“Sempre tive muito presente que ia voltar a jogar futebol”


Diogo Casimiro, jogador da Oliveirense, venceu um linfoma de Hodgkin quando estava no SC Braga.

Foi em Oliveira de Azeméis que tudo começou. Entre a paixão pelo futebol e o sonho de vencer, Diogo Casimiro mostrou ao mundo o verdadeiro significado de nunca desistir!

Após superar um linfoma de Hodgkin, enquanto representava o SC Braga, Casimiro regressou a casa, à UD Oliveirense, com a força de quem venceu o jogo mais difícil da vida.

Nesta entrevista ao Sindicato dos Jogadores, Diogo abre o livro da sua vida, partilha os desafios que enfrentou e declara o amor pelo clube da terra onde cresceu, Oliveira de Azeméis.

Começaste a jogar futebol aqui, na UD Oliveirense. Ser jogador profissional sempre fez parte dos teus sonhos?
O meu objetivo sempre foi esse, ser jogador profissional. Na altura, como comecei na UD Oliveirense, também tinha aquele bichinho para um dia representar os seniores do meu clube, da minha casa, e sempre passou por isso.

Na formação representaste ainda o FC Porto. Foi importante para o teu crescimento como jogador estar num clube dessa dimensão?
Sim, foi muito importante. Desde o momento em que entrei no FC Porto, foi uma forma totalmente diferente de ver as coisas. Cresci bastante como homem, aprendi valores e isso fez com que agora seja muito daquilo que aprendi quando fui para lá.

Na transição de júnior para sénior, foste do FC Porto para o Freamunde, então no Campeonato de Portugal. Foi um choque muito grande para ti?
Na altura foi um choque muito grande. Costumo contar aos meus colegas, principalmente quando estive no SC Braga, que quando cheguei lá foi uma transição muito complicada, porque saí de um sítio onde tinha tudo e na altura o Freamunde estava numa crise financeira muito grande. Muitas das vezes não tínhamos campo para treinar, nem roupa lavada. Foi um choque de realidade muito grande, mas que me fez crescer ainda mais.

Quando já estavas na equipa B do SC Braga, e depois da pandemia, a 31 de dezembro de 2020 soubeste que tinhas uma doença oncológica. Como é que te foi diagnosticado?
Apareceu-me um papo no pescoço. Lembro-me que treinei numa quinta-feira de manhã, fui para casa à tarde e durante a tarde apareceu-me o papo. No dia seguinte falei com o médico do clube e nem iniciei o treino na sexta-feira. Fui logo fazer exames.

Qual foi a tua primeira reação quando soubeste que tinhas um linfoma de Hodgkin?
Não sei explicar muito bem. Lembro-me que na altura reunimos todos numa sala, diretor desportivo, os místeres, a equipa técnica, o psicólogo e o doutor. Deram-me essa notícia, fiquei um bocado sem reação, mas acho que o momento em que percebi realmente o quão grave era foi quando comecei a realizar os tratamentos no IPO.

O clube, na altura o SC Braga, apoiou-te durante todo este processo?
Sim. No ano em que me aparece o cancro, era o meu último ano de contrato. Nunca foi problema, foi uma das coisas que fizeram questão no dia em que saiu o resultado do exame. O diretor desportivo, o médico e o psicólogo vieram de propósito a minha casa, tranquilizar mais a minha família e acho que foi mais difícil para eles do que para mim. Eu consegui lidar muito bem com essa situação e o SC Braga, nesse aspeto, foi incrível. Nunca me faltou nada em termos de apoio financeiro, estiveram sempre lá para mim.

“Cheguei a ter médicos no IPO que me disseram que devia procurar outra coisa, que o futebol seria quase impossível, mas a única coisa em que pensava era ficar bom para voltar ao SC Braga e relançar a minha carreira.”

Foi importante para ti terem-te renovado o contrato por duas vezes, num período de incerteza quanto ao futuro?
Sim. Acabava por fazer com que me focasse no meu problema de saúde, em concentrar-me em ficar bom, fazer os tratamentos todos direitinhos e depois saber que eles estavam lá à minha espera para me ajudar a relançar a minha carreira.

O suporte familiar foi importante durante os quase dois anos em que estiveste afastado dos relvados?
Sim. Foi bastante difícil para eles. A mim não me custou tanto, às vezes custava-me mais vê-los sofrer, porque sabiam que estava a ser difícil para mim a nível profissional e em termos de saúde, mas sempre levei as coisas com muita positividade e consegui ultrapassar tudo.

