“Voltei a sentir-me novamente jogador”


Pedro Mendes regressou à competição em janeiro, pelo Estrela da Amadora, depois de nove meses sem jogar.

Jogou na Liga dos Campeões pelo Real Madrid, estreou-se na Primeira Liga pelo Sporting, foi internacional A português em 2018, mas uma grave lesão quase comprometeu a sua carreira.

Pedro Mendes regressou à competição em janeiro deste ano, pelo Estrela da Amadora, onde voltou a sentir-se jogador.

Nasceste na Suíça, mas começaste o teu percurso no futebol em Portugal. Isso aconteceu porque os teus pais regressaram ao nosso país?
Como todas as famílias emigrantes procuram uma qualidade de vida melhor no estrangeiro, eu não fugi à regra. Acabou por acontecer nascer na Suíça, mas não fiquei lá muito tempo porque os meus pais emigraram novamente e tentaram a sorte em Espanha. Fiquei lá seis anos à procura de melhores condições de vida, depois voltámos a Portugal e aí começa a minha história no futebol.

Começaste a formação como jogador no Real e terminaste-a no Sporting. Como sénior fizeste a estreia pelo Real, seguiu-se o Servette e foste para o Real Madrid. Como surgiu essa oportunidade?
Lembro-me que era representado pela Gestifute e surgiu porque tínhamos feito uma grande campanha na segunda divisão da Suíça. Subimos de divisão, o mister era o João Alves e o Jorge Mendes falou com o Mourinho. Perguntou se havia a possibilidade de me colocar lá e eles acharam que eu era merecedor dessa oportunidade. Sou um sortudo por a ter tido e é algo que nunca vou esquecer.

José Mourinho foi o melhor treinador com quem trabalhaste?
Tive a oportunidade de trabalhar com ele, mas foi esporadicamente. Fui para a equipa B e tive poucos momentos com o plantel principal. Era chamado para treinar, mas daquilo que vi e deu para perceber, foi dos treinadores que mais me marcou. Mas só vi o lado bonito da história, porque nos piores momentos não tive a oportunidade de conhecer o Mourinho. Só retiro aspetos positivos dessa experiência.

A experiência no Real Madrid foi importante para te fixares no futebol europeu, em Itália e França?
Não. Porque achava que me iria abrir mais portas. Pensava que apesar de estar emprestado no Real Madrid Castilla, falou-se da oportunidade de continuar, lembro-me que na altura o treinador teve conversas comigo a pedir para prolongarmos o empréstimo, mas como tinha contrato com o Sporting, havia uma cláusula e não deu para continuar essa aventura. Nesse ano foi criada a equipa B do Sporting e foi por aí que comecei, mas faz parte da minha carreira e aprendizagem. Sempre tive de lutar, conquistar as coisas por mérito próprio e a equipa B foi mais um passo. Não baixei os braços, nem virei a cara à luta e, mais tarde, surgiu a oportunidade de jogar na equipa principal do Sporting.

Onde é que te sentiste mais realizado como jogador? No futebol italiano ou francês?
No Montpellier, no ano em que sou chamado à Seleção Nacional, em 2018.

“CONTINUAVA A VIVER SOBRE O ANTIGO EU, SÓ QUE NÃO VOLTEI A SER ESSE PEDRO E SÓ AGORA É QUE FIZ AS PAZES COMIGO E ACEITEI AQUILO QUE SOU NESTE MOMENTO.”

Excetuando o Real, nos escalões de formação, o clube onde estiveste durante mais tempo de forma consecutiva foi no Montpellier, entre 2017 e 2023. Foi o clube que mais te marcou?
Marcar foi mais no sentido em que consigo atingir aquele expoente máximo, que é o sonho de qualquer jogador, que é representar a Seleção do seu país. Mas também ficou marcado de forma negativa, pela lesão, e a última imagem que fica parece que é aquela que guardamos e saí com um pouco de mágoa do clube. Mas tive a sorte de apanhar um grupo espetacular de jogadores no Servette e na equipa B do Real Madrid, onde também subimos de divisão. Em Parma, apesar da situação negativa que passámos porque o clube entrou em falência, vencemos a Juventus e o Nápoles e empatámos em Roma, apesar de termos nove meses de salários em atraso. Por isso, tudo conta e é enriquecedor.

Representaste a Seleção AA em outubro de 2018, num jogo de preparação com a Escócia. Contavas ser chamado à Seleção estando a jogar no Montpellier?
Representar a Seleção é como descrever o amor que sentimos por um filho. É a recompensa de um trabalho. Quando comecei a jogar com sete anos, olhava para a televisão e via o Abel Xavier, Vítor Baía, João Pinto, Nuno Gomes, Paulo Sousa e Luís Figo, entre outros, e pensava que um dia queria chegar lá ou jogar na Primeira Divisão portuguesa. Quando alcançamos esse patamar, olhamos mais para cima e o facto de ter chegado à Seleção sem estar num clube grande, por mérito próprio, foi muito recompensador. Olho para trás e digo ‘uau! Cheguei até aqui’. Foi o realizar de um sonho. É um sentimento de orgulho.

