"Estou a fazer uma pós-graduação para me desafiar a mim próprio"


Jota Gonçalves, capitão do Vizela, está a frequentar o curso em organização e gestão do futebol profissional.

Aos 24 anos, Jota Gonçalves aceitou o desafio do Sindicato dos Jogadores e está a frequentar uma pós-graduação em organização e gestão do futebol profissional, promovida pela Liga Portugal.

O capitão do Vizela admite que sempre deu prioridade ao futebol, mas a certa altura da sua vida começou a ver o futuro com outros olhos.

Sempre quiseste ser jogador de futebol ou havia outra profissão que gostavas de ter seguido?
Devido ao trabalho dos meus pais, que tinham padarias, cresci nesse meio, mas o futebol sempre foi uma prioridade. Cresci a ver o meu irmão a jogar no Espinho e foi onde dei os primeiros passos.

O negócio dos teus pais pode ser um caminho a seguir quando acabares a carreira?
Sinceramente, não me vejo nisso porque é algo de que não gosto genuinamente. Essa paixão passou para o meu irmão e não me envolvo muito nesse caminho.

Os teus pais preferiam que fosses para a faculdade, que os ajudasses no negócio familiar ou aceitaram bem a ideia de seres jogador de futebol?
Vou dizer uma coisa polémica, porque os meus pais pensam um pouco ao contrário dos outros. Eles sempre quiseram que me focasse mais no futebol do que na escola. Também porque nunca fui muito ligado à escola e há pessoas que gostam, outros que não e eu estava inserido nos que não gostavam. Eles sempre me empurraram para o futebol e deram-me as condições para seguir esse caminho. Graças a Deus, hoje sou jogador profissional e devo-lhes tudo.

Estás a fazer uma pós-graduação em organização e gestão do futebol profissional, através do Sindicato. O que te levou a fazê-lo?
Aceitei o convite do Sindicato dos Jogadores porque achei que seria importante para mim e para contrariar a tendência de ser mau aluno. Estou a fazer uma pós-graduação para me desafiar a mim próprio. No fundo, é uma chapada de luva branca para os meus amigos, que me criticavam por ser indisciplinado na escola.

Ainda só tens 24 anos, mas já estás a preparar o pós-carreira. É importante que isto seja feito numa fase tão precoce da carreira?
Acho que é muito importante, cada vez mais. O futebol é curto e a vida é longa. Nós, jogadores de futebol, acabamos a carreira, em média, aos 35 anos e são poucos os que conseguem ficar sem fazer nada ou gerir os negócios que têm. Acho que é sempre importante porque não sabemos o dia de amanhã. Já passei por uma lesão grave, fez-me abrir os olhos para esse tipo de coisas e acrescentar bagagem nunca é demais. Aconselho qualquer jogador, se tiver essas oportunidades, a segui-las.  

“Antes olhava só para o campo e agora percebo que há uma envolvência muito grande antes de um jogo de futebol.”

Em 2021, quando estavas no Tondela, tiveste uma rotura total do ligamento cruzado anterior. Foi aí que temeste pelo teu futuro como jogador e começaste a preparar um plano B?
Na altura estava a viver um momento bom e foi muito difícil. Só queria voltar o mais rápido possível e recuperar o melhor possível. Tive uma grande ajuda do clube, dos fisioterapeutas e dos médicos, que não me abandonaram, lutaram comigo e foram uma ajuda e um apoio essencial. Na altura nunca pensei em fazer algo fora do futebol e só pensava em recuperar o melhor possível. A lesão no joelho é muito complicada e há um estudo que diz que mais de metade dos jogadores não conseguem voltar no nível em que estavam antes da lesão e para mim era uma coisa que me assustava. Graças a Deus, hoje sinto-me bem e sempre que tenho um colega, alguém que conheço, com esse tipo de lesões, tento entrar em contacto, para dar alguns conselhos. Levo a minha vida em ajudar o próximo e não tenho problemas com isso. Passo o meu feedback e acho que ajuda sempre.

Achas que hoje há uma maior consciencialização dos jogadores para a importância de terem um plano B?
Acho que, cada vez mais, os jogadores olham para isso como uma parte importante na sua vida. Os jogadores são muito egoístas e se calhar sentem que isso não é importante. A verdade é que olho para as coisas de outra forma. Quanto mais cedo começar, melhor e bagagem a mais nunca é demais. É a minha maneira de levar a vida e acho que isso é importante. Quanto mais cedo preparar o fim da carreira, melhor.

