A viagem do futebol às caravanas


Tiago Gomes terminou a carreira de jogador no último ano e dedicou-se a um novo negócio.

Foi uma viagem de quase 20 anos pelo futebol profissional, que passou dos relvados para as autocaravanas.   

O ex-internacional português Tiago Gomes dedicou-se a uma nova área de negócio, depois de ter brilhado no futebol, com um título de campeão europeu de Sub-17 pela Seleção Nacional.

Quando é que surgiu a ideia de te dedicares a este negócio das autocaravanas?
Desde miúdo que via pessoal a passar de autocaravanas e sempre me despertou interesse. Há cerca de dois, três anos resolvi alugar uma autocaravana para experimentar com a família. Já tinha o meu filho mais velho, o Gabi, e sempre quis fazer uma viagem longa com a família. Decidi alugar primeiro, para ver se valia a pena. Gostei da experiência. Resolvi comprar uma. Fiz ao meu gosto. Tirei ideias no Pinterest, vi várias empresas e fiz algo ao meu gosto. Estou muito satisfeito e tenho criado umas belas memórias com a caravana e com a família.

Quem é que costuma solicitar este tipo de serviço?
Agora existe uma plataforma, o Yescapa. Comecei a ligar há cerca de um ano e a maior parte das pessoas são estrangeiras.

As características que um jogador de futebol deve ter ajudaram-te a implementar este negócio?
Desde miúdo que só joguei futebol. Quando acabei a carreira fiquei meio atordoado, sem saber muito bem o que fazer. Aproveitei esta oportunidade, como também gosto muito de caravanismo, dormir perto da praia e de surf. Falei com várias pessoas que já estavam neste negócio há algum tempo e resolvi sair da zona de conforto e arriscar. Estou a gostar da experiência.

Além das autocaravanas, também praticas surf. Começaste a fazê-lo desde miúdo?
Desde puto, sim. A minha primeira prancha de surf foi uma da semente. A minha tia trabalhava na fábrica da semente. Fui lá e vi muitas pranchas. Despertou-me um grande interesse. Ela ofereceu-me uma prancha nesse dia, inclusive. Foi aí que despertou o meu interesse pelo surf. Estar na praia, estar com os amigos. Estar nesse ambiente fazia-me bem. Sentia-me bem.

A prática do surf ajuda-te a colmatar a falta da adrenalina de um jogo de futebol?
É completamente diferente. Ainda sinto aquele bichinho, a falta de acordar cedo, de criar objetivos para o ano, de treinar bem para depois jogar bem. Tentar fazer uma boa época. Os jogos com as equipas grandes davam sempre adrenalina. Não é tão parecido como o surf. Mas depende, imagina - apanhas o mar grande, tens sempre a adrenalina de apanhar aquelas ondas grandes. Aquela ansiedade, aquele nervoso miudinho. Mas acho que a adrenalina de ir para um jogo e apanhar ondas grandes é completamente diferente.

Deixaste de jogar no final da época passada, no Alverca. O fim da carreira surgiu porque não tiveste propostas para continuar a jogar ou foi uma decisão tua?
Acho que foi um pouco de ambos. Eu, sinceramente, não queria deixar já de jogar. Mas o que me aparecia não era nada de especial. Era uma Liga abaixo, e, eu conhecendo-me, se calhar não ia haver tanto profissionalismo e monetariamente não me aliciava. Falei com a minha família e a minha mulher e resolvi deixar o futebol. Seguir outro rumo, mas sempre com o bichinho de querer jogar.

Passou-te pela cabeça continuar ligado ao futebol, noutras funções, quando terminasses a carreira de jogador?
Talvez na parte de treinar miúdos. Se calhar ia gostar. Já me perguntaram por que não és empresário? Não me vejo nesse mundo. Se calhar a parte de treinar miúdos tenho quase a certeza que ia gostar e adaptar-me bem.

“O FUTEBOL TEM DISTO, MOMENTOS EM QUE ESTÁS LÁ EM CIMA, OUTROS EM QUE ESTÁS LÁ EM BAIXO. É PRECISO TER ESSA MENTALIDADE E PERSONALIDADE E SABER DAR A VOLTA ÀS SITUAÇÕES.”

Fizeste a formação no Benfica, onde estiveste nove anos. Foi importante para o teu crescimento como jogador e pessoa?
Fui para lá muito pequenino. Ganhei novas amizades. Aprendi muito com todos os treinadores. Deu-me uma formação até para o futuro. Fez-me olhar para o futebol de várias maneiras. Posso dizer que todos os anos que estive lá, e durante toda a minha carreira, aprendi muito com o futebol.

A estreia na Primeira Liga foi em 2006 pelo Estrela da Amadora. Ficaste desiludido por não teres tido a oportunidade de jogar oficialmente na equipa principal do Benfica?
Não penso muito nisso. Fiquei contente por me ter estreado na Primeira Liga. Se calhar, se fosse pelo Benfica, o sentimento seria diferente. Não é coisa em que pense muito. Normalmente tento pensar dia a dia e não pensar muito no futuro ou no passado. Tento viver o momento. Não é coisa que pense muito, nem que me faça muita confusão.

Depois de uma época no Estrela, tiveste uma experiência na Polónia e outra em Espanha. Foi a decisão certa saíres do teu país numa idade tão jovem?
Vou ser sincero, se fosse hoje fazia de forma diferente. Se calhar aguardava um pouco. Tentava ganhar o meu nome na Liga portuguesa. Fui muito cedo para a Polónia. Na altura estava no Benfica e fui emprestado para a Polónia. Se calhar devia ter aguardado mais e ter esperado por outra oportunidade, em vez de ter ido logo para a Polónia. Se calhar, se fosse outro país, tipo Espanha, seria diferente. Acho que fui precipitado nessa decisão.

