“Quando um português gosta de ti, trata-te igual à mãe”


O guarda-redes Helton Leite sente que a adaptação a Portugal não podia ter corrido melhor.

Mas sonha um dia jogar em Inglaterra, de preferência no Leeds United, a equipa que aprendeu a gostar através do Championship Manager. Houve ainda tempo para falar da aventura de Jorge Jesus no Flamengo, da qualidade de Bruno Fernandes e do experiente Mateus.

Chegaste a Portugal no início da época passada para representares o Boavista. Como surgiu essa possibilidade?
Eu era do Botafogo, da Primeira Divisão do Brasil, e recebi uma proposta para disputar o campeonato paulista de 2018 pelo São Caetano, para ter oportunidade de jogar. Fui para lá, fizemos um bom campeonato e surgiu o interesse do Boavista. O resto da história todo o mundo já sabe.

Jogar na Europa era um sonho de criança?
Sempre foi. Desde os meus 10 anos que me imaginava a jogar na Europa. Sempre tive mais vontade de jogar fora do Brasil do que lá. Não tenho um motivo específico, mas agradava-me pela experiência, conhecer o mundo e viver outras culturas. Tive essa oportunidade e estou muito satisfeito.

Vieste para Portugal com o objetivo de saltar para uma liga mais atrativa ou não fizeste esse tipo de planos?
Vim para cá com o objetivo de crescer. Sempre fui muito pés no chão. É muito imprevisível tudo o que acontece, mas sempre tive o objetivo de crescer e alcançar o máximo que conseguir. Sou muito grato, estou muito satisfeito no Boavista e quero viver um dia de cada vez. Vou plantar coisas boas e certamente que vão ser colhidas no futuro.

Antes de vires para Portugal, o que é sabias sobre o futebol português?
Já sabia bastante porque o meu pai [João Leite, guarda-redes do Vitória de Guimarães em 1988/89] também jogou cá. Os meus pais moraram cá durante um ano, eu ainda não era nascido, mas sempre me falaram bem da vida daqui e de como as coisas funcionavam. A minha mãe sempre me disse que foi dos melhores lugares onde morou, por isso já tinha uma noção de como era a vida aqui e confirmei o que os meus pais me disseram.

Adaptaste-te bem ao nosso futebol?
Sim, tranquilo. O facto de ter vindo para o Boavista foi muito positivo para mim. Sou muito alto, muito físico no meu estilo de jogo, e isso também tem a ver com o Boavista. É um clube histórico, quando joga no Bessa é muito respeitado pelos resultados que sempre obteve ali e toda essa conexão foi muito importante para mim. Agradeço a Deus por ter acertado com o clube, que criou tanta conexão comigo em tão pouco tempo.

 

"O FACTO DE TER VINDO PARA O BOAVISTA FOI MUITO POSITIVO PARA MIM. SOU MUITO ALTO, MUITO FÍSICO NO MEU ESTILO DE JOGO, E ISSO TAMBÉM TEM A VER COM O BOAVISTA."

 



E a adaptação às outras diferenças culturais, como língua, clima e comida, por exemplo?
Tranquilo. Sou muito fácil para comer. Gosto muito de carne vermelha. No Brasil, onde nasci, há muita carne de vaca e muito boi. Aqui também há, mas existe mais a cultura do peixe, embora a comida aqui também seja muito boa. A língua é igual, só tenho alguma dificuldade em entender quando falam muito rápido, mas foi tudo muito bom na adaptação. E há muitos brasileiros a viver em Portugal, especialmente aqui no Porto, e isso facilitou muito a adaptação, a minha e a da minha esposa.

E o clima? Notaste muito mais frio do que estavas habituado ou nem por isso?
É frio, mas morei quatro ou cinco anos no sul do Brasil, em Porto Alegre, e a temperatura é muito parecida com a de Portugal. O Rio de Janeiro é muito mais quente, mas também me agrada passar um pouco de frio. Tem o seu charme. [risos]

Os portugueses são um povo hospitaleiro?
O português tem uma qualidade fantástica: quando ele gosta de ti, trata-te igual à mãe. Trata-te muito bem, faz tudo para te deixar confortável. Quando as pessoas daqui sentem empatia por ti fazem de tudo e estão o tempo inteiro ao teu lado. Já me sinto muito realizado aqui só por isso.

 

"O PORTUGUÊS TEM UMA QUALIDADE FANTÁSTICA: QUANDO ELE GOSTA DE TI, TRATA-TE IGUAL À MÃE. TRATA-TE MUITO BEM, FAZ TUDO PARA TE DEIXAR CONFORTÁVEL."

