"Nunca pensei que pudesse chegar onde cheguei"


Carlota Cristo joga no Amora, depois de ter vivido uma fase difícil na carreira.

Onde e com que idade é que começaste a jogar futebol?
Comecei a jogar futebol com cinco, seis anos, com os rapazes. Comecei no Ginásio Clube de Tavira - eu sou de Tavira – e comecei no escalão misto com os rapazes. Joguei lá até aos meus 12 anos.

E na altura já era só o futebol que querias?
Desde pequenina que adoro desporto. Sempre pratiquei desporto e o futebol sempre foi a minha grande paixão. Mas lá está, aos 12 anos deixei de poder jogar com os rapazes e no Algarve não havia equipas femininas ainda. Acabei por ir para o ténis e joguei durante cinco anos, sem jogar futebol. Houve uma altura em que optei pelo ténis e deixei o futebol para trás. Mas a paixão, o bichinho pelo futebol esteve sempre lá e passado esses cinco anos voltei ao futebol, porque abriram a equipa feminina do Guia Futebol Clube e eu fui para lá. Foi aí que voltei e nunca mais parei.

Nessa altura achavas possível um dia vir a ser profissional?
Não. Naquela altura o futebol feminino era amador, não havia Benfica, Sporting, nada disso. O meu sonho era jogar futebol, mas nunca pensei poder fazer disto vida. Isso não existia em Portugal. Nunca pensei que pudesse chegar onde cheguei.

Ainda assim, a tua primeira grande experiência foi fora de Portugal, no Verona. Como foi essa vivência?
Surgiu um pouco do nada. Estava no Guia e um amigo meu do Algarve tinha contactos no Verona, na altura, e perguntou-me porque é que eu não experimentava uma época fora e eu “porque não?”. Foi o meu primeiro clube profissional, em Itália… fui um bocado a medo porque não conhecia a cultura e acabei por sair da minha zona de conforto, sem os pais e os irmãos por perto, mas acho que evoluí bastante, tanto a nível pessoal como futebolístico. Só estive lá meia época, mas sinto que foi uma grande ajuda para mim.

Do Verona, vens para o Benfica onde fizeste uma grande época. Correu como imaginavas? 23 jogos, 30 golos e uma Taça de Portugal.
Correu sim. O Benfica, nunca escondi isso a ninguém, é o clube do meu coração, e jogar lá foi um sonho. Nessa época ganhámos tudo o que havia para ganhar, fiz imensos golos. Sim, posso dizer que foi uma época de sonho.

“PASSEI POR MOMENTOS MAUS E PENSEI NÃO VOLTAR A JOGAR, POR SER A SEGUNDA LESÃO GRAVE. SE NÃO FOSSE A MINHA FAMÍLIA, TALVEZ NÃO TIVESSE VOLTADO A JOGAR.”

Na época seguinte, és emprestada ao Valadares. Como é que se deu esta mudança?
Depois de ganharmos o campeonato e subirmos à primeira divisão, fiz a pré-época com o Benfica e a primeira fase no campeonato, mas senti que estava a perder espaço e queria jogar mais. Então, em concordância com o Benfica achámos que o melhor para mim seria ir para o Valadares para ganhar minutos e marcar mais golos e foi isso que aconteceu.

Foi fácil saíres do Benfica para o Valadares? A adaptação foi fácil?
Sim. Nunca tinha jogado no Norte, mas adorei a experiência. O Valadares é um clube que aceita muito bem as jogadoras vindas de fora. Eu não conhecia ninguém e fui extremamente bem recebida. Ajudaram-me muito a evoluir, por isso posso dizer que foi uma experiência muito boa e gostei muito de estar lá.

Em 2021 a época não correu tão bem e acabou por ficar marcada pela tua lesão. Fala-nos um pouco sobre o que aconteceu?
Pensei logo no pior. Foi num jogo contra a Ovarense, nunca mais me esqueço, no campo delas. Foi logo nos 10, 15 minutos iniciais. Uma colega minha cruza a bola e eu em frente à baliza saltei, depois devo ter colocado mal o pé e o joelho…. Pronto, foi logo. Senti logo que tinha sido com gravidade porque já tinha tido esta lesão anteriormente. Percebi logo que era algo menos bom.

