidade que temos no nosso campeonato por comparação com os restantes por essa Europa fora é muito diferente, monetariamente falando, claro, porque aqui existe muita qualidade. Acho que a maior parte dos jogadores de futebol, tanto portugueses como estrangeiros, veem o nosso campeonato como uma rampa de lançamento para irem para outros campeonatos ganhar dinheiro. O principal é ganhar dinheiro. Títulos, também, claro, se pudermos juntar as duas coisas é espetacular, mas a realidade é que fora de Portugal dão-te outras condições. Falavam comigo, mas nunca com uma proposta válida. Então, tomei a decisão de voltar a Espanha e ir para o Getafe.

É no Getafe que acabas por te lesionar com gravidade, em 2019, e ficaste bastante tempo afastado dos relvados. Já com 32 anos, com uma lesão tão grave, chegaste a pensar que a carreira poderia ter acabado?
Não, nunca. Nunca pensei isso. Curiosamente estava a passar por um dos melhores momentos da minha carreira aos 32 anos e aconteceu. A lesão nunca avisa quando vem e infelizmente aconteceu, mas desde o primeiro dia que decidi que nunca na minha vida ia ser o fim da minha carreira. Ia voltar e tinha que voltar mais forte do que antes. Claro que sabia que mais forte e ter as mesmas oportunidades era difícil, porque ia voltar com 33, 34, mas aqui estou eu. Com 35 anos estou a fazer uma boa época no Paços, estou feliz e consegui ser campeão pelo Sporting.

Em 2016 disseste numa entrevista que a tua maior frustração era nunca teres jogado por um dos grandes portugueses. Imaginavas que essa oportunidade ainda ia surgir e logo a seguir a um período tão complicado para ti enquanto jogador?
Não, sinceramente, não. Nunca esperei que essa oportunidade fosse surgir, especialmente depois de me ter lesionado com gravidade no joelho com 33 a passar para 34 anos. Não estava mesmo à espera dessa oportunidade. Quando me ligaram da parte do Sporting foi uma surpresa enorme. Para além da lesão, nesse momento estava a jogar muito pouco no Getafe, voltei de lesão e não tive oportunidades para mostrar que já estava bem. Foi uma contratação, por parte do Sporting, às cegas. Foi um voto de confiança que o clube, o Rúben Amorim e o Hugo Viana me deram. Apesar de ter sido uma contratação muito falada, com muitas dúvidas, eles sempre deram a cara e só lhes tenho a agradecer. Infelizmente não consegui ter os minutos que qualquer jogador gostaria de ter, mas sei que tive um papel importante e isso deixa-me satisfeito.

Mesmo sem os minutos que gostarias de ter, acabaste por jogar num grande e ainda vencer o tão aguardado campeonato, que também fugia ao Sporting há 19 anos. É uma época que te ficará para sempre na memória?
Obviamente. No dia em que assinei contrato com o Sporting disse ao Hugo Viana que íamos ser campeões, porque eu sou uma espécie de amuleto da sorte. Na minha primeira passagem pelo Paços fomos à Liga Europa, quando voltei foi à Champions, quando fui para o Dínamo de Kiev ganharam o campeonato dez anos depois e ganhámos dois anos seguidos, voltei para Espanha, o Getafe qualificou-se para a Liga Europa 20 anos depois também… Por isso eu disse que o Sporting ia ser campeão também. Ele não acreditou [risos]. Achou aquilo impossível, mas conseguimos e o que é certo é que quem tinha razão era eu! [risos]

O segredo para ser campeão é contratar o Antunes?
Exatamente. Já disse: quem quiser ser campeão, é só contratar-me [risos].

“QUERO ACABAR A CARREIRA A SENTIR-ME ÚTIL AO FIM DE SEMANA.”

Depois da conquista do campeonato regressas ao Paços de Ferreira, apesar de ainda teres mais um ano de contrato com o Sporting. O que te motivou a regressar, uma vez mais, a casa?
Senti que, depois da lesão, do pouco tempo de jogo que tinha tido durante aqueles dois anos e meio, se não saísse para tentar jogar mais tempo, provavelmente iria ser o meu último ano enquanto jogador e eu não queria acabar a carreira sem estar a jogar regularmente ou sem me sentir útil dentro de campo. Deram-me uma importância grande no Sporting, mas não me sentia jogador e era isso que eu queria ser, jogador, era para isso que me pagavam, para ser jogador do plantel e não para fazer parte do grupo e ajudar fora do campo. Precisava de sentir que estava bem, que o joelho estava bem e que podia fazer uma época inteira sem lesões, sem qualquer problema físico, confiante. Precisava de sentir isso outra vez. Então tomámos a decisão, junto do Hugo Viana e do Rúben Amorim, mais uma vez, de rescindir amigavelmente, de me deixarem sair para o Paços e desfrutar do meu futebol, a jogar. Consegui fazer o ano todo a jogar, regularmente. Tenho mais um ano de contrato e sinto-me capaz de continuar a jogar durante mais dois ou três, coisa que não sentiria se continuasse no Sporting sem jogar com regularidade.

