“O Casa Pia foi o clube que me deu a mão no momento que precisava”


Rafael Brito agarrou a titularidade na Primeira Liga depois de um momento difícil.

Foi no Casa Pia que Rafael Brito encontrou a estabilidade que precisava para a sua carreira.

Aos 23 anos, o jovem médio português recorda a estreia pelos gansos em janeiro de 2024, fala da sobrecarga competitiva entre as equipas de topo e revisita o passado, projetando o futuro.

Nasceste em Almada e fizeste a formação no Benfica. Como é que surgiu essa oportunidade?
Comecei a jogar muito pequenino no Beira-Mar de Almada, nas escolinhas. Tive um torneio na Trafaria e acabaram por me chamar para ir fazer testes ao Benfica. Entretanto fiquei e fiz a formação lá, desde os oito anos.

Sempre foste médio defensivo ou nos primeiros anos de Benfica jogavas noutra posição?
Desempenhei algumas posições ao longo da minha formação e acho que me ajudou até aos dias de hoje. Comecei como defesa, no futebol de sete, e ainda acabei como ala. Depois na transição para o futebol de 11 joguei como lateral direito, às vezes lateral esquerdo e no primeiro ano mais a sério de futebol de 11 passo para médio centro. É a posição em que me sinto melhor.

Alguma vez pensaste em desistir do futebol, no teu percurso formativo ou mesmo como sénior?
Não. Isso nunca me passou pela cabeça. Mais recentemente, os últimos dois anos, com as lesões, foram momentos mais complicados, mas isso nunca me passou pela cabeça porque sempre fui uma pessoa muito dada ao trabalho, com prazer no que faço e, como se diz, quem corre por gosto não cansa.

Como é que surgiu a oportunidade de vires para o Casa Pia?
O Casa Pia tem sido muito importante na minha trajetória porque surgiu depois de um momento em que fui emprestado ao Marítimo e foi um empréstimo que não correu tão bem. Uma época que não foi muito boa individualmente, devido às lesões, e coletivamente também não, porque acabámos por descer de divisão e estava numa altura em que sabia que a equipa A do Benfica não era o passo certo, porque não tive uma boa época e já tinha estado três anos na equipa B. Achava que o meu futuro não passava por ali. O Casa Pia apareceu e foi o melhor de dois mundos, para mim e para o clube.

Como foi estreares-te na Primeira Liga? Lembras-te do jogo, do dia e de mais algum pormenor em particular?
A estreia na Primeira Liga foi algo especial, contra o Santa Clara, nos Açores. Foi na quinta jornada, porque comecei o campeonato com uma pequena lesão. Foi um dia especial e há jogos que não esquecemos. A estreia na Segunda Liga, na Primeira Liga e no Casa Pia e esse é um jogo que vai ficar para sempre.

“O dia a dia é que importa e não olhar para daqui a uma semana ou um mês. É nisso que me revejo. Todos os dias trabalhar, treinar e dar o meu máximo para estar cada vez melhor ao fim de semana.”

E há algum jogo que te marque particularmente?
A estreia pelo Casa Pia, por tudo o que englobou e ter estado muito tempo de fora. O Casa Pia foi o clube que me deu a mão no momento que precisava. Fiz duas assistências para golo nesse jogo, a equipa estava num momento complicado e consegui ajudar e provar a mim mesmo que conseguia jogar, sendo que já não jogava há bastante tempo.

Aos 23 anos, estás a jogar na Primeira Liga, no Casa Pia, e a atravessar um bom momento individual e coletivo. Esperavas estar neste patamar nesta fase inicial da tua carreira?
Não é muito por aí. Não tenho traçado essas questões individuais de estar em etapa a etapa. Olho para o dia a dia, tento fazer o meu trabalho, sei que tive estes momentos complicados e isso também me fez crescer, olhar para o dia a dia de forma diferente e não traçar metas. Quando estás lesionado, o dia a dia é que importa e não olhar para daqui a uma semana ou um mês. É nisso que me revejo. Todos os dias trabalhar, treinar e dar o meu melhor para estar cada vez melhor ao fim de semana. Sinto que não estou no meu máximo, estou a ganhar consistência, tudo aquilo que o jogador precisa para ter o melhor desempenho. Apesar de estar bem, consigo estar melhor.

O que é que dirias aos jovens que fazem a formação nos principais clubes e acabam por não ter oportunidade na Primeira Liga, indo para clubes da Liga 3 ou do Campeonato de Portugal?
Acho que também passei por isso, mesmo não indo para divisões inferiores. Mas quem sai do Benfica tem de entender que nem todos vão lá chegar da mesma forma. Às vezes é preciso fazer um caminho diferente e não deixa de ser bonito. O jogador ganha uma certa resiliência e passa por outros obstáculos que não encontraria no Benfica. O caminho é traçado por nós próprios e é possível chegar lá de outra forma.

