"Para ser um verdadeiro capitão, temos de ser um exemplo"

Rúben Fernandes é o dono da braçadeira do Gil Vicente e o jogador da Liga com mais jogos.
Acabou de superar a marca dos 200 jogos pelo Gil Vicente e tem mais de 300 no principal escalão do futebol português.
Aos 38 anos, Rúben Fernandes quer continuar a ser um exemplo para os seus colegas, mas já tem o pós-carreira preparado.
Quando é que foste designado pela primeira vez como capitão de equipa?
A primeira vez foi em Portimão. Ainda era jovem, face às equipas que o Portimonense tinha, não havia muitos jogadores antigos e eu era o mais velho no clube. Fui designado capitão e foi muito bom para mim.
No caso do Gil Vicente, foste escolhido como capitão pelos jogadores ou pelo treinador?
No Gil Vicente foi de duas formas. O mister Vítor Oliveira, quando me contratou, disse-me que em princípio seria o capitão, mas que seria sempre uma nomeação de todos os jogadores. Como era o jogador mais velho e mais antigo, todos me elegeram como capitão.
Quais são as características que um capitão deve ter?
Para ser um verdadeiro capitão, temos de ser um exemplo. Os jogadores têm de me ver como um exemplo no campo e no dia-a-dia. Acho que, essencialmente, é isso. Verem-me como um exemplo, fazerem o que eu faço e seguirem as minhas pisadas.
Que valores transmites a quem chega ao clube?
Quando os jogadores vêm para cá jogar, transmito sempre o que o clube quer, a importância que o clube tem na cidade e essencialmente apresentar-lhes tudo, recebê-los da melhor maneira e é isso que lhes tento transmitir.
Há algum capitão em que te inspires?
Sempre vi a liderança do John Terry e, a partir daí, comecei a seguir melhor a carreira dele e os passos que ele teve.
Alguma vez precisaste de chamar um colega à atenção, enquanto capitão de equipa?
Sim, é normal que isso aconteça de época para época, porque todos os anos chegam novos jogadores, com novas mentalidades e nunca é fácil estar sempre bem durante toda a temporada. É normal que às vezes tenha de retificar certas situações, mas sempre num registo tranquilo, para que o jogador veja que não esteve bem ou que pode melhorar. É normal retificar um ou outro comportamento, mas é muito raro isso acontecer.
“É um grande orgulho poder ser o jogador com mais jogos na Liga atualmente. Vou continuar a trabalhar, nunca passei por cima de ninguém e é isso que vou continuar a fazer.”
Tens ideia de quantos galhardetes já recebeste enquanto capitão de equipa?
Já troquei alguns, não faço ideia quantos, mas já são muitos. São muitos jogos, não tenho essa referência, mas são alguns.
Esta época entrou em vigor a regra do capitão, que é o único jogador que pode trocar impressões com o árbitro durante o jogo. És a favor desta medida?
Acho que implementaram isto bem porque imagino que não seja fácil para o árbitro ter todos os jogadores a reclamar em cima dele. É bom para o futebol ser só o capitão a falar, tentar manter a calma, o que às vezes nem sempre é possível, porque dentro de campo as coisas não são tão fáceis assim, mas acho que é melhor para o árbitro não ter tanta pressão.
O teu pai também foi jogador. Foi ele quem te inspirou a seguir as mesmas pisadas?
Sim, foi principalmente ele. Quando era jovem ia sempre aos jogos dele e a partir daí comecei a criar esse bichinho. O meu tio também foi jogador e vem de família.
Na fase inicial da tua carreira como jogador foste emprestado ao Varzim. Achas que a existência das equipas B favorece o crescimento dos jogadores, em detrimento do empréstimo a outros clubes?
Acho que das duas maneiras favorece. É bom ter uma equipa B ou ser emprestado quando és jovem, porque se calhar não tens tanto espaço na equipa principal onde fizeste a formação. Consegue-se jogar mais nas equipas emprestadas ou B e isso é muito bom para o jogador evoluir.
Jogaste na Bélgica durante duas épocas. Tiveste alguma dificuldade na adaptação a um novo país?