Tendo já sido operada anteriormente ao joelho, teres voltado a lesionar-te aí gerou maior preocupação da tua parte?
Sim. Eu sabia que a gravidade da lesão era grande. Passei por momentos maus. Passou-me pela cabeça não voltar a jogar, por ser já a segunda vez, por saber o que viria a acontecer – a fisioterapia, o regressar a jogar… é tudo um processo. Na altura tive muito apoio da minha família e dos meus amigos, que foram as pessoas mais importantes naquele período, e se não fossem eles talvez não tivesse voltado a jogar. Tive de me apoiar neles.

“A PARTE MENTAL TEM DE ESTAR BEM PARA TER VONTADE DE IR TODOS OS DIAS, DUAS OU TRÊS VEZES POR DIA, PARA A FISIOTERAPIA.”

Quando é que mudaste o pensamento de “não vou voltar a jogar” para “não, eu vou conseguir dar a volta”?
Aquilo foi uma coisa rápida, depois passou-me logo [risos]. As primeiras duas semanas, quando nos cai a ficha do que aconteceu são muito difíceis, mas depois a paixão pelo futebol é maior que tudo e voltar a jogar é sempre o objetivo. Com a ajuda das pessoas certas, fui para a fisioterapia e fiz o meu trabalho, que foi bastante duro…

Olhando agora para trás, qual foi a parte mais complicada desse período – a questão física ou emocional?
A parte psicológica porque lá está, só a vontade de ir todos os dias, duas ou três vezes por dia, para a fisioterapia… a parte mental tem de estar bem para isso acontecer. Depois de a parte mental estar bem é que vem a parte física. Acaba tudo por correr melhor se estiveres bem mentalmente e foi o que aconteceu. A nível físico tive bastantes recaídas, o que é normal. Há dias em que nos sentimos bem, queremos fazer tudo, mas no dia a seguir já não consegues fazer nada. Tive a ajuda de grandes profissionais e consegui voltar a jogar ao nível mais alto.

Sentes que a lesão acabou por atrasar o teu percurso enquanto jogadora?
Acho que atrasa sempre um bocadinho, quer queiramos quer não. Podemos estar no auge da nossa carreira e de repente isto acontece. Ficamos entre 6 a 12 meses paradas…. No meu caso estive mesmo um ano parada, por opção, porque não me sentia bem para jogar, e nesse período, enquanto as nossas colegas estão a jogar e a evoluir, nós não progredimos e perdemos uma época, que é mesmo assim.

Como foi o regresso aos relvados depois de um ano fora?
Voltei a jogar na segunda divisão, para começar a integrar-me e ganhar ritmo, no Damaiense. Senti que desta vez foi mais complicado voltar do que tinha sido na lesão anterior. Talvez a parte mental, ter mais medo de voltar a acontecer… senti que foi mais complicado. Depois de começar a fazer os primeiros jogos, com o apoio das minhas colegas e tudo mais, aos poucos, senti que afinal ia conseguir voltar a fazer isto.

“GOSTO DE ESTAR NO AMORA, SINTO-ME BEM, TODA A GENTE ME ACARINHOU E TEM SIDO BOM.”

Hoje estás no Amora, após uma passagem pelo Damaiense. A experiência está a corresponder ao que procuravas?
Sim. Vim agora para aqui fazer o resto da época. Tem tudo correspondido às minhas expectativas, gosto de estar aqui, sinto-me bem, toda a gente me acarinhou e tem sido bom. Sinto que ainda estou a voltar, que ainda não estou a 100%, mas hei de lá chegar. É como eu digo sempre: o regresso é sempre maior que o contratempo.

Olhando para trás e recuperando a tua experiência no Verona. Voltar a sair de Portugal é algo que considerarias?
Sim. Eu tenho sempre a porta aberta. Se surgirem novas oportunidades, das quais eu goste e me sinta bem, porque não?

Já representaste a Seleção nas camadas jovens. Representar a Seleção AA é um sonho?
Claramente. Acho que todas as jogadoras têm esse sonho de chegar à equipa A e eu sou uma delas. Sinto que pode estar mais perto, se continuar a trabalhar e acreditar em mim. É um sonho, mas sem pressão.

Que objetivos tens para a tua carreira?
Um dos objetivos é chegar à Seleção, lá está [risos}. Procuro sempre evoluir, estar bem comigo mesma, sem lesões e principalmente desfrutar daquilo que é o futebol, que é um desporto tão bonito.