"Só não conclui o 12.º ano quem não quer"


Internacional angolano Mateus completou o ensino secundário através do programa Qualifica.

 

Concluíste o 12.º ano no Centro Qualifica, através do Programa de Educação do Sindicato. O que é que te fez querer regressar aos estudos já depois dos 30?
Na altura estava a pensar tirar o curso de treinador e ter o 12.º era uma das exigências para o poder frequentar. Também sempre quis terminar o secundário e, aliado ao curso de treinador, fez-me regressar aos estudos.

Como é que soubeste dessa oferta do Programa de Educação do Sindicato?
Na altura, o Sindicato fez uma visita ao clube que eu representava, o Arouca. Apareceram lá o João Paulo e o Anselmo e acabei por ter uma conversa informal com eles sobre isso. Explicaram-me tudo e, como estava a morar no Porto, na altura, acabou por se proporcionar e foi muito fácil.

Como foi conciliar os estudos com o futebol, tendo em conta que na altura jogavas na Primeira Liga?
Acabou por ser fácil. Tive a informação da oferta quando estava no Arouca, mas, entretanto mudei-me para o Boavista, fiquei mesmo no centro do Porto, perto de casa e a escola que frequentei é a que fica mesmo ao lado do Estádio do Bessa. Acabou por ser muito fácil. As aulas normalmente eram ao final do dia e a maioria dos futebolistas profissionais treina de manhã e/ou de tarde, então temos sempre aquele horário livre. Eu pude fazer nesse horário, mas também podemos fazer online. Este programa dá-nos muitas ferramentas para concluir o 12.º. Só não conclui quem não quer.

“HOJE EM DIA TEMOS MUITOS JOGADORES QUE CONCLUEM OS ESTUDOS E QUE ATÉ SÃO DOUTORES NALGUMA ÁREA.”

Achas que hoje os clubes facilitam e apoiam mais a conciliação dos estudos com o futebol profissional?
Não digo apoiar, mas aconselhar nesse sentido, sim. Os clubes agora fazem muito mais. Antigamente quando falávamos de estudos, falávamos sempre na Académica, que tinha muitos jogadores estudantes. Hoje em dia temos muitos jogadores, em vários clubes, que concluem os estudos e que até são doutores nalguma área. A Académica era o modelo, mas hoje já não é assim. Já há muitos jogadores a concluírem a sua formação.

Consideras importante que o Sindicato continue a apostar em programas de educação, de forma a combater o abandono escolar?
Claro que sim. Ainda há muitos jovens que, com o sonho de serem jogadores, descuram os estudos e depois acabam por nem se tornar grandes profissionais. Neste mundo a competitividade é imensa, temos muitos jogadores, mas nem todos atingem a performance de grandes clubes para se tornarem independentes financeiramente. Acontece que acabam por ter de regressar aos estudos e ter outro tipo de trabalho. Pelo menos o 12.º têm de ter, porque é considerada a escolaridade mínima obrigatória e pedida em qualquer trabalho. Isto para veres a importância que terminar pelo menos o secundário tem na vida de qualquer jogador.

Sendo um jogador com estatuto no balneário, tentas influenciar os jogadores, especialmente os mais jovens, a prosseguir os estudos?
Ainda ontem estava a falar com um dos meus colegas e surgiu a conversa de eu ter esta entrevista convosco. Ele perguntou “então? É outra vez sobre aquele caso?” e eu disse “não, vou falar de uma coisa que se calhar é boa para ti que és novo. Estudaste até que ano?” e ele disse que só tinha o oitavo. “Então olha, eu concluí o 12.º através da oferta do programa Qualifica, etc.”, expliquei tudo. Ele a ouvir isto de mim pode ser que tome a iniciativa de se informar mais e concluir o 12.º.

“QUERO CONTINUAR LIGADO AO FUTEBOL PELO TREINO E TENHO-ME PREPARADO PARA ISSO.”

Na tua opinião, qual a razão para os jogadores deixarem de estudar mais cedo?
Acredito que é o foco no futebol. Eu quando comecei também tinha mais interesse no futebol e descurei os estudos. Só mais tarde é que me apercebi que não podia ser. Quanto mais cedo fizermos isto [concluir o ensino secundário], melhor.

Relativamente à tua carreira enquanto jogador: já jogaste nos três escalões, festejaste uma subida à Segunda Liga e contas com quase 300 jogos na Primeira Liga. Agora no Leiria, de novo na Liga 3, tens algum objetivo traçado para a temporada?
O meu objetivo principal é o do clube – subir de divisão, garantir a promoção aos escalões profissionais. E espero ser capaz de repetir aqui o mesmo que fiz no Torreense. É com esse objetivo que cheguei, é o meu objetivo pessoal. Como sou avançado, claro que quero marcar golos, mostrar que sou bom jogador e que posso ajudar. Mas o objetivo principal é o mesmo da equipa.

Com 38 anos, já sentes que começa a chegar a altura de pensar em pendurar as chuteiras?
Eu já penso em acabar a carreira desde que cheguei aos 30, portanto [risos]. Mas depois a cada ano que passava as performances mantinham-se, os clubes acreditavam em mim, e eu acreditava também. Continuo a sentir-me bem, ainda sou um jogador interessante para as equipas, então, isso tem-me feito continuar. O que tenho feito nos últimos anos, seguindo uma lógica prática, é fazer contratos de um ano. Não quero contratos de dois ou três anos, porque estou numa fase em que não sei se daqui a uns meses acordo e digo “já não me apetece jogar”. Porque isso vai acontecer. Neste momento ainda não o meto em questão, estou a gostar de treinar, gosto de jogar futebol e ainda quero sentir a adrenalina de festejar e ganhar. Espero continuar assim durante mais um tempo.

“QUANTO MAIS CEDO CONCLUIRMOS O ENSINO SECUNDÁRIO, MELHOR.”

Sei que já tens a licença de treinador UEFA C. É por aí que queres continuar a carreira?
Sim, essa é uma das primeiras portas que tenho visada. Quero continuar ligado ao futebol pelo treino e tenho-me preparado para isso, mas é como tudo. Temos esse plano, mas nunca sabemos as voltas que a vida dá. Se essa porta não se abrir, por um motivo ou outro, tenho tentado ver outras soluções.

Fizeste a tua carreira praticamente toda em Portugal, apesar de seres angolano. Depois de deixares de jogar, queres continuar o teu percurso por cá?
A minha vida foi feita aqui desde muito novo. Apesar de ter representado muitas vezes a seleção de Angola, foi só isso mesmo. Ir uns dias e voltar. Tenho as minhas bases bem consolidadas aqui e Angola é um país para ir, mas depois voltar.