Líder nos relvados e na restauração
Joel Vital abriu o restaurante G-Treze quando ainda jogava no Sporting da Covilhã.
Foi na Covilhã que jogou nas últimas nove épocas da carreira e abriu o próprio negócio, ainda como jogador.
Hoje, Joel Vital concilia a gestão do restaurante G-Treze com as funções de administrador da SDUQ do Sporting da Covilhã.
Quando é que começaste a pensar em abrir este negócio?
Foi no decorrer do ano 2019. Estava a recuperar de uma lesão e a começar a preparar uma escapatória do que podia ser o futuro pós-carreira. Comecei a elaborar o plano em 2019 e abrimos em 2020.
Porquê o nome G-Treze?
O nome vem do facto de o meu antigo sócio do restaurante chamar-se Gerson Oliveira e o 13 era o meu número como jogador.
O número 13 costuma ser associado ao azar. Porque é que usaste sempre esse número?
Só houve um ano em que não joguei com o número 13, que foi no meu primeiro ano de sénior, em que joguei com o 17, mas sempre gostei do número 13 por causa de um central, que era o Alessandro Nesta. Sempre gostei muito desse defesa, acompanhava a sua carreira, via muitos jogos do AC Milan e a partir daí criei uma ligação forte ao número 13.
O que sentiste quando fizeste a transição de carreira? O facto de teres algo para fazer deixou-te mais tranquilo no pós-carreira?
Sem dúvida. Pôr um término na carreira é muito difícil, ter já alguma coisa para fazer logo quando se deixa o futebol, é muito importante para o jogador. O restaurante deu-me outra visão. Comecei logo a trabalhar, já estava aberto antes de terminar a carreira e comecei a inteirar-me mais do projeto, sobre a cozinha, o plano de negócio do restaurante, que é muito complexo, e tudo isso foi bom para mim porque deu-me a adrenalina que tinha no futebol.
Quando é que começaste a ter o gosto pela cozinha?
Sempre vivi sozinho desde os meus 17 anos. Fui morar para Lisboa, aos 19 anos também fui sozinho para os Açores, tínhamos sempre restaurantes ligados ao clube que nos davam esse apoio, para podermos jantar ou almoçar lá, só que era muita comida de restaurante, o que me levou a cozinhar desde muito novo. Sempre fui vendo programas de cozinha desde essa altura e a paixão veio por aí e pela vontade de querer cozinhar, porque estava farto da comida de restaurante.
“O SACRIFÍCIO E A UNIÃO DO FUTEBOL TRANSPORTADOS PARA UM AMBIENTE DE TRABALHO SÃO FUNDAMENTAIS. QUANDO TENHO DE DAR UM RASPANETE, DOU O EXEMPLO DO FUTEBOL E ELES TÊM ACESSO AO QUE TÍNHAMOS MUITOS ANOS DENTRO DE UM BALNEÁRIO.”
És o principal rosto deste restaurante. As pessoas reconhecem-te por teres jogado no Covilhã?
Sim, isso foi um fator determinante para abrirmos o restaurante. Estar ligado ao Covilhã trouxe muita gente, pela curiosidade de ser jogador. O cliente vinha, se a comida fosse boa mantínhamos o cliente e tivemos o melhor de dois mundos: o jogador que abriu um restaurante e uma cozinha estável, boa, competente e conseguimos fidelizar o cliente. Na rua ainda sou o Joel ex-jogador, as pessoas ainda me abordam muito sobre o futebol e os jogos do Covilhã.
Este restaurante foi inaugurado pouco antes da pandemia, em fevereiro de 2020. Chegaste a temer pelo teu futuro?
Com a pandemia, tivemos de nos reinventar e abrimos isto como um brunch. As pessoas vinham de manhã, tomavam o pequeno-almoço e foi um período de três meses que teve esse limite de horário. Tivemos um sucesso tremendo. A expansão, com uma casa de brunch, é o passo seguinte.
Nasceste no Porto, mas abriste este espaço na Covilhã. Podemos dizer que já é mais serrano do que portuense?
Considero-me muito serrano. Joguei dez anos no Covilhã, conheci aqui a minha mulher, tive a minha filha, abri o negócio, já é muita coisa ligada à cidade, que me faz sentir aqui da terra.
A experiência de liderança no futebol ajudou-te a liderar este projeto?
É uma boa pergunta. Falo muitas vezes com as pessoas que nos rodeiam no restaurante e dou-lhes muitos exemplos do que eram as lideranças nos nossos balneários. Transporto muito para aqui e isso cada vez mais é favorável. O espírito de equipa, saberem que têm de acompanhar o que queremos, mas sem dúvida que o sacrifício e a união do futebol transportados para um ambiente de trabalho são fundamentais. Quando tenho de dar um raspanete, dou o exemplo do futebol e eles têm acesso ao que tínhamos muitos anos dentro de um balneário. Estamos todos imbuídos de um espírito para atingir um objetivo, que é elevar o restaurante o mais longe possível.
Na tua carreira como jogador também viveste algumas dificuldades, com lesões graves pelo caminho. Estiveste um ano sem jogar devido a uma rotura do ligamento cruzado anterior. Onde é que se vai buscar forças para ultrapassar estas adversidades?
