“Se não tivermos um curso académico, vai ser difícil termos algo para fazer”


Fernando Varela, capitão do Alverca, concluiu o 12.º ano através do Sindicato dos Jogadores.

Foi durante a pandemia da Covid-19, quando jogava na Grécia, que Fernando Varela decidiu concluir o 12.º ano através do Sindicato dos Jogadores.

O capitão do Alverca já tem dois filhos ao mais alto nível no futebol e a mensagem é clara: não deixar os estudos.

Quando é que decidiste concluir o 12.º ano e o que te levou a fazê-lo?
Foi depois da pandemia, quando tivemos a Covid-19. Não sabendo o que ia acontecer depois daquilo, começamos a olhar para o futuro, a procurar soluções e o que encontrei foi voltar a estudar, ter alguma coisa para fazer no pós-carreira. Foi através do Marco Soares e, procurando na Internet, vi que podia acabar através do Sindicato dos Jogadores e assim o fiz.

Como foi conciliar os estudos com o futebol, tendo em conta que na altura jogavas ao mais alto nível?
Foi bastante difícil. Na altura tive de fazer alguns sacrifícios porque aqui eram duas horas mais cedo do que na Grécia e muitas das vezes as aulas eram lá quase à meia-noite. Tinha de dormir tarde, mas são sacrifícios que temos de fazer para melhorarmos em termos pessoais e ter um pós-carreira para desenvolver. Olhando para trás, foi um sacrifício muito positivo, difícil, muitas das vezes ia para o treino com bastante sono, cansado, mas foi muito produtivo e fiquei bastante contente. Também tive a ajuda de pessoas ligadas à escolaridade que me puderam ajudar nesse momento, tornar tudo mais fácil e daí ter concluído o 12.º ano através do Sindicato.

Achas que os clubes facilitam e apoiam a conciliação dos estudos com o futebol profissional?
Acho que ainda não está bem incorporado dentro das instituições do futebol podermos conciliar os estudos com o desporto, devido à performance que temos de ter todos os dias no campo e com o clube que assinámos. Acho que podia ser mais estruturado porque apesar de ser difícil, há tempo para conciliar as duas coisas, se os clubes estiverem mais disponíveis a falar, em prol do jogador, mas também temos de ver o lado desportivo e financeiro dos clubes, que quer ter a melhor classificação. Agora que olho para trás e para a minha carreira que está a acabar, é importante termos algo para nos preocuparmos depois do futebol porque são 15 a 20 anos ao mais alto nível e se não tivermos um pé-de-meia e um curso académico, vai ser difícil termos algo para fazer. É importante os clubes darem esses alicerces aos jogadores.

“Os clubes têm de chegar mais perto das escolas, haver uma maior abordagem entre ambos, estarem mais próximos, porque um jogador consegue treinar de manhã e estudar à tarde ou vice-versa.”

Ainda há muitos jogadores de futebol que abandonam os estudos de forma precoce. Como é que se pode combater isso?
É um dilema. Em casa também estou a viver isso. O meu filho mais velho, o Gustavo, tem 19 anos e teve de deixar os estudos. Conseguiu acabar o 12.º ano e conciliar, com muito esforço dos pais, para não faltar às aulas. O meu filho do meio, o Tomás, treina de vez em quando com os sub-23 do Estoril e às vezes tem de faltar à escola para treinar de manhã. Mas se tiver de optar entre faltar a um treino ou novamente às aulas, a opção é faltar a um treino, porque neste momento a escolaridade é mais importante. Acho que os clubes têm de chegar mais perto das escolas, haver uma maior abordagem entre ambos, estarem mais próximos, porque um jogador consegue treinar de manhã e estudar à tarde ou vice-versa. Havendo essa proximidade entre clubes e escolas, acho que conseguíamos resolver esse problema da melhor maneira porque o jogador ficaria mais informado e estaria mais à vontade durante a carreira, podendo ter algo preparado para quando acabar.