Sempre pensei em jogar fora. Acho que todos os jogadores deviam fazer pelo menos uma época lá fora, para perceberem as diferenças para o nosso país. Na Bélgica faz muito frio, o clima é muito diferente da minha cidade natal, Portimão, e a partir do momento em que fui jogar para fora adaptei-me bem, porque também tinha a minha família comigo, mas em termos de países é muito diferente. A partir daí comecei a dar muito mais valor a Portugal.
De todos os jogadores a competir atualmente na Primeira Liga, entre as 18 equipas, és aquele que tem mais jogos na competição. O que sentes ao seres o detentor deste recorde?
É um orgulho enorme para mim. Nunca pensei chegar a esta meta, mas para mim é um grande orgulho poder ser o jogador com mais jogos na Liga atualmente. Vou continuar a trabalhar, nunca passei por cima de ninguém, sempre foi com o meu trabalho e a minha dedicação e é isso que vou continuar a fazer.
“Já tirei o curso de treinador e de team manager. Estou a preparar-me para o que aí vem, porque não sabemos o dia de amanhã e temos de continuar.”
O Sindicato tem insistido na importância de os jogadores continuarem os estudos. Tens alguma formação superior?
Acabei o 12.º ano e é muito importante para os jogadores, atualmente, fazerem face ao fim da carreira no futebol. Há jogadores que não conseguem ganhar tanto dinheiro no futebol, têm de ir à luta e fazer outro trabalho. Eu já tirei o curso de treinador e de team manager. Estou a preparar-me para o que aí vem, porque não sabemos o dia de amanhã e temos de continuar.
Desde 2009, tens feito sempre mais de 20 jogos por época, o que significa que, felizmente, tens conseguido escapar às lesões graves. Qual é o segredo para manter esta regularidade e continuar num nível alto aos 38 anos?
Todos os anos tenho a felicidade de fazer praticamente todos os jogos do campeonato, graças ao facto de não ter lesões. As lesões fatigam o jogador e não permitem que se faça uma época completa. Graças a Deus nunca tive lesões graves e atualmente dou muito mais importância à alimentação e ao descanso do que quando era mais novo. Isso tem uma importância muito grande no futebol.
Além das lesões, outro flagelo que afeta os jogadores é o desemprego. Como é que um jogador deve pensar e o que deve fazer perante uma situação destas?
Essa situação nunca é fácil. Estar desempregado ou não jogar por uma lesão nunca é fácil. Se o jogador não for muito forte mentalmente, vai-se abaixo rapidamente. A base familiar e a estrutura onde cresceste conseguem orientar-te nessa situação, mas há momentos que não esperamos e é tentar lutar, ter a cabeça limpa e a consciência tranquila.
A carreira de um jogador é feita de momentos altos e baixos. Psicologicamente, como é que um jogador lida com a adversidade?
Atualmente os clubes estão mais bem estruturados para essa situação. Já têm psicólogos para falar com os jogadores e não sentirem tanta pressão. Graças a Deus, quando não estou tão bem, tenho a minha família dentro do clube, que me consegue ajudar a pensar de outra maneira e tenho tido força para as coisas continuarem.
Tem havido um aumento do número de lesões entre os jogadores que, no caso dos que participam em mais competições, se têm queixado do excesso de jogos. Também sentes que há jogos e competições a mais?
Na nossa competição não tanto, porque temos só o campeonato e a Taça de Portugal. Mas as equipas que estão nas competições europeias deviam ter mais cuidado, porque o físico merece descanso e para se praticar bom futebol temos de descansar e o acumular de jogos influencia muito o aparecimento de certas lesões.
O Sindicato também tem defendido que o jogador deve estar próximo da comunidade. Já participaste em alguma ação social ou solidária?
Sim, o clube tem esse cuidado todos os anos. Vamos às escolas, a associações de sem-abrigo, visitar pessoas com dificuldades e o clube tem sido espetacular nesse aspeto. Isso é muito importante para eles ganharem um pouco de ânimo na vida deles. Quando tenho algo para dar, vou às instituições e ajudo.
Já estás a preparar o pós-carreira?
Por enquanto ainda me sinto bem para jogar, mas ao longo destes anos já me tenho vindo a mentalizar que isto está a acabar e é algo que já preocupa um pouco a minha cabeça. Já tenho o nível 2 do curso de treinador e na época passada fiz o curso de team manager. Tenciono ficar ligado ao futebol porque a minha vida sempre foi esta e vai continuar a ser.
Fotos: IMAGO.