“Os jogadores são a razão da minha existência”


FILIPE MOREIRA, treinador do Académico de Viseu (II Liga) enaltece os valores humanos e técnicos dos futebolistas e considera a estabilidade um ingrediente fundamental para atingir o sucesso.

Na I e II ligas são raros os treinadores estrangeiros. Como vê esta cada vez maior aposta no treinador português?

Com muita satisfação e fundamentalmente porque é o reconhecimento do potencial existente no técnico português. Ao longo destes últimos anos, felizmente para a classe dos treinadores, têm existido, através de ações, no estrangeiro ou em Portugal, de técnicos que marcam a diferença e conseguem demonstrar, pelo seu inegável valor, que existe um conjunto de valências que deve existir a continuidade na aposta deste processo de o treinador português ter mais oportunidades no mercado em que está inserido. Felizmente as coisas têm resultado, há treinadores que têm vindo de escalões mais baixos e que têm atingido posições de relevo. Isso é muito bom porque o dirigente pensa que aqui existem recursos humanos de qualidade, também pelo maior conhecimento do próprio atleta português. Sinto-me realizado e feliz com esta aposta.

Tendo em conta a sua experiência, a relação treinador/jogador tem vindo a alterar-se nos últimos anos?
Tenho uma grande vantagem nesse aspeto: pelo facto de já treinar há 28 anos, posso dizer que sem os jogadores não seria nada, sem os jogadores a minha vida não tinha sentido. Porque, ao longo dos anos, tenho lidado com tanta gente boa, com jogadores que têm valores humanos, além dos técnicos e táticos, que só isso é um regozijo para mim poder dizer que faço parte do futebol. São eles que fazem a magia, são eles que fazem a diferença, são eles que alimentam na criança o sonho de que um dia possam fazer o mesmo. Hoje o jogador está mais evoluído nesse aspeto, tem outro tipo de percurso, compreendendo cada vez mais com o líder de todo o processo que as coisas hoje possuem conceitos de uma relação humana mais direta, mais verdadeira, mais funcional, mais presente e mais ativa. Todos devemos perceber que temos de manter o mesmo caminho. Cada vez mais, enquanto treinador, identifico-me com a evolução desta relação entre treinador e jogador.

Acha que os dirigentes estão mais pacientes com os treinadores e não recorrem tanto à “chicotada psicológica” ou é daquelas “coisas” que não há volta a dar?
Acho que temos um problema de cultura. A cultura desportiva é uma das razões de muitos dos problemas do nosso futebol. É sempre importante os treinadores e os jogadores sentirem que a estabilidade faz parte deste processo. É fundamental que o tempo possa consolidar todos os planeamentos, porque até podemos estar a trabalhar mal mas sentir esta salvaguarda pode fazer com que o barómetro da diferença possa ser prolongado, dando mais hipóteses de sobreviver neste quadro daquilo que é o futebol português. O tempo, felizmente, hoje, faz com que as coisas vão melhorando. Se na II Liga só desce uma equipa, este ano, isto poderá permitir que haja uma maior estabilidade, pelo menos de quem dirige. Mas por muito que nos custe aceitar, há vezes em que tem de acontecer e nós temos de compreender. Ainda assim, a grande questão é esta: serão os treinadores os grandes culpados quando as coisas correm mal? Muitas vezes, os próprios atletas, que são a razão da minha existência e da minha alegria, podem ter um erro individual e a segurança que tínhamos outrora pode deixar de existir. 

Tem alguma referência como treinador?
Tive treinadores que me aguçaram o apetite num determinado período e que fizeram com que eu me tornasse diferente. Um deles foi o Arrigo Sacchi, porque sempre gostei de versões táticas. O futebol italiano pode não ser muito agradável de se ver e não ter o grande espetáculo de que o adepto gosta, mas aprendi muito nesse processo de treino do AC Milan, nessa altura. Mais tarde, no Benfica, num
período em que alguém chegou a Portugal vindo do frio, Sven-Goran Eriksson, pela sua conduta, personalidade, inovações e mensagens que passava ao atleta. Identifiquei-me muito com a cultura desportiva que esse senhor ofereceu ao futebol. Finalmente, no Barcelona, o senhor Johan Cruyff produziu futebol espetáculo e fez com que eu me tornasse ainda mais adepto do futebol ofensivo e percebesse que o futebol é lindo quando se joga no último terço. 

A nova época ainda está no início, qual é a sua expectativa para a temporada?
Vai ser uma época muito difícil. Sei que é um ano diferente, é um ano zero, em que este clube tem de cimentar a estabilidade de forma a que o tempo consolide este grupo, estes treinadores e estes dirigentes. Os primeiros passos são sempre mais complicados mas o tempo vai ajudar a consolidar este grande clube que é o Académico de Viseu. Terá de haver muita calma e muita paciência porque construir uma equipa é muito difícil mas quando se consegue é ótimo perceber isso. Este ano tem de haver sensatez e estabilidade emocional. 

O que mudou no seu método de trabalho da 2ª Divisão B para um ambiente tão competitivo como a II Liga?
O que muda é o número de atletas, porque temos mais. E também a mentalidade. Num processo de subida, o jogador que joga para ganhar é diferente daquele que joga para não perder. A questão de não perder é muito importante aqui, mas quando se está a tentar subir é querer ganhar. E eu não gosto muito deste estilo, não me identifico, é uma realidade diferente. Em relação ao treino e à forma como acontece o treino, é praticamente igual e acontece com toda a naturalidade. 

Contratou Cafú, jogador que integrou o 11º Estágio do Jogador. O que tem a dizer sobre este evento do Sindicato dos Jogadores?
Falamos de um “miúdo”, de alguém que não tem bilhete de identidade. É um grande homem, no seu caráter, mas é um miúdo na forma como treina, faz do treino o seu jogo, jogadores assim são exemplos. É bom ter jogadores assim. Aquilo que sinto, no que toca ao Sindicato, através do seu presidente, em quem me revejo pela sua conduta e pelos seus princípios, é que felizmente temos um Sindicato de Jogadores cheio de qualidade. Temos de ter orgulho na forma como esse processo tem sido desenvolvido. É um trabalho formativo, educacional e pedagógico e só tenho de dar os parabéns a quem o organiza. 

Como vê o papel do Sindicato no apoio aos Jogadores?
Todos os anos sinto uma evolução e acho que desempenha um papel de reforço anímico. Há um apoio fundamental e útil e é preciso que toda a gente perceba que o Sindicato existe nas boas e nas más horas para estar ao lado dos seus jogadores. 

Nome: Filipe José Oliveira Moreira
Idade: 49 anos
Clubes como treinador: Ericeirense, Mafra, Lourinhanense, Santa Clara, Nacional, Machico, Portimonense, Operário, Dragões Sandinenses, Casa Pia, Olivais e Moscavide, Mafra, Tondela, Oriental, Sp. Covilhã e Académico de Viseu.