Essa lesão marcou-me muito porque foi no período em que passamos para os 30 anos e tínhamos o estigma que a partir dessa idade começávamos a ficar desgastados para o futebol. Se não tivesse tido essa lesão, não sei se iria abrir o restaurante. Custou-me bastante voltar à competição e isso fez-me pensar que tinha mesmo de arranjar uma escapatória para quando saísse do futebol.
“HÁ EXEMPLOS DE JOGADORES AO MAIS ALTO NÍVEL QUE DEPOIS FICAM FALIDOS, PASSADO UNS ANOS, E ISSO ALERTOU AS PESSOAS. HÁ QUE PREPARAR AO MÁXIMO A CARREIRA PÓS-FUTEBOL.”
O presidente José Mendes era um cliente regular deste espaço. Que memórias guardas dele?
Desde a época da pandemia, ele pedia muitos takeaways, vinha cá almoçar com a esposa e foi muito importante para mim como jogador e no pós-carreira. Sempre me apoiou muito e foi um forte alicerce para mim. Guardo boas recordações a todos os níveis.
Com o seu falecimento, passaste a integrar a administração da SDUQ do SC Covilhã. Devido ao carinho que ele tinha por ti, sentias que era o teu dever preencher esta vaga na Direção, com a subida do Marco Pêba a presidente?
Após o seu falecimento, abracei ainda mais este projeto porque tenho uma enorme dívida de gratidão com ele. Tenho de ajudar o clube de alguma maneira e chegou-se à conclusão que tinha de integrar os quadros da administração da SDUQ.
És um exemplo por teres preparado o pós-futebol ainda no ativo. Os teus colegas de equipa também tinham essa preocupação?
Agora está um pouco diferente. Há oito anos, o pessoal vivia o dia-a-dia e não queria saber. Mas nos últimos quatro anos, começaram a pensar um pouco no pós-futebol, nos investimentos que devem começar a ser feitos, tirar cursos de treinador e direção desportiva e isso está a evoluir.
Sentes que hoje os jogadores têm a noção de que vão ter de se dedicar a outra atividade quando chegar ao fim a carreira de futebolista?
Sem dúvida. Há exemplos de jogadores ao mais alto nível que depois ficam falidos, passado uns anos, e isso alertou as pessoas. Há que preparar ao máximo a carreira pós-futebol.
Na tua opinião, quando é que deve começar a ser preparado o pós-carreira dos jogadores?
Quando começa a transitar para sénior, dos 18 aos 25, tem de apostar forte na carreira futebolística. A partir daí tem de ver o que atingiu, o que pode atingir e começar a criar um escape.
“O FUTEBOL É UM DESLUMBRE E DOS 18 AOS 22 ANOS PARECE UM MAR DE ROSAS, MAS O CASTELO PODE CAIR MUITO RÁPIDO.”
Sentes que é feito o suficiente para que os jogadores consigam preparar desde cedo o pós-carreira?
Acho que quanto mais apoio os jogadores tiverem melhor. O Sindicato dos Jogadores começa a consciencializar que devem começar a ter uma escapatória pós-futebol, mas acho que devia haver mais apoio na transição de júnior para sénior porque o futebol é um deslumbre e dos 18 aos 22 anos parece um mar de rosas, mas o castelo pode cair muito rápido.
Realizaste todos os objetivos como jogador ou ficou a faltar algo?
Gostava de ter jogado na Primeira Liga, mas sinto-me satisfeito com aquilo que consegui alcançar como jogador, pessoa e capitão. Tivemos um ano que ficou amargurado, quando não subimos com os mesmos pontos do União da Madeira, mas no global estou satisfeito com o que consegui fazer.
Como empresário do G-Treze e futuro restaurante, que objetivos e sonhos tens?
Neste restaurante tínhamos o objetivo de cimentar a marca e conseguimos. Temos o objetivo de colocar este restaurante num roteiro Michelin e temos um novo espaço que vai abrir dentro de semanas e queremos pô-lo num patamar bom. Acreditamos nas nossas competências e nas pessoas que estão connosco para elevá-lo a outro patamar. O primeiro passo é captar novamente as pessoas da Covilhã e catapultá-lo para o mesmo patamar deste.
Como é que conseguiste colmatar a adrenalina de um jogador de futebol?
Ainda hoje me fazem essa questão. Se tenho saudades de jogar. Quando saí do futebol encontrei na cozinha a mesma adrenalina e vontade, aquele stress de dividir uma bola, ganhar um duelo, temos isso na cozinha. Os timings da comida e essa adrenalina da cozinha colmatou completamente o que tinha no futebol. Tenho saudades do balneário, as histórias que temos lá, o que vivemos, e quem não jogou futebol nunca vai compreender.
E a família, no meio disto tudo, como é que fica? Quando jogavas futebol tinhas pouco tempo livre e no restaurante é semelhante.
A família, no futebol, já sofreu um bocadinho. Quem trabalha na restauração também continua a sofrer um bocadinho porque fins de semana e férias acaba por ser um pouco como no futebol e eles são um apoio fundamental. Quando pensei deixar o futebol, uma das razões também foi o nascimento da minha filha e deixei o futebol em prol da família, do bem-estar da mulher e da filha, mas ainda hoje eles sofrem um bocadinho.
Como é que defines o teu espaço?
Este espaço teve uma evolução tremenda e defino-o como um espaço em crescendo e com uma qualidade de comida excelente.