Falas sempre muito do quão importante é a regularidade e os minutos de jogo para um jogador. Pretendes acabar a carreira nos relvados e não no banco?
Sim. Não quer dizer que tenha de ser a jogar todos os jogos a titular. Não. Eu quero acabar a carreira a sentir-me útil ao fim de semana. Se não for possível, durante a semana sentir-me útil e saber que sou uma opção válida para o treinador, que se trabalhar no duro, posso ser uma opção para o jogo e não estar a semana toda a trabalhar sabendo que nunca vou jogar. Isso é complicado. Precisava de me sentir útil, trabalhar a 100% e ter aquele 50/50 de jogar ao fim de semana. É isso que quero sentir quando acabar a carreira. Não ser apenas uma pessoa útil para o grupo. Se não for útil dentro de campo, então não vale a pena andar aqui a enganar ninguém.

Disseste que ainda te sentes bem para jogar mais duas ou três épocas, mas já começas a pensar nesse momento, o de pendurar as botas?
Uma pessoa pensa sempre no futuro. Aos poucos tento ir preparando o meu. Não penso muito em acabar a carreira porque não gosto de pensar muito à frente, mas sim viver o momento e neste momento estou feliz a jogar e penso em continuar mais dois ou três anos. Se isso não acontecer, estou preparado ou estou a preparar-me para o meu futuro, que é manter-me no mundo do futebol. Gostava de ser treinador, porque queria manter-me dentro do campo de jogo, mas não me vou preparar só para isso. Vou preparar-me para outros campos, também, mas sempre a englobar o futebol, porque não sei fazer mais nada. Estou a preparar o futuro, sem pensar em acabar a carreira.

Olhando agora mais retrospetivamente para a tua carreira. O menino de Freamunde alguma vez imaginou que teria uma carreira tão recheada?
Era muito difícil. Sabíamos que era muito difícil para qualquer miúdo e ainda para mais para um saído do SC Freamunde naquele momento do mundo do futebol. Naqueles tempos era muito complicado. O sonho existia e como se costuma dizer o sonho comanda a vida, mas os meus pais sempre me disseram o quão difícil ia ser conseguir alguma coisa no futebol. Graças a Deus, consegui e ainda bem porque se não, não sei o que ia fazer [risos].

Tendo jogado em tantos países e tendo saído tão jovem de Portugal, que conselho deixarias a outros jovens jogadores que queiram ou estejam prestes a sair para uma nova realidade?
Que trabalhem muito, que resistam e persistam. Mantenham o foco, mas mantenham também os pés bem assentes no chão, porque o futebol é um mundo complicado. Hoje estamos no auge, pensamos que já conseguimos o mundo e de repente o chão desaba e nós ficamos lá em baixo, no fundo. Aproveitem o momento, mas nunca percam o foco e a ambição de querer ganhar. É uma vida complicada, exige muito sacrifício. Pensamos que a vida de um jogador é um mar de rosas, mas não é, exige muito, priva-nos de muitas coisas que pessoas normais podem fazer. Tem de haver descanso, responsabilidade… Mantenham o sonho vivo e sejam muito fortes psicologicamente, porque vai haver momentos complicados. Mantenham-se fiéis a vocês mesmos e deixem-se levar pelo sonho.

Já com 400 jogos ao serviço de 11 clubes diferentes, sentes que ficou alguma cosia por fazer? E hoje, ainda há objetivos por cumprir?
Sim. Sentimos sempre que ficou alguma coisa por fazer. Se soubéssemos o dia de hoje, tínhamos feito outras escolhas e se calhar tinha sido diferente. Há sempre alguma coisa que fica guardada. Por exemplo, sinto que durante toda a carreira, o maior amargo que tenho, é nunca ter estado presente numa fase final pela Seleção. Nunca estive com a Seleção num Europeu ou num Mundial. Era chamado o “homem das qualificações”. Fazia as qualificações todas, mas depois na hora de escolher aqueles que iam representar o país na fase final, eu nunca cumpria os requisitos [risos]. Então, esse é o maior amargo que me fica na boca. Em relação ao que ainda posso dar ao futebol… Posso dar bastante. Tanto como jogador como treinador ou diretor, aquilo que eu escolher depois de terminar a carreira. Tenho a certeza de que ainda tenho muito para dar ao futebol.