Onde é que estavas quando recebeste a notícia da chamada à Seleção AA?
Já tinha recebido a pré-convocatória e aí já há uma palpitação por estar nos 40 melhores de Portugal. Havia uma pequena desilusão quando não era chamado, mas antes do anúncio, os clubes recebiam os faxes duas ou três horas antes de ser anunciado. Lembro-me que estava a ir buscar o almoço em França e o treinador liga-me a dar-me os parabéns por ter sido convocado. Vieram-me as lágrimas aos olhos e parecia que tinha ganho a lotaria ou algo do género.

Nas últimas duas épocas fizeste apenas três jogos oficiais. Como é que se lida com uma situação destas?
Não há nenhum material de instruções para este tipo de situações. O problema é que não ajustei as minhas expetativas. Não foi a lesão que me afetou, porque nunca virei a cara à luta e tive de correr sempre atrás dos objetivos. Também me vieram as lágrimas aos olhos quando saiu o resultado da ressonância, ainda que tivesse uma pequena esperança de que tivesse sido só uma rotura parcial. Mas não ajustei a expetativa à realidade e quando o relatório diz que tenho de ser operado, aí fiz o meu dia de luto. No dia a seguir já estava em contagem decrescente para o meu regresso. O facto de ser extremamente competitivo e querer-me superar diariamente levava-me ao extremo e ao limite. Fazia cadeira isocinética todos os dias e apontava os meus valores, mas ao melhorar esses valores podia estar a pôr em risco a maturação do tendão rotuliano. Às vezes não conseguia ouvir o meu corpo. Entrei em rutura e quebra de confiança com o staff médico do Montpellier. A minha alta médica não correspondeu ao que tinha previsto, porque pensava que ia voltar sem dores e não é bem assim. Precisamos de tempo e de adaptação ao novo corpo e eu continuava a viver sobre o antigo eu, só que não voltei a ser esse Pedro e só agora é que fiz as pazes comigo e aceitei aquilo que sou neste momento.

“AOS QUATRO MESES DE REABILITAÇÃO, CAÍ EM PRANTO A CHORAR NO DUCHE, FALEI COM A MINHA ESPOSA E DISSE QUE PRECISAVA DE AJUDA PORQUE NÃO ESTAVA A CONSEGUIR LIDAR COM A SITUAÇÃO.”

As lesões graves que tiveste nos últimos anos levaram-te a equacionar desistir do futebol?
Sim. Sem problemas em admitir. Lembro-me que aos quatro meses de reabilitação, caí em pranto a chorar no duche, falei com a minha esposa e disse que precisava de ajuda porque não estava a conseguir lidar com a situação.  O problema é que tentava comparar-me com os outros. Podemos ter os dois um ligamento cruzado e tu recuperares mais rápido do que eu. Gostava de me comparar com outro colega que teve a mesma lesão um mês antes de mim, gostava de me comparar com o Pepe, que na altura mandou-me uma mensagem a dizer que no Real Madrid tinha feito a mesma lesão, tinha sido operado pelo Dr. Noronha e que ao fim de seis meses já estava a jogar. Pensei que comigo ia ser o mesmo, só que os corpos não são os mesmos e não é bem assim. Comecei a criar uma bola de neve negativa, porque achava que aos quatro meses já não ia ter dores e ainda tinha. Era o momento de ouvir o corpo e acalmar um pouco e eu sempre a forçar, a ver o que podia fazer mais para melhorar. Se calhar devia descansar, acalmar, entrei numa espiral negativa e procurei ajuda junto da psicóloga do desporto, Nádia Tavares, que está no Vitória SC. Começámos a trabalhar e ajudou-me bastante. Tem de deixar de ser um tabu no futebol porque as pessoas acham que nós somos só jogadores. Ninguém quer saber se estamos a passar por um processo de divórcio, se um dos nossos pais morreu, se estás chateado porque alguém te roubou e tens de ir jogar. Ninguém quer saber disso. És julgado pelo que fazes nas quatro linhas. Nós já vamos lá para dentro com esse peso pessoal e se corre mal ainda temos de levar com os comentários das pessoas que veem no futebol um desafogo. Se corre mal, somos um saco de pancada das pessoas, sofremos insultos e cabe-nos a nós blindar a nossa mente contra esse tipo de situações. Não é fácil, mas aconselho os jogadores a procurar um psicólogo, psiquiatra ou mental coach quando precisarem de ajuda.

