"Nunca desisti, trabalhei bastante e estou a fazer o meu trajeto"
Aos 23 anos, Pedro Álvaro tem mais de 40 jogos na Primeira Liga depois de ter estado um ano sem jogar.
Em agosto de 2020, a carreira de Pedro Álvaro sofreu um duro revés. Uma lesão grave deixou-o um ano sem jogar, mas o defesa não desistiu e foi à luta.
Dois anos depois, o defesa central do Estoril cumpriu o objetivo de se estrear na Primeira Liga, onde já tem mais de 40 jogos.
Vamos começar pelo início da tua carreira. Antes de seres futebolista, jogaste futsal em Seia. Recordas-te do motivo que te levou a trocar os pavilhões pelos relvados?
Sou de Seia e, ao início, os meus pais não eram muito apologistas que eu começasse a jogar futebol, principalmente o meu pai, porque também teve lesões e então foi com alguma insistência de um professor de educação física que na altura fui para o futsal. Era novo e esse mesmo professor era o treinador. Foi por isso que optei pelo futsal. As coisas começaram a correr bem e depois passei para o futebol porque comecei a jogar com idades superiores.
Estivemos a olhar para os teus registos e em 2014/15 marcaste 20 golos em 29 jogos nos iniciados do Benfica. Antes de seres defesa central eras ponta de lança?
Fui para o Benfica como avançado. Na altura andava a fazer treinos de captação no Benfica e no Sporting, podia ter optado também por ir para o Sporting, mas em ambos os casos fui para avançado, nos infantis. Nos iniciados fui médio e só em juvenis passei para central. Ao longo da formação é importante experimentarmos várias posições, até para evoluirmos. Como tinha uma estatura elevada, também fazia de defesa, mais tarde começaram-me a utilizar mais atrás e a partir daí fui ficando.
Na época que estiveste sem jogar, em 2020/21, chegou a passar-te pela cabeça deixar o futebol?
Pode ter-me passado num momento ou noutro desistir do futebol, porque andava mesmo bastante em baixo. Foi uma fase bastante complicada da minha vida, quer fora quer dentro do futebol, e as dúvidas começam a aparecer porque ficamos tanto tempo afastados dos relvados e começamos a duvidar de nós mesmos, daquilo que somos capazes de fazer e foi um ano complicado da minha vida.
Como é que surgiu a oportunidade de vires para o Estoril?
As lesões nunca vêm em boa altura, e quando me lesionei foi quando fui emprestado à B SAD, para evoluir na Primeira Liga e regressar ao Benfica. Voltei para a equipa B e a jogar e surgiu a oportunidade de me juntar a um clube excelente como o Estoril, continuar o meu trajeto e é isso que estou a fazer.
Como foi estreares-te na Primeira Liga? Lembras-te do jogo, do dia e de mais algum pormenor em particular?
Foi excelente porque, dadas as circunstâncias de tudo o que tinha passado, esse ano foi de afirmação. Jogar na Primeira Liga depois de tantas dificuldades, foi aqui em casa [no Estádio António Coimbra da Mota], contra o Famalicão, e são essas as memórias que ficam.
“TENHO OS ESTUDOS TODOS ATÉ AO 12.º ANO E NÃO ACABEI POR UMA DISCIPLINA. PEDI AJUDA AO SINDICATO DOS JOGADORES PARA TENTAR CONCLUIR O ENSINO SECUNDÁRIO.”
Aos 23 anos, estás a jogar na Primeira Liga, no Estoril, e como titular indiscutível. Esperavas estar hoje neste patamar depois de tudo o que passaste?
Na fase da lesão foi bastante complicado e é um pouco inevitável duvidarmos de nós mesmos, porque ficamos muito tempo afastados dos relvados. Mas depois nunca desisti, trabalhei bastante, porque no caso da minha lesão foi voltar a rasgar o músculo no mesmo sítio e era isso que me deixava mais frustrado. Ao superar isso, as coisas foram acontecendo naturalmente e felizmente têm estado a correr bem e isso é o mais importante.
Tendo em conta o que viveste com a lesão que te afastou uma época dos relvados, tinhas algum plano B para a tua vida, caso não fosse possível continuar no futebol?
