“Sigam os vossos sonhos e não desistam”

Lara Pintassilgo, do Torreense, à rubrica “Impressão Digital” no Dia Internacional da Mulher.
Começou a jogar com os rapazes, sente que o preconceito em relação ao futebol feminino tem vindo a diminuir e o seu maior sonho é vencer uma Liga dos Campeões.
Eis Lara Pintassilgo, avançada do Torreense, protagonista da rubrica “Impressão Digital”, neste Dia Internacional da Mulher.
Vens de uma família de futebolistas. O teu pai e o teu tio também foram jogadores. Foram eles que te incentivaram a ser jogadora de futebol?
Desde muito pequena sempre vi futebol com o meu pai, por ele ter jogado, e com o meu tio também. O meu pai e o meu tio jogaram como profissionais, mas sempre tive isso muito incutido na família. Víamos muitos jogos juntos. Mas foi algo natural, não foram eles que me incentivaram a ser jogadora. Sempre gostei de ir para o parque brincar com os meus amigos e a brincadeira era o futebol. Ficávamos a jogar bastante tempo.
Começaste a jogar futebol numa equipa mista, de raparigas e rapazes. Isso foi algo que te fez confusão?
Comecei a jogar futebol com 9 anos, numa equipa mista do Montenegro e na altura foi algo natural. Lembro-me que no primeiro dia fiquei com um pouco de medo, porque eram bastantes rapazes, muito mais do que os que jogavam na rua, e era um pouco estranho. Fui jogando, treinando e eles também gostavam imenso de mim porque na altura eu jogava melhor do que eles [risos].
Sentias algum preconceito por seres mulher num grupo formado maioritariamente por rapazes?
Os rapazes da minha equipa adoravam-me. Foi sempre muito bom jogar com eles, tanto no Montenegro como no Farense. Só quando marcava golos às outras equipas é que os pais das equipas adversárias começavam a dizer ‘ela é uma rapariga, não devia jogar connosco’ e eu pensava ‘sou uma rapariga e ainda bem que estou a jogar convosco’, porque isso fez uma diferença enorme quando passei do futebol masculino para o feminino.
Sentes que hoje ainda há preconceito em relação ao futebol feminino ou essa ideia já está a mudar?
Acho que hoje o preconceito que se colocou há uns anos tem vindo a diminuir, já não vejo tantos comentários negativos sobre o futebol feminino e as pessoas já estão a apoiar, muito devido ao que o Benfica está a fazer na Liga dos Campeões. Acho que isso está a fazer com que as pessoas respeitem mais o futebol feminino. A jogadora portuguesa tem muita qualidade técnica e as condições que os clubes estão a fornecer faz com que o nosso campeonato comece a evoluir e isso também nos ajuda em termos individuais.
“MARCAR UM GOLO QUE DECIDA JOGOS NÃO TEM NADA A VER COM O SENTIMENTO DE IR A UM EUROPEU E CLARO QUE UM DOS MEUS GRANDES SONHOS É REPRESENTAR A SELEÇÃO AA.”
Como te descreves enquanto jogadora?
Sinto que sou uma jogadora forte tecnicamente, boa no drible e consigo segurar bem a bola de costas para a baliza. Considero-me uma jogadora inteligente e penso que o meu ponto menos forte é o pé esquerdo. Confesso que nunca o trabalhei muito e falta-me alguma agressividade para ganhar os duelos.
Em 2019 jogaste o Europeu de Sub-17, onde Portugal chegou às meias-finais. Ainda tens o objetivo de representar a Seleção AA?
Lembro-me que na altura, depois do jogo contra a França quando tive a noção que íamos ao Europeu de Sub-17, foi algo inexplicável e nunca senti tanta felicidade na minha vida. Só acreditei quando chegámos à Bulgária e jogámos contra elas no primeiro jogo. Lembro-me que o meu pai e a minha irmã foram lá apoiar-me e acho que se qualquer jogadora pudesse passar por isso, passaria, porque marcar um golo num campeonato ou um golo que decida jogos não tem nada a ver com o sentimento de ir a um Europeu e claro que um dos meus grandes sonhos é representar a Seleção AA. Se pudesse ir a um Europeu, era muito especial e não tenho palavras para isso.