Sentes que tomaste a opção certa ao fazer esta pós-graduação? O que tens aprendido?
Só o facto de conviver com outras pessoas e aprender com os meus colegas de curso, que são de outras áreas e se veem no futuro a trabalhar no futebol, é muito bom. Tem sido uma boa experiência e tenho aprendido muito. Agora olho para as coisas de outra forma. Antes olhava só para o campo e agora percebo que há uma envolvência muito grande antes de um jogo de futebol. Cada vez mais me vejo a seguir no mundo do futebol, mas noutras funções.

Além desta pós-graduação que estás a fazer, tens mais algum grau académico ou tencionas fazer mais alguma formação?
Sinceramente, não sei. A oportunidade desta pós-graduação apareceu e se as coisas aparecem na nossa vida por alguma razão é, e valorizo sempre isso. Consigo retirar alguma coisa das oportunidades que aparecem na vida e se me apareceu esta oportunidade, quis aproveitá-la.

Que conselhos deixas aos jovens jogadores que abandonam cedo os estudos?
É uma pergunta complicada porque acabei o 12.º ano e, não tenho problemas em dizê-lo, graças aos meus pais, porque senão não tinha acabado o secundário. Acabei o 12.º ano num externato no Porto, mas se calhar o Jota de agora diria a esses jovens que é realmente importante conciliar o futebol com os estudos. O futebol retira duas a três horas por dia e mesmo que queira fazer um trabalho adicional de tarde, como faço, consegue-se sempre conciliar.

“Sou um jogador dedicado e acho que os treinadores olham para mim como um exemplo.”

É possível conciliar o futebol profissional, de alta competição, com outra atividade em simultâneo?
Acho que sim. No futebol temos a melhor profissão do mundo. Há muita pressão, mas é o que amamos fazer e de certeza que todos os jogadores amam o futebol. É uma profissão que não retira tanto tempo do nosso dia e conseguimos conciliar facilmente com outras coisas.

Sentes que a maioria dos jogadores ainda dá prioridade ao futebol em detrimento da sua formação académica?
Depende muito de cada jogador. Mas acho que, cada vez mais, os pais dos miúdos insistem para seguirem no futebol porque há cada vez mais dinheiro e muitas das vezes é por isso e não pelo amor ao desporto.

Aos 24 anos já és capitão de equipa e também já tinhas sido no Tondela. Que características tens para te entregarem essa responsabilidade numa idade tão jovem?
Acho que sou uma pessoa profissional. O Jota antigo não era assim. Era mais irreverente, estava sempre na brincadeira e com o passar do tempo fui vendo as coisas de outra forma e mudei certas atitudes. Hoje não deixo a parte de ser brincalhão e gosto disso, porque é o que levamos do futebol, mas quando é para trabalhar é para trabalhar e levo a minha vida no futebol dessa forma. Sou um jogador dedicado e acho que os treinadores olham para mim como um exemplo. Além disso, olham para os defesas centrais como patrões e capitães. Sinto que consigo ajudar e que as pessoas olham para mim como um exemplo a seguir.

Que objetivos tens para cumprir até ao final da carreira?
O meu maior sonho é representar a Seleção porque é o nosso país. Gostava de jogar a Champions, participar em competições europeias, jogar nas big-5, mas sei que nem toda a gente chega lá. Há que ajustar expetativas e ter noção da realidade. Se não chegar, não fico triste porque quero dar o melhor de mim. Se chegar, objetivo cumprido e sigam mais objetivos.

Quando terminares a carreira de jogador queres continuar ligado ao futebol ou trabalhar numa área completamente diferente?
Ainda não pensei muito nisso. Estou a tentar acrescentar mais bagagem e no futuro vê-se. Gostava de abrir negócios e quando acabar vou ter o bichinho do futebol e, quem sabe, poderei continuar como team manager. Vamos ver, mas nunca se sabe.

Onde te vês daqui a 15 anos?
Vejo-me em Espinho, com os meus amigos, espero que se mantenham com a minha família e, acima de tudo, a ser feliz.