Pedi agora ajuda ao Sindicato dos Jogadores porque sempre conciliei muito bem o futebol com a escola. Na altura tinha muito boas notas, mas no 12.º ano tive uns problemas com um professor de matemática e acabei por querer anular a disciplina. Tenho os estudos todos até ao 12.º, não acabei por uma disciplina e estou a procurar acabar. Mas sou uma pessoa que abdicou de muita coisa para estar aqui hoje. Aos 12 anos tive de sair de casa, não sou de Lisboa, vim viver para a academia do Benfica, portanto o futebol é a minha vida e é isso que pretendo. Neste momento sou jogador, quero continuar o meu trajeto e no futuro gostava de ser treinador.
O facto de teres tido a lesão grave faz-te pensar mais seriamente no pós-carreira? Apesar de só teres 23 anos, já pensas no que vais fazer quando deixares de jogar?
Tenho os meus objetivos, que são continuar a evoluir e esse vai ser o meu principal foco enquanto for jogador de futebol, se não for assim não faz sentido. Mas claro que é sempre importante pensar em ter um plano B e o meu acaba por vir a ser treinador. Também tenho alguns hobbies, como fotografia.
O que é que passa pela cabeça de um jogador de futebol quando não pode dar o seu contributo dentro de campo e está impossibilitado de o fazer devido a lesão?
Sentimo-nos frustrados porque fiz a recuperação, sentia-me sempre bem, fazia trabalho de ginásio, de campo, fisioterapia, tudo. Chegava a entrar na academia às sete da manhã, saía às sete da noite e as coisas voltavam a acontecer. Queria continuar a evoluir, a trabalhar, dar o melhor de mim e não acontecia. Temos de saber lidar com essa situação.
Quem foi o teu maior suporte na fase mais difícil da tua carreira?
A minha família foi, sem dúvida, importante. Apesar de estarem longe de mim, a família é a nossa zona de conforto, mas foi também com a ajuda de psicólogos. Tive de recorrer a psicólogos porque o fora de futebol também não estava muito bom e esse recurso ajudou-me bastante. A parte psicológica é 60% num jogador de futebol. Temos de estar bem connosco para conseguirmos exercer as coisas da melhor maneira.
“A LESÃO VEIO NUMA IDADE EM QUE SE FAZ A TRANSIÇÃO PARA O FUTEBOL PROFISSIONAL, MAS ESTOU A FAZER O MEU CAMINHO DA MELHOR MANEIRA E ISSO É O MAIS IMPORTANTE.”
O que sentiste quando voltaste a pisar um relvado, então pela equipa B do Benfica, depois de tanto tempo sem jogar?
Lembro-me que parecia ser o primeiro jogo da minha carreira. Estava nervoso e por norma nunca costumo ficar, não tinha ansiedade e nesse jogo estava ansioso, queria que o árbitro apitasse e que começasse.
Conseguiste deixar de imediato os fantasmas para trás ou houve alguns receios que tiveram de ser trabalhados mentalmente?
Acho que é um fantasma que nunca desaparecia. Quando havia uma paragem agarrava-me sempre à perna, no sítio em que tive a lesão, e estava bem, mas estava lá sempre aquele ‘fantasminha’. Mas as coisas foram-se eliminando, estou bem e o mais importante é não ter voltado a acontecer nada.
Jogaste em todas as equipas do Benfica, desde os infantis, menos na principal. Hoje é um clube que tem apostado em jovens centrais portugueses, como são os casos do António Silva e do Tomás Araújo. Sentes alguma tristeza ou injustiça por, no teu tempo, não te ter sido dada a oportunidade de jogar pela equipa principal?
Não. Quando tinha 16 anos tive o privilégio de o Rui Vitória já ter falado no meu nome. Também treinava às vezes com a equipa A, tive a oportunidade de ser convocado para a Liga dos Campeões num jogo com o Liverpool e estreei-me no Estádio da Luz num jogo de apresentação contra o Anderlecht. Tive um bocado de azar porque naquela época fui para a B SAD, ia ser o meu ano de afirmação, tive a lesão, mas temos de saber lidar com isso no futebol. No meu caso veio numa idade em que se faz a transição para o futebol profissional, mas estou a fazer o meu caminho da melhor maneira e isso é o mais importante.
Quais são os objetivos para a tua carreira a curto e longo prazo?
O meu foco é no dia-a-dia. Procuro dar o melhor de mim em todos os treinos, tenho os objetivos pessoais e do clube e depois as coisas vão acontecendo. Isto passa muito rápido e é viver o dia a-a-dia.
Tens algum sonho por cumprir no futebol?
Só tenho 23 anos e espero alcançar muitas coisas. Espero um dia poder jogar na Liga dos Campeões. É continuar a trabalhar nesse sentido e a evoluir.