"Tenho muito orgulho no meu percurso, porque passei momentos difíceis"


Aos 38 anos, o guarda-redes brasileiro vai para a nona temporada consecutiva em Portugal.

Quando é que o pequeno Rafael decidiu que queria jogar futebol e ser guarda-redes?
Jogador de futebol, acho que desde os oito anos. Guarda-redes… Tenho um primo que jogou na Portuguesa de São Paulo, o Márcio Defendi, e acho que ele foi a minha grande inspiração, tinha eu uns 11 ou 12 anos.

Em que momento é que percebeste que querias mesmo ser futebolista profissional?
Ah, desde sempre! Desde o princípio. Não havia outra opção [risos].

Normalmente os jogadores têm o sonho de chegar a uma Liga europeia. Partilhavas do mesmo objetivo?
Numa idade mais avançada, sim, mas enquanto miúdo só queria ser profissional. O futebol brasileiro é muito competitivo e eu adorava. Aliás, o meu sonho era jogar na série A brasileira. Acabei por não o concretizar, mas vir para a Europa foi sensacional.

A tua primeira passagem por Portugal foi na época 2007/08, no Aves, que na altura atuava na Segunda Liga. Como surgiu a proposta?
Essa proposta veio através de um clube do Brasil, o Grémio Anápolis. Estive lá durante um mês e alguns treinadores portugueses foram lá nas férias, observar jogadores e escolheram-me para vir para cá.

Tinhas apenas 24 anos. Não pensaste duas vezes em atravessar o oceano?
Não! Já era um sonho, então foi só continuar.

Foi difícil a adaptação?
Foi, foi. Não tinha noção do difícil que seria. Fui para uma cidade muito fria, com muita chuva. Depois, um jogo muito diferente, muito mais rápido. Demorei uns dois ou três meses para me começar a adaptar e mesmo assim acho que terminei a época sem estar totalmente adaptado. Na segunda vez que voltei, já estava mais preparado.

Sim, a passagem acabou por ser curta e regressaste ao Brasil. A primeira experiência em Portugal não foi como tinhas imaginado?
Não, não. Cheguei para poder jogar e mostrar-me, mas não consegui adaptar-me. Também acho que não tive pessoas à minha volta para me ajudarem, para facilitarem a adaptação. Acabei por regressar ao Brasil, mas sempre com o objetivo de voltar para cá.

Voltaste para o Brasil por decisão pessoal ou por uma questão de oportunidades?
Não. Foi mesmo falta de oportunidade. Aliás, acabei por ficar desempregado durante oito meses, depois de sair de Portugal.

“NUNCA DEIXEI DE PENSAR NO FUTURO, MESMO QUE AS COISAS NÃO ESTIVESSEM A CORRER COMO QUERIA.”

Como é que viveste esse período de desemprego?
Foi muito difícil, é muito complicado mesmo. Na altura ainda não tinha família, vivia com os meus pais, então suportei um bocadinho melhor. Essa foi a primeira vez que passei por uma situação assim. Mais tarde voltei a passar, aí já com família e filho e aí foi mais pesado.

Como é que um jogador lida com esse tipo de situações psicologicamente? Nunca pensaste em desistir?
Nalguns momentos sim. Fortaleci-me muito no meu objetivo, no meu propósito. Encarei aquilo como uma oportunidade de me preparar. Nunca deixei de treinar, de pensar no futuro, mesmo que as coisas não estivessem a correr como eu queria. A minha família fez pressão para deixar o futebol, para tentar outra carreira, mas em momento nenhum vacilei, mantive o foco e graças a Deus consegui voltar.

Dessa segunda vez, foi mais fácil gerir porque já tinhas passado por isso antes ou, por outro lado, foi mais complicado porque mais uma vez te viste numa situação dessas?
O pior foi ter um filho de um ano. Isso deixou-me muito na dúvida do que seria o futuro. Valeu-me o foco e a vontade. Eu já tinha 28 anos na altura e houve pessoas que me ajudaram muito.

Em 2014/15 regressas a Portugal, para o Paços de Ferreira. Quando voltou a surgir a oportunidade de vir para Portugal, não hesitaste?
Não. Estava num clube no Brasil e o diretor do Paços, que já me conhecia do Aves, gostou de mim e ligou-me e perguntou-me se eu queria voltar. Falei com a minha mulher e ela disse logo, na hora, “vamos!”.

Acabaste por ser feliz no Paços e estabeleceste o teu nome na Liga Portuguesa. Qual consideras ser a maior diferença entre a primeira liga portuguesa e a segunda?
O Paços para mim foi sensacional. Foi um clube que me deu sempre tudo, tudo o que eu precisei, mesmo para a readaptação à Segunda Liga. O Paços de Ferreira foi completamente sensacional. Hoje a minha residência é em Paços. Faço de Paços a minha cidade. Em relação ao futebol, a Primeira Liga é mais tática enquanto a Segunda é mais força, intensidade. Mas hoje a Segunda Liga está muito boa, mesmo.

