"Acabei por perceber que tinha de continuar a estudar"
Médio Ilija Vukotic, do Boavista, é licenciado em economia.
Vieste para Portugal com 18 anos e queria começar por aí. Como foi essa mudança para um novo país, ainda tão jovem?
Cheguei muito novo a Portugal, com 18 anos pois não podemos sair antes dos 18 do Montenegro, uma vez que não temos passaporte europeu. Quando fiz os 18 e pude deixar o país, o Benfica era um dos clubes interessados em me contratar. Mudei-me para o Benfica, foi um grande passo na minha carreira. Foi mesmo um passo muito difícil que tive de dar, porque não falava bem inglês e, claro, naquela altura, não falava português. Cheguei à melhor academia de jovens e essa mudança ajudou-me muito na minha carreira profissional, mas não foi tão fácil como pareceu. A adaptação até foi fácil porque tive pessoas que me ajudaram muito dentro e fora de campo. Também tive aulas de português e inglês, ao mesmo tempo, e ao fim de um ano já falava as duas línguas. Isso ajudou-me bastante.
Qual foi a maior dificuldade na adaptação?
A maior dificuldade naquela altura era a língua. Depois, o Montenegro é um país muito pequeno, com 500 mil pessoas e de repente chegas a Portugal, um país do futebol, um dos melhores da Europa e percebes que não é fácil adaptares-te logo, mesmo ao futebol em si. Eu jogava futebol há 16 anos no meu país e depois chego aqui e é uma realidade completamente diferente. Chego aos juniores do Benfica numa das melhores gerações que o clube teve, onde jogava o [João] Félix, o Jota, Gedson, Nuno Santos… Muitas pessoas. Naquele período fiz 30 e tal jogos pelos juniores e na altura não me apercebi do que estava a fazer. Só depois percebi que joguei ao lado de jogadores como o Florentino, que hoje está a fazer o que vemos. Aquele primeiro ano no Benfica ajudou-me muito e só me apercebi disso alguns anos depois. Partilhei o campo com os mesmos jogadores que hoje estão acima da média.
Já falas bem português. Já cá estás há algum tempo, mas ainda assim, há muitos imigrantes que ao fim de vários anos ainda não falam a língua. Aprender português foi logo uma prioridade ou necessidade, ou acabou por ser um processo de aprendizagem natural?
Vou ser o mais sincero possível. Quando cheguei, o inglês era básico, engraçado até [risos]. Comecei a fazer aulas, com o Benfica, de inglês e português, uma hora cada. Na altura percebi que tinha de aprender línguas. Aprender uma língua só me ajuda, não prejudica em nada. Ao fim de um ano, já falava bem português, não como falo hoje, mas já entendia tudo, no campo podia falar com os meus colegas, com o treinador, percebia as partes mais táticas…
Quando vieste para Portugal, já tinhas terminado o secundário/12.º ano? E já tinhas na ideia prosseguir para o ensino superior?
Eu não sei, ou não percebi bem ainda, como é que isso funciona em Portugal. No Montenegro tens a primeira escola, que são nove anos, depois escolhes uma nova escola que tem a duração de quatro anos e só depois é que escolhes se queres, ou não, ir para a faculdade. Agora eu… Se eu ouvisse o meu pai, nunca tinha andado na escola, mas na minha casa é a mãe que decide essas coisas e ela puxou muito por mim. Eu acabei por perceber que tinha de continuar a estudar. A carreira de jogador é curta, podem acontecer várias coisas, como lesões, de repente acabas de jogar e depois de terminar a carreira tens de fazer alguma coisa. Então, eu fiz esses quatro anos na minha cidade, antes de vir para o Benfica, acabei com uma média muito boa, enquanto jogava pela seleção jovem, e depois fui para a faculdade. Fiz uma licenciatura de quatro anos, em economia. Já terminei e já tenho o diploma.
“HOJE, A VIDA DE PROFISSIONAL DÁ PARA TUDO. PODEMOS TREINAR, IR A CASA, FAZER TRABALHO EXTRAFUTEBOL E AINDA TEMOS TEMPO PARA FAZER A FACULDADE.”
Há alguma razão especial para a escolha do curso em economia?
Tenho um irmão mais novo, dois anos, e em casa sempre me disse que queria fazer economia e brincávamos muito sobre isso. Então eu disse que ia tirar economia e depois ele tirava também. Foi assim que começou. Agora acho que é um curso muito bom para o futuro e que tem muitas saídas.
É algo que pretendes exercer no futuro ou quiseste ter apenas mais ferramentas para a gestão da tua carreira e até do pós-carreira?
Para gerir a minha carreira foi bom sim, mas depois do futebol não sei o que vou fazer. Talvez vá ser treinador, talvez vá ser agente, mas se calhar nem vou ficar ligado ao futebol, percebes? Então, é um excelente curso para depois da carreira escolher por que área queres seguir. Hoje, sem um curso superior, é muito difícil arranjarem um ótimo trabalho, ou seja, um trabalho que te satisfaça.
Sentes que teres uma licenciatura te deixa mais preparado, ou apto, para a vida fora do futebol?
Sim. Quando tiras um curso superior tens algo atrás de ti. Sentes-te satisfeito, foste tu que fizeste isto, ninguém te deu nada, ninguém te ajudou, percebes?
Aqui no Boavista há mais jogadores a estudar ou com estudos já concluídos. Vocês influenciam-se mutuamente?
Não falamos muito sobre isso. Com o Martim, por exemplo, falo muito, pergunto quando tem aulas ou testes… Para os jogadores profissionais de um nível elevado, Primeira ou Segunda Ligas, o futebol é a prioridade e muitos deles dizem que não têm tempo ou outra coisa e eu não quero entrar nessa discussão. Agora, se quiserem a minha opinião e falarmos sobre isso eu vou dizer que acho que é muito importante para toda a gente [tirar um curso superior].
Que conselho deixas a outros jovens jogadores que estejam a pensar em abandonar os estudos? Como é que os convencerias a continuar para o ensino superior?
Para todos os jogadores o futebol é a prioridade, mas acho que todos têm tempo suficiente para pelo menos tentar terminar os estudos. Há pessoas que não podem, que têm outros problemas que não as deixam terminar a escola ou ir para a faculdade, mas hoje, a vida de profissional dá para tudo. Podemos treinar, ir a casa, fazer trabalho extrafutebol e ainda temos tempo para fazer a faculdade. E isso é muito importante para todos nós.