Em 2009 regressas a Portugal, acabas por descer de divisão com o Belenenses, mas depois estás na subida à Primeira Liga pelo Estoril em 2012. Como é que se gere este carrossel de emoções, em que tem de se lidar com o insucesso e o êxito?
No mundo do futebol há sempre altos e baixos. Se tiveres uma mentalidade boa e forte e não desistir e acreditares em ti, sabes que se continuares sempre a trabalhar, se estiveres focado, concentrado e acreditares em ti, que é muito importante, sabes que, mais tarde ou mais cedo, vais vingar no futebol. O futebol tem disto, momentos em que estás lá em cima, outros em que estás lá em baixo. É preciso ter essa mentalidade e personalidade e saber dar a volta às situações.

Jogas na Liga Europa pelo Estoril, vais para o SC Braga e em novembro de 2014 estreias-te pela seleção A, num amigável com a Argentina, em Manchester, que Portugal venceu por 1-0. Qual foi a sensação de representares o teu país num palco como este?
É uma sensação inexplicável. Nas camadas jovens representei o meu país e fui campeão europeu de sub-17, inclusive. Uma grande memória, um momento que nunca vou esquecer. Mas ser chamado à Seleção principal, à equipa onde vão todos os jogadores de elite e jogar contra uma grande equipa e um dos maiores jogadores do mundo (Messi) é sempre bom. Se calhar dormi umas quatro ou cinco horas sempre a pensar com aquele nervoso miudinho. Mas depois senti-me bem. Deixei-me levar, as coisas fluíram e correram bem. Foi uma sensação que não vou esquecer tão facilmente.

Em 2015, voltas a emigrar, para França, e depois ainda jogas lá fora em Chipre e na Roménia? Que diferentes realidades encontraste e quais foram as maiores dificuldades?
Gostei muito de estar em França. Embora fosse a Segunda Liga, era um campeonato muito competitivo. Tive a sorte de estarem mais jogadores portugueses, o André Santos e o Candeias. O Balliu, que jogou no Arouca, também. Vivíamos juntos e deu para nos ambientarmos bem. Subimos de divisão nesse ano. A época correu muito bem. Em relação à Roménia foi diferente, o clube não era tão organizado. As condições eram diferentes. Chipre foi dos sítios que mais gostei, ao nível da qualidade de vida. O meu filho já tinha um ano e para estar com a família foi espetacular. O clube tinha excelentes condições. Posso dizer-te que onde mais gostei de estar foi em Chipre.

“TEMOS DE TER MENTE ABERTA, ABRIR HORIZONTES E SABER QUE A VIDA NÃO É SÓ FUTEBOL. TEMOS DE PENSAR DE OUTRA MANEIRA, INVESTIR NOUTRAS COISAS, SAIR DA ZONA DE CONFORTO.”

Quando estavas, provavelmente, a viver o melhor momento da carreira, com a estreia pela Seleção e a jogar no SC Braga, foste emprestado ao Metz. Sentes que não te deram o devido valor em Portugal?
Não gosto de ir por aí. Se calhar tenho de olhar para mim e saber o que fiz de bem e mal. Se calhar errei numa coisa ou noutra. Eu não sou de “a culpa foi deste, por isso é que não cheguei lá”. A culpa foi minha. Eu é que me controlo e às minhas emoções. Não posso dizer que foi por este ou aquele que não consegui chegar onde queria.

Sentes que há cada vez mais a preocupação por parte do jogador no ativo de ter de investir no seu futuro?
Sinceramente não sei, mas acho que deviam ter essa preocupação. Lembro-me que, com 18 anos, os meus treinadores diziam “guardem o dinheiro, não gastem em carros, poupem. A carreira de jogador é curta.” A maior parte da malta ria, mas agora chegando aos 37 anos e deixando a carreira de jogador, é que se dá importância. Todos os jogadores, com a informação que existe hoje, têm ferramentas para investir bem. Antigamente, no primeiro ordenado que recebias, a primeira coisa que fazias era comprar um carro. Com a informação que há hoje, em vez de comprar um carro deviam investir numa casa, por exemplo.

Achas que os jogadores têm todas as condições e os apoios suficientes para prepararem o pós-carreira ainda no ativo?
Julgo que sim. Com a informação e as ferramentas que há, só não investe bem quem não quer.

Como é que resumes a tua carreira de jogador? Arrependes-te de alguma decisão e ficou algo por cumprir?
Não vou dizer que me arrependo. Estou satisfeito com a carreira que fiz. Todas as decisões que tomei foram da minha parte. Se calhar numa coisa ou noutra podia ter pensado ou feito de outra maneira. Mas não me arrependo de nada.

Ainda tens algum sonho e objetivo por cumprir na tua vida?
Se não tiver sonhos, de que adianta viver? Tens de criar objetivos na tua vida para te sentires bem. Na fase inicial depois de deixar de jogar estava meio confuso. Foram muitos anos a jogar futebol. Acordava e pensava “será que sei fazer isto ou aquilo?” Agora olho para as coisas de outra maneira. Temos de ter mente aberta, abrir horizontes e saber que a vida não é só futebol. Temos de pensar de outra maneira, investir noutras coisas, sair da zona de conforto.

Como é que defines o teu negócio?
É um negócio tranquilo, sem stress. Sem muitas dores de cabeça. É uma coisa que eu gosto. Estou a aprender. Sempre gostei de carpintaria. Dou-me muito bem com o rapaz que fez as caravanas. Vou lá ter com ele para aprender. É um negócio tranquilo e que as pessoas desfrutem e aproveitem ao máximo as caravanas.