"Quando soube que tinha cancro, nunca pensei em deixar o futebol"


Paulo Grilo, jogador do São João de Ver, foi diagnosticado com uma doença oncológica há seis anos.

 

Cresceste numa família de futebolistas – tanto o teu pai como o teu irmão foram jogadores. Ser jogador profissional sempre fez parte dos teus sonhos?
Sim, agora não tanto como há alguns anos, mas sim. Desde miúdo tudo o que sempre quis foi jogar futebol.

Dividiste a tua formação entre a Naval e a Académica, mas foi no Santa Clara que te afirmaste enquanto sénior, em 2011. Como foi essa primeira experiência, com 20 anos, longe da “tua terra”?
Foi a primeira vez longe de casa. Sou da Figueira da Foz, mas a minha avó tem casa em Coimbra, os meus pais tinham lá um negócio também e estive sempre praticamente em casa. A primeira vez que fui para fora, logo para uma ilha, foi muito difícil. Estive logo um mês e meio sem vir a casa, porque tive azar e calhou-nos logo dois jogos seguidos em casa para a Taça da Liga. Aquelas primeiras duas, três semanas foram muito difíceis, porque eu estava habituado a estar em casa com os meus pais, tinha a papinha toda feita e de repente, do nada, tive de me desenrascar sozinho. Mas depois disso adaptei-me muito bem, era só malta nova também.

Cinco anos depois, tendo passado pelo Penafiel, Feirense e Freamunde, regressaste aos Açores. Esse regresso entusiasmou-te num momento inicial?
Sim. Ia ter um treinador que conhecia e de quem gostava muito, o Carlos Pinto, e a perspetiva era a que foi – subir de divisão. As coisas depois não correram bem a nível pessoal, mas são coisas que acontecem.

Sim, essa época acabou por se tornar num pesadelo devido a um problema oncológico. Quando e como é que te foi diagnosticado?
O meu filho mais novo, na altura, estava a começar a meter-se de pé, pisou-me e começou a doer-me bastante. Na altura queixei-me no Freamunde, aos fisioterapeutas. Eles perguntaram se tinha inchado ou assim, eu disse que não, e eles disseram para não me preocupar. Entretanto, parece coisas do acaso, no dia 26 o meu filho fez anos, no dia seguinte assino pelo Santa Clara e passado uns dias descubro que tenho um cancro. Na altura foi um choque muito grande.

Qual foi a tua primeira reação?
A primeira coisa que me lembro é de sair do hospital, estar na ponte da Passada para a Ribeira, o meu filho tinha acabado de fazer anos, e a primeira coisa que me veio à cabeça foi “o meu filho nem sequer se vai lembrar de mim”. Depois o que mais me custou foi contar à minha mãe.

NESSE DIA PENSEI “PODIA ESTAR EM MILÃO, NAQUELE ESTÁDIO, E ESTOU NUMA CADEIRA DE HOSPITAL”.

Sentiste que o clube te apoiou durante todo este processo?
Sim, sim. A primeira pessoa a saber foi a minha mulher que estava ao meu lado. A seguir liguei logo para o Carlos Pinto. Lembro-me que só ouvi “estou” e comecei a falar. Falei, falei, falei e depois só ouço um “f***-se, vou passar ao mister”. Foi um amigo nosso que atendeu o telefone. Depois contei ao mister e ele só me disse “não te preocupes, eu conto contigo”.

Foi importante ouvires isso naquele momento?
Foi. Ele deu-me a mão e ajudou-me muito. Depois tive a sorte de calhar num grupo muito bom, onde todos me ajudaram, em especial o Dani Coelho que é um dos meus melhores amigos.

Além da questão física, claro, como foi lidar com tudo isto psicologicamente?
Ao início tive aquele choque, mas depois as coisas têm é de se tratar. Fui conhecendo melhor a doença, vi o caso do Armstrong, do Robben…. Tive o choque inicial, mas depois fui conhecendo a doença e pronto, vi “ok, dá para me safar”. Depois meteram-se os tratamentos e tudo mais e esqueci por completo o futebol.

Pensaste em deixar o futebol?
Nunca pensei nisso. Até porque quando estava no consultório com a médica o que ela me disse logo foi “olha, Paulo, pensa que isto é como se tivesses uma rotura de ligamentos. Vais estar parado uns meses e depois vais voltar”. Ia fazendo os tratamentos, mas parecia que não andava. Eram um ciclo, e depois mais outro, e mais outro. Até que no final, a médica me disse que acabei por ter sorte porque era suposto ter feito muito mais ciclos, mas correu melhor do que o esperado.

Hoje o problema está ultrapassado, venceste a batalha e já regressaste à competição há bastante tempo. Ainda assim, passando pelo que passaste, a perspetiva sobre a vida e o futebol mudou?
Mudou muito. Lembro-me em particular de um dia em que estava no hospital a fazer um tratamento. Seis meses antes tive a possibilidade de ir para a Roménia, para o Craiova. E nesse dia, nunca mais me esqueço, no dia 3 de agosto, ia jogar para a Liga Europa, em Milão, o AC Milan com o Craiova. Nesse dia caiu-me tudo. Quando era miúdo o meu sonho era jogar no Milan, porque eu gostava muito do Kaká, e nesse dia pensei “podia estar em Milão, naquele estádio, e estou numa cadeira de hospital”. Comecei a dar muito valor a coisas que antes não dava. À alimentação, tenho muito cuidado com a alimentação, com as bebidas… Depois a perspetiva de continuação de carreira foi sempre dar prioridade a estar perto de casa.

“QUANDO TIVE O PROBLEMA TODA A GENTE ME LIGOU, TODOS ME QUISERAM AJUDAR. DEPOIS DE TRATADO, JÁ NINGUÉM PODIA AJUDAR.”

Depois do Santa Clara, acabaste por ir para o Lusitânia de Lourosa, passando da Segunda Liga para o Campeonato de Portugal. Essa mudança fez parte de um desejo de voltares para mais perto da família?
Primeiro foi porque o telefone não tocava. Acabou a época, tinha voltado a jogar há três meses e já ninguém se lembrava. Quando tive o problema toda a gente me ligou, todos me quiseram ajudar. Depois de tratado, já ninguém podia ajudar. Depois fui para o Lourosa, onde vivi quatro anos muito felizes. O presidente não queria saber o que tinha acontecido ou deixado de acontecer, queria era contar comigo e eu estou-lhe muito agradecido, a ele e às pessoas de Lourosa, pela oportunidade que me deram e pelas condições de trabalho.

Agora estás na Liga 3, no São João de Ver. A época está a corresponder às tuas expectativas?
A nível coletivo não, não conseguimos o objetivo que era ficar nos quatro primeiros. A nível pessoal, foi terrível, até com a mudança de treinador, mas agora já passou. Não há nada a fazer.

A tua prioridade continua a ser estar junto de casa e dos teus ou estás disposto a outro tipo de voos?
Já tenho 31 anos, dois filhos, e custa-me não estar em casa todos os dias. Portanto, a prioridade é ficar sempre perto de casa.

Tendo em conta a imprevisibilidade do futebol e aquilo que já se passou na tua carreira, tens te preparado para o final da carreira?
Sim, tenho uma atividade paralela e vai passar por aí.

Ainda há sonhos por cumprir?
Não. Os sonhos que tinha não cumpri. Agora quero é continuar a ser visto como um bom profissional, que respeita os colegas, que dá tudo em cada jogo que entraQuero continuar neste registo, ajudar os miúdos mais novos e ser um exemplo para eles.