"Cada vez mais é importante ter um psicólogo num clube"
Frédéric Maciel esteve 14 meses afastado da competição e voltou aos grandes palcos pelo Torreense.
Formado no FC Porto, chegaste até a jogar pela equipa B, e em 2015 foste para a Bélgica. Queria começar por aí e saber o porquê de teres resolvido experimentar outro campeonato – foi falta de oportunidades cá ou estavas mesmo à procura de uma experiência diferente?
Quando acabou a época no FC Porto B, fiz 14 golos a jogar a extremo. Na época seguinte o mister da equipa A era o Lopetegui e não fui chamado à pré-época. Achei que não foi merecido, depois da excelente temporada que fiz, e tomei a opção de experimentar outro campeonato. Surgiu essa equipa belga, rescindi com o FC Porto e fui para a Bélgica.
Como foi essa experiência?
Foi bom. É um campeonato diferente, mais físico, o país é agradável, apesar do frio [risos]. Vi pouco sol durante o ano e meio que lá estive, mas os dias de jogo são incríveis, as pessoas enchem os estádios… foi muito bom, foi uma grande experiência.
Na época seguinte regressaste a Portugal e tiveste a tua estreia na Primeira Liga, pelo Moreirense. Foi aquilo que esperavas?
Sinceramente, quando voltei, queria ter-me mostrado no Moreirense para dar o salto para o estrangeiro ou para uma equipa maior do nosso campeonato, mas surgiu uma lesão, não fui tanto opção como queria e não correu bem como planeei, apesar de ter ganho uma Taça da Liga, que foi um momento muito importante e marcante na minha carreira. Mas podia ter sido melhor. Eu esperava melhor.
Na época seguinte sais para o Gil Vicente à procura de mais oportunidades. Essa mudança trouxe-te, inicialmente, aquilo que procuravas?
Quando saí do Moreirense foi a projetar o meu futuro. Fui para o Gil Vicente com dois anos de contrato. Havia a situação do caso Mateus e o Gil ia acabar por subir por causa disso. Aconteceu que não subiu nesse ano, adiou a subida por mais um ano, e o clube esteve a competir no Campeonato de Portugal durante uma época, mas sem pontuar, os pontos não valiam. Depois aconteceu aquela que foi, provavelmente, a pior situação da minha carreira. Precisava de ser operado ao meu calcanhar esquerdo, houve uns problemas, o presidente não aceitou e foi aí que estive 14 meses sem jogar. Foi o mais difícil da minha carreira a nível psicológico. Não a nível da lesão em si, porque as lesões que tive sempre foram bem curadas. O problema é a nível psicológico, a confiança…
“DESISTIR NUNCA É A SOLUÇÃO E NUNCA FOI OPÇÃO.”
Como é que lidaste psicologicamente com este afastamento tão prolongado dos relvados?
A minha família foi muito importante. Somos muito unidos, estamos sempre juntos, não me falta nada, são mesmo os melhores. As primeiras semanas são sempre muito difíceis, uma pessoa come o que não deve, não pode fazer nada, está só à espera de ser operado ou não pode andar, é difícil. Quando começamos a dar os primeiros passos já motivamos e pomos metas e focamo-nos nisso. Penso que cada vez mais é importante ter um psicólogo no clube, ter alguém com quem falar, desabafar, porque há momentos em que nos deixamos ir mais abaixo e eles são um grande suporte para nós voltarmos a subir.
E tiveste, ou gostavas de ter tido, esse apoio?
Aqui [no Torreense], temos a nossa psicóloga, a Andreia, e foi muito importante para mim no ano passado. Foi muito importante para não ir abaixo.
Tiveste sempre a força necessária para regressar ao futebol ou passou-te pela cabeça desistir do futebol?
Desistir nunca é a solução e nunca foi opção. Há momentos em que duvidamos um bocadito, porque as coisas demoram, as pessoas pensam “ah, tá morto!”, mas não está nada morto [risos].
A verdade é que deste a volta por cima e foste jogar para o Varzim, numa época marcada pelo teu regresso. Como foi essa temporada a nível, sobretudo, emocional?
Foi bom. Já não jogava um jogo oficial há 14 meses e chego ao Varzim, entro, e passado uns minutos faço o golo da vitória. Nem festejei, só abri os braços, porque honestamente já nem me lembrava como era. Foi um alívio. Depois comecei a jogar e surgiu a Covid-19 e os campeonatos pararam.
“QUANDO CONFIRMÁMOS A SUBIDA FOI MUITO BOM E PARA MIM FOI MUITO IMPORTANTE VOLTAR À SEGUNDA LIGA.”
Do Varzim vais para o Lusitânia de Lourosa, para o Campeonato de Portugal e só depois regressas aos campeonatos profissionais. Com tantos contratempos, sentes que tiveste de começar quase do zero a nível profissional?
Foi um choque. Admito que foi um choque. Ao mesmo tempo, o Lourosa foi muito importante. Apesar de estar onde está, é um clube muito grande quando estamos lá dentro. As condições são incríveis, não falta nada no balneários, as condições são boas, têm adeptos, o estádio é bom. Depois dessa descida, foi muito bom calhar numa equipa em que não sentia que estava no campeonato em que estava a jogar. Quando cheguei lá na primeira semana ia um bocado cabisbaixo, mas subi logo e foi muito bom.
Como surgiu a proposta do Torreense e como a encaraste, visto ser uma nova oportunidade de aos poucos voltar a subir de divisão?
Na altura foi o Marco que falou comigo. Já nos tínhamos cruzado no Moreirense, eu estava à espera de outras situações, fomos falando e pronto. Agradou-me o projeto, vim para aqui e correu muito bem. Foi uma grande opção.
A experiência no Torreense acabou por ser boa e festejaste a subida à Segunda Liga com o clube. Como foi esse momento?
Foi muito bom. A época começou bem, comecei aqui neste estádio a fazer golo logo no primeiro jogo, estava bem e depois tive a infelicidade de partir o quinto metatarso e tive de viver o resto da época da parte de fora. Acompanhei os jogos todos, vibrei muito. Daquele lado sofre-se mais um bocado [risos], no relvado só queremos é a bola no pé, mas ali vibrei com a equipa e foi muito importante. Quando ganhámos ao Vitória SC B e confirmámos a subida foi muito bom e para mim foi muito importante voltar à Segunda Liga.
Esta temporada também tem sido boa a nível individual. Quais são as perspetivas para este ano? Quer coletivamente quer individualmente.
A nível coletivo começámos mal a nível de resultados e isso quebra a confiança. Agora vamos há nove jogos sem perder e tem sido muito bom. Temos conseguido jogar o nosso futebol e ao mesmo tempo trazer os pontos, que é o mais importante. Para já o mais importante é a manutenção e vamos passo a passo. Quanto a mim, quero ser titular e ajudar o máximo possível com golos e assistências.
“NÃO VOU SER HIPÓCRITA. SONHAVA COM VOOS MAIORES.”
Olhando para trás, e apesar de ainda teres muitos anos de futebol pela frente, que retrospetiva fazes da tua carreira até agora?
Não vou ser hipócrita. Quando estava no FC Porto, e fiz aquela época, sonhava com voos maiores. Ainda vou a tempo, sinto-me confiante. Agora, tive muitos contratempos, pequenas lesões que me atrasaram, problemas aqui e acolá extra futebol que me atrasaram, mas estou aqui e estou na luta.
Depois do que passaste, podes dizer que desistir, nunca?
Desistir nunca. Enquanto tiver força, nunca.