"Quando acabar a carreira, quero ser lembrado por ter sido um exemplo"


Médio português realizou uma das melhores épocas da carreira ao serviço do Gil Vicente.

 

Pedrinho, recuando à tua infância. Nunca houve outro desporto que não o futebol para ti?
Nunca. Foi sempre só o futebol.

Em que momento da tua formação é que pensaste que era aquilo, o ser futebolista, que querias para a tua vida?
Sinceramente, a sério, só quando chegamos aos 16, 17 anos, é que começamos a perceber que temos alguma hipótese de ser realmente profissional, apesar de eu ter tido sempre essa vontade. É quando começamos a atinar mais e a estarmos mais focados. Foi mais ou menos nessa altura

Duvidaste muitas vezes se serias capaz?
Não. Sou uma pessoa positiva e acredito muito no meu trabalho. Acho que sempre houve qualquer coisa que me distinguia de outros miúdos. Por exemplo, nunca fui muito de sair, sempre fui uma pessoa mais resguardada, mais focada e era algo que eu queria realmente, então levei sempre isto muito a sério, mesmo quando era muito miúdo. Isso fazia-me acreditar que podia chegar a este nível.

Milhares de crianças partilham desse sonho, de serem jogadores. Há algum segredo para se conseguir ou, a juntar ao trabalho, é preciso estar no sítio certo à hora certa?
Hoje em dia, penso que está mais fácil apostar nos jovens. Na minha altura não era tão fácil. Sim, é preciso um pouco de tudo, mas acredito mais no trabalho e no empenho do que propriamente na sorte. A sorte é fruto daquilo que nós fazemos. Guiei-me sempre por isso e se algum dia disserem que eu tive sorte, isso deve-se ao meu trabalho, nada mais.

“FOI GRAÇAS A UM EMPRÉSTIMO QUE DEPOIS ME CONSEGUI AFIRMAR EM FREAMUNDE. A PARTIR DAÍ FOI SEMPRE A SUBIR.”

A maior parte da tua formação foi feita no Freamunde, onde inclusive te estreaste como sénior na altura, na Segunda Liga. Ainda te recordas desse dia?
Sinceramente não me lembro do dia que foi, mas lembro-me dos nervos. Eu não era muito opção do treinador, era raro, mas sei que estava nervoso, o que é perfeitamente normal. Sentia-me preparado e feliz.

Entretanto, foste emprestado ao Vila Meã, que atuava na terceira divisão. Viste esse empréstimo como uma oportunidade de teres mais minutos ou receaste esta “descida” a um escalão tão baixo?
Foi um acordo mútuo que fiz com a direção, era a vontade de todos. Foi, talvez, o ponto de viragem da minha carreira. Eu precisava de jogar. Estava há um ano e meio ali, sem jogar e queria fazê-lo, queria minutos. Estava um bocado triste por não ser opção, era miúdo e foi graças a esse empréstimo que depois me consegui afirmar em Freamunde. A partir daí foi sempre a subir.

Quando regressas ao Freamunde, o clube estava já no Campeonato de Portugal, no entanto, conseguiste afirmar-te. Acreditas que o Campeonato de Portugal é um escalão com muitas oportunidades e, acima de tudo, talento?
Sim. Há muito talento, ainda hoje há, mesmo na Liga 3. Muitas vezes encontramos muito mais talento nessas divisões que na Primeira Liga. Já me aconteceu e não há que esconder. É uma questão de oportunidade. Foi uma boa aprendizagem, porque muita gente acha que é fácil jogar no Campeonato de Portugal, mas não é, pela qualidade que existe. E hoje em dia ainda há mais.

Foste bastante feliz nessa época, com a conquista do teu primeiro troféu. A época foi como imaginavas?
No ano em que fui emprestado, o Freamunde desceu da Segunda para o Campeonato de Portugal e atravessava algumas dificuldades. Isso levou a uma maior aposta na formação. Se eu achava que ia ter tanto impacto naquela época? Estaria a mentir se dissesse que sim. Foi uma surpresa, mas tendo em conta a equipa que tínhamos sabíamos que podíamos ter uma época interessante e depois com o decorrer da mesma, a subida acabou por ser normal, porque éramos de facto a melhor equipa do campeonato.

“FALAR DO PAÇOS DE FERREIRA, PARA MIM, É SEMPRE ESPECIAL.”

Quão difícil é, na tua opinião, ser campeão do Campeonato de Portugal, que tem tantas séries e tantas equipas?
Séries, playoff… vemos equipas que estão a lutar para subir quase até ao fim e depois acabam na zona de descida… Isso demonstra a dificuldade. Na altura tínhamos o Boavista na nossa série e lutamos com eles para subir. Quando se mete um nome como o do Boavista seja em que divisão for, dá logo para perceber a dificuldade pela qual passamos.