Nesses dois anos houve algum momento em que pensasses que podias não voltar a jogar futebol?
Não. Na minha cabeça nunca me passou isso. Sempre tive muito presente que ia voltar a jogar futebol, não sabia se num patamar profissional, depois de tudo o que passei, mas na minha cabeça nunca pensei noutra coisa. Cheguei a ter médicos no IPO que me disseram que devia procurar outra coisa, que o futebol seria quase impossível, mas a única coisa em que pensava era ficar bom para voltar ao SC Braga e relançar a minha carreira.

Tinhas algum plano B caso não pudesses voltar a jogar?
Não. Sinceramente na altura não pensei num plano B. Sou muito de pensar dia a dia, acredito que daqui a uns tempos possa pensar de outra forma, mas na altura só queria regressar ao futebol e voltar a jogar.

Tiveste apoio psicológico durante o processo de recuperação?
Sim. O SC Braga tinha uma excelente equipa de psicólogos e acompanhavam-me sempre. Não estavam comigo todos os dias porque infelizmente não podia estar presente, devido à pandemia, mas sempre que fazia tratamentos e concluía algum ciclo, ligavam-me a perguntar se precisava de alguma coisa, tanto a nível psicológico, como monetário, sempre foram incríveis nisso.

Quando o médico te disse que estavas apto a voltar a competir profissionalmente, o que sentiste?
Foi uma sensação de alívio. Já tinha tido um episódio antes, em que parecia que estava tudo bem e tiraram-me o tapete. Lembro-me de sair do IPO, chegar ao carro e começar a chorar com a minha namorada. Depois sabia que ia entrar com os meus colegas, porque na altura estavam em pré-época, e isso ainda foi mais incrível porque quandocheguei ao estágio eles felicitaram-me e foi uma sensação única.

“Depois do que me aconteceu, acredito que, cumprindo objetivos pessoais, consigo chegar a objetivos ainda maiores, mas não tenho nenhum sonho.”

O regresso aos relvados foi a 26 de novembro de 2022, num jogo entre o Braga B e o Montalegre, em que entraste ao minuto 84. O que sentiste nesse momento?
Esse dia foi doce e amargo ao mesmo tempo, porque não ganhámos, mas a sensação de voltar a jogar foi incrível. Sentir o jogo e a competição, algo que não tinha há muito tempo, foi muito bom.

Hoje o problema está ultrapassado, venceste a batalha e já regressaste à competição há mais de dois anos. Ainda assim, passando pelo que passaste, tendo estado inclusivamente em coma induzido durante quatro dias, a perspetiva sobre a vida e o futebol mudou?
Na vida acredito que tenha mudado, principalmente a minha forma de ser. Antes era mais ternurento e fiquei um pouco mais frio depois de tudo o que passei. Dou importância a coisas que não dava antes, acredito muito no momento, se as coisas acontecem é por alguma razão e isso mudou muito na minha vida. Acredito cada vez mais que coisas boas vão surgir.

No verão de 2023 regressas a casa, à UD Oliveirense, onde começaste a jogar futebol. Essa mudança fez parte de um desejo de voltares para mais perto da família?
Na altura o meu desejo era jogar nas competições profissionais, na Segunda Liga. Foi muito bom e ainda mais especial por ser a UD Oliveirense, a minha casa, onde cresci e comecei a jogar futebol e isso tornou tudo ainda mais especial.

A tua prioridade continua a ser estar junto de casa e dos teus ou estás disposto a outro tipo de voos no futuro?
Sim, tenho pensado nisso. Acredito que possa vir a acontecer, não sei quando, mas é uma coisa que vejo com bons olhos no futuro.

Tendo em conta a imprevisibilidade do futebol e aquilo por que já passaste, tens-te preparado para o final da carreira?
Sim, no meu dia a dia tento fazer as coisas ainda com mais profissionalismo. Tento não falhar nos pequenos pormenores e acho que isso vai trazer-me coisas boas para o futuro.

Ainda há sonhos por cumprir?
Não vou dizer sonhos, mas talvez objetivos. Depois do que me aconteceu, acredito que cumprindo objetivos pessoais, consigo chegar a objetivos ainda maiores, mas não tenho nenhum sonho. Estando preparado dia a dia vão aparecer coisas boas.