Num jogo de futebol só uma equipa pode ganhar. Como é que se lida psicologicamente com a derrota?
São dois sentimentos completamente distintos, mas há o sentimento de dever cumprido. É importante as pessoas perceberem isso porque às vezes podemos dar tudo e não chegar para ganhar, porque a outra equipa foi melhor, devido a incidências do jogo, o que é normal no futebol. Só uma equipa pode sair com a vitória, que é o culminar do trabalho e felicidade geral da equipa. A derrota é o momento de reagrupar, pensar no que foi feito de mal e às vezes também foram coisas muito bem feitas e mesmo assim pode-se perder, mas é saber lidar, principalmente porque o futebol dá-nos a possibilidade de no jogo seguinte dar uma resposta positiva em relação à derrota.  

O que é que um jogador deve fazer e como é que deve pensar, quando está impossibilitado de dar o contributo à equipa, por qualquer motivo, seja lesão, doença grave ou situação de desemprego?
O jogador, quando entra num calvário de lesões, tem de fazer uma autoanálise, ver o que pode melhorar e tentar saber mais sobre o seu corpo, alimentação e descanso. Comecei-me a conhecer melhor, a ver o que podia e não podia fazer. Quando acontece uma vez toda a gente sabe que é mais fácil voltar a acontecer e é diminuir esse risco de lesão.

“Temos visto nos clubes de competições europeias que tem havido muitas lesões. Tem de haver um meio termo, nem muito nem pouco, porque acho que a nossa saúde está em primeiro lugar e é o mais importante.”

As lesões são o maior inimigo de um jogador de futebol. Nos últimos tempos tem-se debatido o excesso do número de jogos, sobretudo entre as equipas que estão nas competições europeias. Também consideras que há jogos a mais, a nível internacional?
Falo um pouco contra mim, porque também é o meu sonho estar nesses contextos de jogar de três em três dias, seja competições europeias, seja Taça de Portugal ou Taça da Liga e depois, logo a seguir, o campeonato, mas também acho que tem sido um exagero e temos visto nos clubes de competições europeias que tem havido muitas lesões. Tem de haver um meio termo, nem muito nem pouco, porque acho que a nossa saúde está em primeiro lugar e é o mais importante. Os jogadores também têm de ter um autoconhecimento do seu esforço, perceber até onde podem ir e o que podem dar, porque muitas vezes nós, jogadores, não queremos perder um jogo e às vezes por não perder um jogo podemos deitar uma época a perder, estar três meses de fora e é muito por aí.

Com as redes sociais, surgem vários insultos e ataques aos jogadores quando cometem erros e até quando têm um ótimo desempenho, acabando por ser atacados pelos adeptos da equipa adversária. Costumas ler esses comentários e achas que podia ser feito algo para evitar isso?
É não olhar, nem o bom nem o mau. Quando era mais novo olhava e ficava fascinado com os elogios, mas é futebol e um dia estás bem, podes ser considerado o melhor e um dia estás mal e podes ser considerado o pior. Acho que nós, enquanto profissionais, temos de saber gerir as nossas próprias emoções e o melhor é não ver e não ligar.

Além da componente física, técnica e tática, hoje a componente mental tem uma grande influência no desempenho dos jogadores. Sentes que os jogadores ainda têm vergonha de recorrer a um psicólogo ou isso já não acontece?
Sim, acho que esse é um assunto ainda um bocado discutível. Há muitos jogadores que, pela personalidade, não têm vontade de falar. Eu não sou muito de falar, mas se calhar chega a um ponto em que, por tudo o que passei, tive de ir buscar ajuda, tive de me abrir, tive de puxar a cassete atrás e fez-me bem.

Apesar de só teres 23 anos, já pensas no que vais fazer quando deixares de jogar?
Algo relacionado com o futebol. Talvez treinador. Gosto muito do jogo em si. Eu e o Nuno [Moreira] estamos sempre a discutir o que é um jogo e já falámos que um dia um de nós vai ser adjunto do outro e acho que o futuro vai passar pelo futebol, que é o amor de sempre.

Qual é o teu maior sonho no futebol?
O meu maior sonho no futebol é deixar a minha família orgulhosa, sabendo de todo o esforço que eles colocaram para eu estar onde estou, para que nunca me faltasse nada. Estar em campo para fazer o que mais amo é um motivo de orgulho para eles e é muito por aí, o resto é consequência.