Essa subida fez-te regressar à Segunda Liga onde acabaste por brilhar. Sentiste muita diferença de um campeonato para o outro?
Alguma, mas em termos do espaço que existia dentro de campo. No entanto também senti mais agressividade na Segunda Liga, mais intensidade, porque as equipas já são todas profissionais. Foi por aí. Havia mais espaço, mas a agressividade também era maior.

Da Segunda, dás o salto para a Primeira e logo para o Paços, um histórico rival do Freamunde. Esperavas que essa proposta aparecesse e logo tão perto de casa?
O Paços surgiu depois de uma rescisão com o Freamunde. Sinceramente, na formação nunca pensamos ir para o rival, há sempre aquela picardia, mas com o decorrer dos anos vamos amadurecendo e só queremos estar em sítios em que as pessoas nos queiram e nos tratem bem. O Paços foi uma oportunidade que surgiu e falar do Paços de Ferreira, para mim, é sempre especial, por tudo o que que tenho lá – os meus amigos, as amizades que fiz. Foi normal, um bocadinho difícil ao início pela rivalidade. Não é que seja grande, porque os clubes também não são assim grandes, mas a rivalidade é intensa e o primeiro mês e meio foi complicado. Estava à espera desse passo, porque vinha de duas boas épocas e chegar à Primeira nesse ano era exatamente o que eu queria.

A estreia no mais alto escalão do futebol português correu como imaginavas?
Sim. Passei alguns anos difíceis no Paços, porque andávamos sempre ali na luta pela manutenção, mas foi uma boa época. Foi a minha época de estreia, é sempre um bocado difícil, mas foi acima de tudo uma época de aprendizagem e acho que isso é o mais importante para depois podermos dar seguimento.

“NA LETÓNIA, ESTAVA PREPARADO PARA UMA COISA NÃO TÃO BOA COMO EM PORTUGAL, MAS NÃO TÃO MÁ COMO O QUE ENCONTREI.”

Na segunda época, voltas a cair para a Segunda Liga, juntamente com o clube. Mentalmente teve algum impacto em ti voltares ao segundo escalão?
Teve um bocadinho. Foi duro porque não gosto mesmo nada de perder e descer de divisão foi muito complicado. Foi talvez a época mais dura que eu tive em termos emocionais no futebol, porque sinceramente, o clube não merecia, as pessoas não mereciam, mas posso dizer-te que foi justo, porque não fizemos o suficiente para nos mantermos na Primeira Liga. Foi difícil gerir a mudança para a Segunda, mas depois entrou o míster Vítor Oliveira, que não facilitava nem um milímetro, e foi fundamental. Se estamos na Segunda Liga é porque merecemos e só temos uma coisa a fazer, que é dar a volta e regressar à Primeira. E foi isso que fizemos.

A verdade é que a passagem pela Segunda Liga foi curta e acabou contigo a levantar mais um troféu. Foi uma época marcante?
Sim, principalmente para os que lá estavam, que tinham sentido o sofrimento da descida, que é muito frustrante. Especialmente a subida foi muito importante. O troféu veio porque éramos realmente a melhor equipa e acabámos por vencer, mas o importante era subir e voltar à Primeira Liga.

Foram quatro épocas no Paços de Ferreira. Se pudesses escolher apenas um, qual dirias que foi o momento mais marcante?
Se calhar a subida, pelo impacto que teve a descida. São duas coisas completamente diferentes, sentimentos completamente diferentes, um de tristeza e o outro de superação. O voltar a colocar o Paços na Primeira, estando na Segunda Liga, que é tão complicada… São poucas as equipas que descem e conseguem subir logo no ano a seguir. Fizemos um trabalho incrível e foi, sem dúvida, o momento mais marcante.

Do Paços, dás um passo inesperado para quem te seguia atentamente, que é a saída para a Letónia. Foi falta de oportunidade em Portugal ou procuravas uma experiência diferente?
Na altura tinha clubes em Portugal. O Paços queria que eu ficasse, por exemplo. A questão é que estava à procura de uma nova experiência, e porque não lá para fora. Eu nunca tinha estado longe de casa, sequer. Estive em Freamunde, vivia em Cristelo Paredes, que era a 10 minutos, depois fui para Paços e foi a mesma coisa. Nem sequer para o sul tinha ido! Disse “bem, vamos procurar algo diferente”, em conjunto com o meu empresário definimos uma data. Quando chegou a altura, apareceram três, quatro clubes e baseamo-nos na qualidade de vida, que eu tinha uma filha pequenina, na estabilidade financeira que me ia dar… Hoje arrependo-me a nível profissional porque não foi nada do que eu estava à espera. Foi muito pior do que esperava, mas foi uma aprendizagem pessoal.

