"Há cada vez mais pessoas a aceitarem que as mulheres joguem futebol"

Aos 34 anos, a internacional portuguesa Raquel Infante regressou à competição pelo Rio Ave.
Começou a jogar aos 10 anos, quando existia um certo preconceito em relação à prática do futebol por parte das mulheres.
Os comentários negativos que ouviu não a fizeram desistir e, aos 34, Raquel Infante quer continuar a ser um exemplo para todas as jogadoras, inspirando as colegas do Rio Ave a lutar pelos seus sonhos no mundo do futebol.
Com que idade começaste a jogar futebol e o que te levou a fazê-lo?
Comecei a jogar futebol com dez anos. Nessa altura não podia competir, mas foi quando entrei para o Futebol Benfica. O que me levou a fazê-lo foi o facto de os meus primos e o meu irmão também jogarem. O meu irmão foi fazer testes ao Fofó, eu fui com ele e fiquei.
Ouviste alguns comentários negativos por seres mulher e jogares futebol?
Sim. Na altura ouvia-se muito ‘Maria rapaz’, mais por aí. Era algo que não ligava, mas ouvi muitas vezes. Sobretudo no início da carreira, mas foi diminuindo e as pessoas começaram a aceitar. Hoje, há cada vez mais pessoas a aceitarem que as mulheres joguem futebol.
Achas que ainda existe o preconceito da sociedade de as mulheres jogarem futebol ou isso já começa a desaparecer?
Acredito que já começa a desaparecer.
Sempre foste defesa central ou já jogaste noutra posição?
Comecei a ponta de lança, depois a qualidade foi baixando e só me faltou ir para guarda-redes [risos]. Depois de ponta de lança, fui para trinco e quando fui a primeira vez à Seleção comecei a central e já não saí dali.
Já jogaste em Espanha, Itália, Finlândia e França. Tiveste alguma dificuldade na adaptação a estas realidades?
Tive, várias. Uma delas a nível de língua, porque os idiomas são totalmente diferentes. Não tanto o espanhol, mas quando fui para a Finlândia, o meu inglês era horrível. Não conseguia perceber nada, tanto que falava com o treinador pelo google tradutor. Para comunicar, e a nível físico, foi difícil. Nos testes físicos era sempre a pior. Só no meio da época é que comecei a ser uma das melhores nos testes físicos.
“As lesões tiveram um impacto negativo na minha carreira, a nível desportivo, porque é sempre difícil, mas como pessoa fez-me ser melhor e acreditar mais em mim.”
As lesões fazem parte da carreira dos futebolistas. Como é que é lidar com o processo de recuperação ao longo do percurso como jogadora?
Já tive algumas lesões. Duas no joelho e uma hérnia nas costas. Não é fácil, acho que a mais difícil foi a primeira, uma ligamentoplastia no joelho, porque não fazia a mínima ideia do que era e não sabia se era possível recuperar e voltar a jogar como antes da lesão. Nas outras duas, como tinha conseguido voltar bem a primeira vez, estava mais motivada e aproveitei para treinar outras coisas que não treinava tanto. As lesões tiveram um impacto negativo na minha carreira, a nível desportivo, porque é sempre difícil, mas como pessoa fez-me ser melhor e acreditar mais em mim. Hoje valorizo mais as coisas e aprendi a ser mesmo profissional. Perdi nalgumas coisas, mas ganhei noutras.
Alguma vez pensaste em desistir do futebol devido às limitações físicas?
Não. Quando estava no estrangeiro pensava em voltar para Portugal, mas desistir do futebol nunca.
Nos primeiros anos da tua carreira, o futebol feminino ainda não tinha equipas profissionais em Portugal. Conciliavas o futebol com outra atividade?
Sim, sempre. Estudava. Aos 19 anos fui para o estrangeiro, mas fui para a faculdade e licenciei-me em marketing. Consegui acabar o meu curso quando estava em Badajoz, a jogar no Olivença, porque a faculdade era em Setúbal e relativamente perto. Consegui fazer os exames e acabar a licenciatura com 22 anos.
Teres feito parte da Seleção Nacional que marcou presença pela primeira vez num Europeu é algo que te deixa com que sentimento?