Já tens dois títulos de campeã nacional, uma Taça de Portugal e uma Taça da Liga, pelo SL Benfica. O que te falta conquistar no futebol?
Fico muito grata por já ter alguns títulos pelo Benfica. Quando os ganhei era tão nova que nem tinha noção do quão grande eram. Gostava de jogar fora de Portugal, era uma experiência que me ia fornecer algumas coisas e gostava de jogar outra vez na Champions, como joguei pelo Benfica, e de ir à Seleção AA. Pelo Torreense, gostava de chegar aos lugares cimeiros da tabela e, quem sabe um dia, termos uma equipa tão forte para chegar a um segundo lugar do campeonato e ir à Liga dos Campeões.
Sabemos que além do futebol tens outra paixão, a música. Se tivesse de optar entre uma e outra, a qual darias prioridade?
Neste momento optaria pelo futebol, apesar de gostar muito da música. Pelo que ambiciono, não tenho projeto feito para a música. Fui ao ‘The Voice’ com a minha irmã quando estava de férias, mas só se acontecesse algo muito grave no futebol e não pudesse continuar é que tentaria algo a sério na música.
Quando subiste ao palco com a tua irmã, estavas muito à vontade. Era algo que vocês já faziam juntas?
Eu e a minha irmã sempre cantámos juntas em casa, quando éramos pequenas. Sempre tivemos uma conexão muito grande e acho que isso também se viu no programa. Estar em cima do palco e estar no relvado não tem nada a ver. Temos noção que no palco as pessoas estão a olhar diretamente para nós e vice-versa, e temos muito mais noção do que estamos a fazer, enquanto no futebol tenho a bola um, dois segundos, é tudo muito rápido e no palco não. Está tudo definido e não posso falhar uma nota. No futebol se falhar um passe, se tiver uma boa reação à perda da bola, ainda posso fazer uma assistência para a minha colega. É completamente diferente. Parecia que estava à vontade no palco, mas estava muito nervosa na primeira atuação. Da prova cega para a gala em direto foi diferente e aí já me senti à vontade.
“A LUTA DO SINDICATO PELA GARANTIA DE CONDIÇÕES MÍNIMAS PARA AS JOGADORAS É IMPORTANTE, PARA QUE O FUTEBOL FEMININO EVOLUA.”
Além do futebol e da música, em termos de formação académica, ainda estás a estudar ou tens alguma licenciatura?
Neste momento ainda não tenho nenhuma licenciatura. Acabei o 12.º ano e estou à espera do momento em que me sinta melhor em termos psicológicos, porque saí do Benfica e houve uma mudança na minha vida que não esperava na altura. É importante ter uma licenciatura, porque o futebol não dura para sempre, e gostava que fosse ligada à vertente psicológica.
Esta entrevista será publicada no Dia da Mulher e o Sindicato apresentou há um ano uma proposta de acordo coletivo de trabalho para as jogadoras. Como é que vês esta luta do Sindicato pela garantia de condições mínimas para as jogadoras?
Acho que esta luta do Sindicato pela garantia de condições mínimas para as jogadoras é importante, para que o futebol feminino evolua. Acho que é bastante importante e fico contente que haja pessoas a fazer isso.
Neste Dia da Mulher, que mensagem gostarias de deixar a todas as jogadoras?
Queria deixar uma mensagem a todas as jogadoras para que sigam os vossos sonhos, não desistam e quando pensarem que está tudo a correr mal, pensem que há sempre algo positivo na vida e que, de um dia para o outro, as coisas podem mudar e melhorar.
Onde te vês daqui a dez anos?
Daqui a dez anos espero ainda estar a jogar, em Portugal, porque se tiver uma carreira longa e como espero vir a jogar no estrangeiro, espero poder voltar a Portugal e num clube onde me sinta bem. Não quero jogar durante bastante tempo, gostava de fazer outras coisas ligadas à música, com a minha irmã ou sozinha, e seguir psicologia desportiva.
Qual é o maior sonho da tua carreira?
Ganhar uma Liga dos Campeões.