O processo de recuperação não correu como esperado. Contactaste o Sindicato dos Jogadores de França ou de Portugal, durante esse período, para te aconselhares?
Não. Já tinha saído há muito tempo de Portugal e não sabia que o Sindicato dos Jogadores tinha apoio psicológico. Fui-me identificando com a Nádia Tavares, que passou pelo mesmo no basquetebol, e contactei-a no Instagram. Começámos a trabalhar e a tentar controlar micro vitórias, sem focar-me a médio e longo prazo. Hoje não consigo fazer planos semanais. Quando acabo o treino, só penso no dia de amanhã. Enquanto não passar aquela etapa, não penso no que vem depois. Tive de me reinventar porque era muito rígido comigo próprio.

Quem foram as pessoas mais importantes para ti neste longo calvário?
Uma das principais psicólogas foi a minha esposa, que não me deixou desistir. Aos quatro meses vi que não estava bem, precisava de ajuda e estava em processo de reabilitação. E após a alta médica percebi que não era o mesmo, não tinha as mesmas faculdades, estava mais duro de rins, menos móvel, menos forte, tinha um défice enorme de força da perna esquerda para a direita, tinha medo, insegurança e disse-lhe que se é para jogar assim, prefiro terminar a carreira porque estou a fazer figura de urso. Não é com esta imagem que quero terminar, não era isto que idealizava. Idealizava voltar mais forte e na volta voltei mais fraco. Precisava de tempo, queria dar respostas positivas, queria calar bocas, preocupava-me mais com o que diziam de mim e acabava por perder o foco em melhorar os meus aspetos individuais e o meu processo. Quando vi que as portas se estavam a fechar por todos os lados apareceu uma alma caridosa que me abriu as portas no Estrela, o mister, que acreditou em mim. Tentei de tudo e mais alguma coisa, compreendo a dúvida dos clubes em não quererem apostar num jogador que tinha tido este tipo de problemas, que na verdade é uma lesão muito comum, um ligamento cruzado, que no meu caso durou quase um ano e meio porque depois já era o tendão rotuliano. Quando vou bater à porta dos clubes, o meu CV já não conta para nada.

Estás convicto de que vir para o Estrela da Amadora foi a decisão certa nesta fase da carreira?
Mais do que convicto. Ao início não foi fácil. Posso admitir que duvidei, porque quando tudo parecia encaminhado, voltar aos treinos, lesiono-me ao fim de um mês, com uma rotura muscular. Não quebrei mentalmente, mas via o comboio a andar e só agora é que voltei a sentir-me novamente jogador, atleta, profissional, competitivo. Comecei a jogar em janeiro, mas nunca adormeço à sombra da bananeira porque já levei tanta pancada que já fico desconfiado. Na minha cabeça parece que não me deixo entusiasmar com o facto de já ter feito oito jogos porque amanhã pode estar uma lesão à porta. Sou muito pés na terra, tento controlar aquilo que posso, sono, hidratação, alimentação, descanso, recuperação e o resto deixo nas mãos de Deus. Era religioso, fiquei um pouco zangado com a religião no momento sombrio e negro, mas dentro dessa escuridão encontrei uma luzinha que me voltou a puxar para cima e não me deixou desistir, daí ter acentuado ainda mais o facto de prezar a religião.

“SE JOGAR TRÊS MINUTOS JÁ FICO CONTENTE, DESDE QUE NÃO ME LESIONE. SE ESTIVER BEM FÍSICA E MENTALMENTE, VOU FELIZ PARA CASA.”

Ao regressares a Portugal quais é que foram os objetivos que definiste para esta época?
Não defini objetivos. A única coisa que defini foi voltar a ser feliz dentro de campo. Antigamente, queria jogar o máximo de jogos possível, agora já não é assim. Se jogar três minutos já fico contente, desde que não me lesione. Se estiver bem física e mentalmente, vou feliz para casa.

A carreira de jogador não dura para sempre e é importante precaver o futuro. Já tens ideia do que vais ou queres fazer quando deixares de jogar?
Quero ser treinador. Ainda não me preparei, porque não consigo conciliar as duas coisas ao mesmo tempo, porque quando estou numa tarefa gosto de estar focado nisso. Se estiver num curso que dura quatro horas, das 19h às 23h, quando é que janto? Às 23h normalmente já estou a dormir e se quero estar bem para o dia seguinte, não faz sentido. Terei tempo para concluir o curso e uma das aulas calhava a um sábado, por isso, é impossível.

Sabemos que um dos teus objetivos é concluir o 12.º ano e já contactaste o Sindicato para esse efeito. Seguir uma formação superior é algo que está no teu horizonte?
É mais por uma questão de realização própria. Na altura abdiquei da escola porque era mais novo e tive a sorte de ser chamado às seleções jovens e era impensável um jogador levar um livro para o estágio da Seleção. Preferíamos matar o tempo a jogar PlayStation do que estar a estudar. Acabei por me dedicar à carreira de jogador e deixei de parte a escola. Faltam-me duas disciplinas para concluir.

E na próxima temporada? Vamos continuar a ver o Pedro Mendes como jogador?
Como jogador sim. Se a mente e o corpo me permitirem, sim.