Sendo capitão de equipa e um jogador com estatuto no balneário, tentas influenciar os teus colegas, especialmente os mais jovens, a prosseguir os estudos?
No futebol é difícil falar sobre a escolaridade. Os jogadores não têm essa abertura, mas em casa tenho três filhos, dois a um nível alto no futebol, e tenho muitas conversas com eles de que isto é muito bonito, mas acaba rápido, e se pelo menos não acabarem o 12.º ano, não têm um alicerce quando acabarem a carreira. O meu conselho é acabar a escolaridade obrigatória.

Na tua opinião, qual a razão para os jogadores deixarem cedo os estudos?
Acho que a principal razão é pensarem que não têm tempo para descansar do futebol. Mas depois vão para o sofá, estão nos telemóveis e na PlayStation e esquecem-se do mais importante. A conversa que tenho com os meus filhos é que têm tempo para tudo: jogar futebol, estudarem e jogar PlayStation. O futebol é uma competição de alto rendimento, muitas das vezes o jogador olha só para a vertente desportiva e desleixa os estudos.

És profissional de futebol há 20 anos. Sentes-te realizado com o teu percurso como jogador até aqui?
Acho que já realizei todos os sonhos, um que não estava nada à espera realizei há pouco tempo. Nunca pensei jogar contra o meu filho e esse foi o meu auge de carreira, um momento único, mais do que qualquer troféu individual ou coletivo. Jogar contra uma pessoa em que vi todo o processo de crescimento foi um marco de carreira, que nunca me vou esquecer, e aproveito para agradecer ao Alverca e ao Benfica por terem permitido esse momento. Defrontar o meu filho foi o ideal antes de acabar a carreira.

“Já participei num curso de performance desportiva, concluí com sucesso, e agora estou no curso de agente. Quero ir experimentando várias coisas para depois no fim tomar uma opção daquilo que me tocou mais.”

Tens dois filhos que já são jogadores de futebol, inclusivamente já defrontaste um deles. Foram eles que decidiram ser jogadores ou foste tu que os ‘obrigaste’?
Tudo partiu deles. Nunca fiz pressão para serem jogadores, nunca lhes impingi isso, mas é normal eles verem o pai sair todos os dias cedo de casa para ir treinar e terem esse gosto. Passo-lhes as regras do que é preciso para ser jogador, mas nunca lhes ponho essa responsabilidade. Digo-lhes o que têm de fazer para serem bons profissionais, mas há muita coisa que não depende deles. O importante é que sejam bons seres humanos.

Além do Gustavo, o Tomás também joga futebol, no Estoril, e na mesma posição que a tua, como defesa central. És mais exigente com o Tomás, nos conselhos a dar, por jogar na tua posição?
Falo com os dois da mesma forma. O Tomás tem mais essa experiência por ser da minha posição, porque consigo aconselhá-lo melhor acerca dos posicionamentos. Com o Gustavo falo mais das características que tenho e dos movimentos que os defesas fazem, para ele tomar atenção e tento transmitir-lhe isso. Vemos muitas movimentações de defesas e avançados, mas tudo depende deles. É preciso que estejam disponíveis para ouvir.

Já decidiste o que queres fazer quando deixares de jogar futebol?
Ainda não decidi bem o que quero, mas vou tendo os meus alicerces bem definidos. Será na parte do desporto ou no futebol. Já participei num curso de performance desportiva, concluí com sucesso, e agora estou no curso de agente. Quero ir experimentando várias coisas para depois no fim tomar uma opção daquilo que me tocou mais. Acho que isso é o mais importante. Ter várias opções e aquilo que alimentar mais o meu coração, é a decisão que vou tomar.

Onde te vês daqui a dez anos?
Espero ver os meus três filhos bem de saúde, a fazer aquilo que gostam e que eu esteja lá a apoiá-los, porque isso para mim é o mais importante. Tento que eles sejam grandes homens.