Depois de quatro anos a jogar na Primeira Liga, titular no Paços de Ferreira, acabas por sair para o Famalicão, que estava na Segunda. Esse descer de escalão mexeu contigo?
Um pouco, até porque desci com o Paços. Já tinha 33 ou 34 anos, a idade já começa a pesar, ainda por cima desces de divisão, os clubes começam a não te procurar tanto. O Famalicão abriu-me a porta. O início foi complicado, porque depois de quatro anos na Primeira Liga, ir para uma Segunda, não era o que eu queria. O Famalicão, graças a Deus, foi muito feliz nesse ano e eu pude contribuir para a subida, o que me deixa muito feliz. Hoje olho para trás e foi sensacional jogar essa Segunda Liga.

Apesar de os guarda-redes jogarem até bem mais tarde que um jogador de campo, quando saíste para o Famalicão tinhas já 35 anos. Alguma vez sentiste algum tipo de preconceito face à idade?
O futebol é investimento. Querem muito vender e não apenas ganhar jogos e títulos. Temos de lutar contra isso. Eu amo o futebol, dedico-me muito e então sei que vou ter uma oportunidade nalgum sítio. O meu foco é esse. Trabalhar para saber onde vai surgir essa oportunidade.

Depois de dares continuidade ao trabalho no Famalicão, trocas o Norte pelo Sul e vieste para o Farense. Como foi essa mudança?
Eu conhecia o Algarve pelas férias, que é diferente [risos]. A região é muito boa, gostei muito do clube, está em crescendo e eu quero estar cá e fazer parte desse crescimento.

“AMO O FUTEBOL E NÃO PENSO EM PARAR TÃO CEDO. VOU CONTINUAR A TRABALHAR MUITO PARA PODER CONTINUAR A JOGAR.”

As coisas não correram muito bem a nível pessoal. Sofreste uma lesão grave no tornozelo ainda na primeira temporada. Acreditaste sempre que ias conseguir voltar aos relvados?
Mentalmente eu não me coloco muitas dúvidas. Quando quero uma coisa, vou. Senti que muitas pessoas tiveram dúvidas do meu regresso, mas eu nunca tive, o departamento médico do Farense nunca teve, os meus treinadores não tiveram, então, não havia nada a impedir o regresso.

Essa lesão fez-te pensar mais no pós-carreira?
Não, não. Eu amo o futebol e não penso em parar tão cedo. Se Deus quiser vou continuar a trabalhar muito para poder continuar a jogar.

Por onde poderá passar o teu futuro depois de deixares os relvados?
Eu pretendo continuar por mais anos, mas todos os anos tenho de renovar o meu pensamento. Este ano terminei bem fisicamente e mentalmente, e portanto estou preparado para jogar na próxima época e continuar a desfrutar do futebol. E é assim. Pensar ano a ano.

Ainda assim, já estás a tirar o curso de treinador. É algo que te vês a fazer no futuro?
Sim, fiz o curso, estou agora a fazer o estágio. Sei que quero viver no e do futebol. É aquilo que eu amo e há um leque de opções para o futuro.

Depois de tantos anos em Portugal, já com dupla nacionalidade, a ideia é ficar por cá depois de deixares os relvados ou voltares ao Brasil?
A ideia é ficar. A minha residência é em Paços, os meus filhos e as amizades deles são de lá. O Brasil é onde está a nossa família, mas é apenas para passar uma temporada e regressar a Portugal.

Sendo um jogador com tanta história em Portugal, que memória gostavas que os adeptos guardassem de ti?
Dedicação. Sempre dei tudo pela camisola que vesti. Representei quatro clubes até agora e sempre me dediquei muito. E não só como jogador, mas como pessoa, como elemento do grupo. Quero que me lembrem como alguém puro, dedicado, pronto a ajudar. Ser lembrado por isso, para mim seria sensacional.

Olhando para o teu percurso, sentes que ficou alguma coisa por fazer ou há apenas orgulho do caminho traçado?Tenho muito orgulho porque passei por muitos momentos difíceis. Passei por muitas lesões que se calhar não me deixaram chegar mais longe, mas muito feliz por tudo o que criei. Não só no futebol, as pessoas que me conhecem sabem como sou, o meu carácter. Terminar o futebol e olharem para mim não só como um bom guarda-redes, mas também como aquele que em todo o lado se deu bem, em todo o lado acrescentou alguma coisa, para mim seria muito bom. É isso que quero levar.