“PARECE ESTRANHO DIZER ISTO COM 29 ANOS, MAS SINTO-ME NO AUGE."

Nessa época, ganhas o campeonato da Letónia pelo Riga. Ainda assim, já disseste publicamente que nessa mesma altura perdeste o prazer pelo futebol. Porquê?
Eles lá são um bocadinho diferentes de nós. Existem uma série de situações que, pessoalmente, não gosto, que não têm nada a ver com aquilo que é o futebol, como por exemplo ser a direção a fazer a equipa, direção dizer quando é que treinamos ou não… Há ali situações pouco profissionais. Mais depressa tentam tirar dinheiro ao jogador e massacrá-lo só porque sim e eu não me revejo nisso. O campeonato, a nível competitivo, ainda era pior do que aquilo que eu estava à espera. Ou seja, houve ali uma série de desilusões e eu tive de pedir para sair. Depois foi o que foi. Foi estranho, foi difícil. Estava preparado para uma coisa não tão boa como em Portugal, mas não tão má como o que encontrei.

Consideras que é importante haver algum suporte e apoio mental a que os jogadores possam recorrer quando passam por situações deste género?
Sim, claro. É sempre importante. Normalmente sou uma pessoa equilibrada nestas situações, e tenho a minha mulher e a minha filha que me dão o suficiente para ser assim, mas sem dúvida que é importante. Há situações no futebol que às vezes nos fazem perder um bocadinho a cabeça e temos de ter controlo emocional para as resolver.

Depois de terminada a época na Letónia, regressar a Portugal era uma prioridade?
A minha vontade era tanta, mas tanta de sair dali que eu só queria ir, fosse para Portugal, fosse para a China, fosse para onde fosse. Na altura o Gil Vicente apareceu com uma proposta interessante e depois apareceram mais um ou dois clubes da Primeira Liga. Como o Gil foi o primeiro a demonstrar interesse acabei por dar prioridade e tudo se resolveu. Mas o mais importante era sair dali e o que viesse com certeza ia ser melhor. As coisas acontecem por alguma razão, eu vim para cá e agora estou a fazer a época que estou. Estou bem e estou feliz.

De regresso a Portugal, o Gil fez uma boa época, chegaram aos quartos de final da Taça onde foram eliminados pelo FC Porto. Foi o melhor regresso possível?
Foi. Quando cheguei, o Gil estava em zona de descida. Estava numa fase difícil. É verdade que chegámos aos quartos de final da Taça, mas o mais importante para um clube como o Gil Vicente é o campeonato e a verdade é que estávamos numa situação complicada. Depois conseguimos dar a volta, os resultados começaram a aparecer e saímos da zona perigosa. Ao início foi complicado, porque o grupo estava negativo, por causa da fase que estava a passar, mas acabou por correr bem.

A prestação deste ano é a prova de que estás preparado para outros voos?
Sim, sim. Acho que sempre estive preparado. Algumas pessoas, por acaso, dizem como é que não rendi isto no Paços, por exemplo. A verdade é que no Paços nunca jogámos tão bem como o Gil jogou este ano. O nível exibicional nunca foi tão bom e tão estável. Estivemos sempre ali tremidos, na luta pela manutenção e agora não, e isso afeta toda a gente. É como disse. Quando o coletivo está bem, a individualidade sobressai. Agora, sempre me senti preparado para dar o próximo passo.

Ainda tens alguns anos de carreira pela frente, mas ao mesmo tempo tens já 29 anos. Ainda assim, acreditas que ainda há muito de ti, enquanto jogador, que as pessoas ainda não viram?
Sim. Parece estranho dizer isto com 29 anos, mas sinto-me no auge, tanto fisicamente como a nível tático. Percebo perfeitamente o jogo e acho que a idade me fez bem. Sinto-me bem fisicamente e isso é o mais importante. O resto as pessoas estão a ver. Sinto-me bem, estou bem e a prova disso é que tenho feito todos os jogos praticamente os 90 minutos.

Se com 29 anos és já um Jogador com História, o que esperas ser aos 34 ou 35?
Não sei. Sempre disse que quero continuar a jogar até ao meu corpo não dar mais. Tenho consciência de que um dia o futebol acaba. Quero um dia, quando acabar a carreira, que as pessoas digam que o Pedro foi sempre um exemplo para tudo, a nível de trabalho, de profissionalismo, de carácter. Esse é o meu maior objetivo. Jogue ou não, esteja no banco ou não, eu quero é que as pessoas se recordem de mim um dia como um profissional, como um bom jogador, como uma pessoa que sempre deu tudo e representou o clube da melhor maneira possível. De resto, para mim, a história não me vai dizer muito. No futebol há pouca história. O que hoje é verdade, amanhã é mentira e por isso só quero disfrutar do que está a acontecer hoje.