Orgulho. É difícil explicar o que senti e sinto ainda hoje a vê-las, mesmo não fazendo parte do grupo atualmente. Aquele Europeu [2017] foi um momento único e essa conquista começou a abrir outras portas em Portugal. O futebol feminino começou a ser visto de outra forma. Só isso é um sentimento de orgulho enorme.
Consegues dizer qual foi o melhor momento da tua carreira até agora?
A ida ao Europeu e ter estado na fase final, mesmo que não tenha jogado um minuto.
“Adorava ficar ligada ao futebol noutras funções, mas ainda não sei dizer quais. Tenho licenciatura em marketing, mas gostava de poder ajudar uma estrutura a desenvolver um projeto.”
O Sindicato apresentou no início de 2023 uma proposta de acordo coletivo de trabalho para o futebol feminino. Entre outras questões, prevê a proteção das jogadoras em temas como a maternidade e o salário mínimo. Como é que vês esta luta do Sindicato pela garantia de condições de trabalho para as jogadoras?
É uma luta que só tenho de agradecer, porque é muito importante para nós. Essa luta, como outras que estão a tentar para o futebol feminino e a atleta, é de continuar e agradecer o trabalho que têm feito. Com a vossa ajuda ainda podemos conseguir ter mais possibilidades, a nível de atletas, e é importante ajudarem-nos nesse sentido.
Que objetivos ainda tens até ao final da tua carreira?
Continuar a aprender. O que me faz entrar todos os dias para dentro de campo é a alegria de treinar, porque acho que nunca vou perder isso e continuar a aprender com as pessoas que encontro em cada clube, desde miúdas com 17 anos até às jogadoras mais experientes. Por outro lado, ensinar o que sei e tentar fazer com que todas as jogadoras, um dia mais tarde, digam que aprenderam com a Raquel, que as fiz crescer porque acho que ainda falta um pouco de profissionalismo. Tive a experiência de estar em vários países e gosto de transmitir o que passei. Além disso, quero ajudar o Rio Ave a cumprir os objetivos.
Quem são as pessoas mais importantes para ti no futebol?
Isso é muito difícil de responder. Tive e tenho muitas pessoas importantes e não quero ser injusta ao dizer alguns nomes. Para mim, uma das pessoas mais importantes no futebol foi o treinador que tive no Ponte Frielas, o senhor Rui, porque na altura as juniores do Futebol Benfica terminaram, eu tinha 13 anos, fiquei sem clube para jogar, e ele disponibilizou-se para me transportar todos os dias e treinar em Frielas. Vivia na Damaia e treinávamos em Loures. Jogava nas juniores e seniores e deu-me uma bagagem muito importante, a nível de futebol. Já para não falar dos meus pais, que me ajudaram imenso, todos os treinadores que tenho apanhado, muitos deles no estrangeiro, ajudaram-me muito a crescer, e as jogadoras, com que tenho vindo a trabalhar. Mas é difícil dizer uma ou duas pessoas, a não ser a minha família. Se o senhor Rui não me tivesse ajudado, acho que não ia continuar no futebol e provavelmente teria acabado no futsal da Damaia. Foi ele que me deu o impulso para continuar.
Quando terminares a carreira de jogadora, pretendes continuar ligada ao futebol noutras funções?
Sim, adorava ficar ligada ao futebol noutras funções, mas ainda não sei dizer quais. Tenho licenciatura em marketing, mas gostava de poder ajudar uma estrutura a desenvolver um projeto, porque no futebol feminino, em Portugal, há muita coisa que pode ser melhorada. Pela minha experiência, gostava de poder ajudar nesse sentido e levar para uma estrutura tudo o que aprendi, não só em Portugal, mas principalmente no estrangeiro. A nível de condições, já eram melhores que muitos clubes da Liga BPI, que ainda não têm essas estruturas. É algo que me motiva, poder ajudar nesse sentido.
Como é que queres ser recordada no futebol?
Como uma pessoa feliz e que gosta de ajudar os outros, isso chega-me. Sei que dentro de campo não deixo desligar, porque quero o melhor de todas, mas gostava de ficar lembrada como uma pessoa alegre, bem-disposta e sorridente.