 



Quando visitas o Brasil, o que é que fazes questão de trazer sempre na mala?
De vez em quando o meu pai traz um queijo de meia cura da região de Minas Gerais, onde nasci. Aquele queijo é muito bom e diferente. E um doce de leite também. De resto, a gente tem tudo aqui. É tranquilo. [risos]

Quais são as principais diferenças entre o futebol português e o brasileiro?
A intensidade. O futebol brasileiro acaba por ser um pouco mais técnico, mas é menos estudado. O futebol português é intenso, tem muito estudo, muita procura pela melhora, há muito essa cultura, e os jogadores estão aqui com o objetivo de crescer e de se valorizarem. Basicamente é a intensidade e a entrega dos jogadores e dos treinadores. Acho que isso é muito diferente.

Falando em treinadores: o Jorge Jesus é considerado um dos melhores treinadores portugueses. Achas que se vai adaptar bem ao Flamengo e conseguir vencer no Brasil?
Não tenho dúvidas. Obviamente que existem diferenças culturais, mas ele, em sabendo adaptar-se e conhecendo como funciona o futebol brasileiro, como a rotina de muitos jogos e muitas viagens, acredito que ele tem mais do que capacidade para isso e vai fazer um trabalho fantástico no Brasil. Tenho amigos no Flamengo e, quando se deu a ida dele para lá, disse-lhes que fiquei muito satisfeito por isso porque vai levar uma dinâmica melhor ao futebol brasileiro. Às vezes ficamos muito acomodados com o facto de termos qualidade e muita matéria prima. Isso causa um certo relaxamento no sentido de investir no estudo e na melhoria. Acredito que a chegada de treinadores estrangeiros como Jorge Jesus e Sampaoli podem acrescentar muito ao futebol brasileiro e tenho boas expetativas em relação a eles.

Se pudesses escolher, qual era a liga onde gostarias de jogar?
Na inglesa. Sem dúvida!

Nalguma equipa em especial?
Tenho um caso engraçado. Quando era pequeno gostava muito de jogar Championship Manager, ali por volta de 1998, e havia uma equipa sensação em Inglaterra que era o Leeds United. Então sempre gostei muito do Leeds. Tinha um timaço! Foi a minha primeira experiência com o futebol europeu e sempre acompanhei muito o Leeds pelo carinho e por essa história mesmo, mas o futebol inglês sempre me interessou e tem a ver com as minhas características, com a minha altura e a minha forma de jogar. Ficarei muito contente se um dia tiver a oportunidade de jogar lá.

Qual foi o melhor jogador com quem jogaste em Portugal?
É difícil destacar, mas, de uma maneira geral, um exemplo que temos no balneário é o Mateus. Foi o capitão da seleção angolana na CAN e, com 35 anos, fez o que fez na época passada, sempre com muita qualidade e personalidade também. Temos vários outros jogadores com muita qualidade, que fizeram uma grande época, mas quero destacá-lo porque foi muito importante e é um grande exemplo no nosso balneário.

E o adversário mais difícil que tiveste pela frente?
Há muitos bons jogadores, mas hoje o Bruno Fernandes faz a diferença em campo. Jogámos contra o Sporting, que tinha o Nani na altura, mas o Bruno Fernandes tem uma qualidade técnica absurda e um potencial enorme. Às vezes analiso os jogos e a facilidade que tem para finalizar tanto com o pé direito como com o esquerdo cria grande insegurança aos guarda-redes. É o jogador mais tecnicamente dotado no futebol português.

E que opinião tens sobre o trabalho do Sindicato dos Jogadores no futebol português?
Acho que o trabalho do Sindicato é muito importante. Sou um atleta muito ligado aos outros atletas, sempre disponível para ajudar a nossa categoria. Quando me lesionei recebi uma mensagem e apoio da parte do Sindicato, foi muito importante naquele momento, e está sempre disponível para ajudar os jogadores. Acredito que esse é o papel do Sindicato e deve procurar sempre maneiras de ajudar os atletas.


Perfil
Nome:Helton Brant Aleixo Leite
Data de nascimento: 2 de novembro de 1990
Posição: Guarda-redes
Percurso como jogador: América Mineiro (formação, Brasil), Goiás (formação, Brasil), América Mineiro (formação, Brasil), Grémio (formação, Brasil), JMalucelli (Brasil), Boa Esporte (Brasil), Ipatinga (Brasil), Criciúma (Brasil), Botafogo (Brasil), São Caetano (Brasil) e Boavista.