"Estou muito ansiosa para voltar, mas primeiro está a saúde"
A capitã do Amora ficou muito triste com o encerramento da competição, mas compreende a decisão.
Uma das capitãs do Amora ficou “muito triste” com o encerramento da competição, mas compreende a decisão. Vai trabalhar num supermercado todos os dias, às seis da manhã.
É um caso diferente, neste período de recolhimento que todos vivemos: todos os dias, Carla Cardoso sai de casa, entra às seis da manhã no supermercado em que trabalha, para que não faltem alimentos (é chefe da peixaria) à população da sua área de residência, em Santa Marta de Corroios, no Seixal. Fala do desrespeito às medidas de segurança, estranha o movimento de viaturas nas estradas, assume a tristeza pelo fim do campeonato, mas tem discurso de esperança.
Acabas por ser um caso bem particular nestes tempos estranhos que vivemos, não só em termos globais, no atual Estado de emergência, mas em particular no futebol: estamos a falar a esta hora (16h30) porque até às 16h00 estás a trabalhar, é isso?
Sim, eu comecei a trabalhar há duas semanas, depois de ter estado duas semanas em quarentena.
E qual é o teu trabalho?
Trabalho no Pingo Doce, sou chefe de peixaria.
É complicado, nesta altura, estar em contacto com dezenas de pessoas por dia… Como é que tens feito, que cuidados tens tomado?
É muito complicado. Usamos o máximo das proteções que temos, as máscaras, luvas, fitas no chão para as pessoas manterem a distância de segurança de um, dois metros. Temos tido em conta todos esses cuidados, pois nesta altura todo o cuidado é pouco. E mesmo assim, ainda há muita gente que não se respeita, enquanto estão nas filas, por exemplo.
“USAMOS O MÁXIMO DAS PROTEÇÕES QUE TEMOS, AS MÁSCARAS, LUVAS, FITAS NO CHÃO PARA AS PESSOAS MANTEREM A DISTÂNCIA DE SEGURANÇA DE UM, DOIS METROS. E MESMO ASSIM, AINDA HÁ MUITA GENTE QUE NÃO SE RESPEITA.”
Pois, basicamente, as pessoas respeitam o espaço de segurança na fila de acesso, mas depois, dentro dos espaços comerciais, é como se nada se passasse. Tens tido situações mais complicadas de gerir, como é que tem sido?
Na primeira semana, como vinha de quarentena e ainda não estava muito por dentro dos procedimentos e das novas rotinas, foi tudo muito estranho para mim, que ainda não tinha trabalhado durante o Estado de emergência, com muitas restrições. Com as pessoas mais velhas, é mais complicado, respeitam menos: “Ah, desculpe, esqueci-me” ou “Desculpe, estou habituada a mexer”, porque nós damos indicações expressas para não mexerem nos alimentos, mas eles gostam de mexer para escolher. São os casos mais difíceis de se adaptarem. Mas, até agora, tem corrido bem. Entre um ou outro que se vira e diz: “Ah, mas não faz mal…” Não faz mal, não, faz mesmo mal, nesta altura temos de respeitar.
É onde a loja em que trabalhas?
Santa Marta de Corroios.
Já lá estás há quanto tempo?
Desde 2013, há sete anos.
E como é que tens conseguido conciliar com a vida pessoal e com o futebol? Como é que tens feito?
Basicamente, tem sido trabalho-casa. O futebol, como agora está parado, vamos fazendo treinos em casa. Agora, como voltei a trabalhar, tenho tido menos tempo, mas sempre que posso, vou fazendo aqueles treinos em casa, dou umas corridas na rua, aqui ao pé de casa, não vou para muito longe.
Estás sozinha em casa?
Estou, mas eu vivo numa casa abaixo da dos meus pais. E da minha irmã. Por isso, temos estado juntos.
E de que forma tens treinado em casa, o que tens conseguido fazer?
Aquele tipo de exercícios estáticos, com elásticos, agachamentos, abdominais...
E entras no trabalho a que horas? Para saíres às quatro, a que horas é que entras?
Eu entro sempre às seis da manhã. Até para jogar, como sou chefe, tenho essa facilidade. Tenho alguns domingos de folga, mas naqueles em que jogamos em casa, por exemplo, faço direto sem pausa até às duas para jogar às três.
É complicado…
Oh, é um bocadinho… (risos) Mas quem corre por gosto, não cansa.
Olhando para o que aí vem, no que julgas que vai resultar toda esta situação? Tudo vai voltar à normalidade?
Julgo que sim. Não para já, talvez dentro de um mês ou assim. E não vai ser de repente, tudo vai ter o seu tempo, vai ser gradual, mas acredito que vai tudo voltar à normalidade. Mas temos de esperar para ver. Há alturas em que nem parece que estamos na quarentena, é só carros na rua, é tudo igual.
Era isso que te queria perguntar: como é que as pessoas estão a viver o período de recolhimento na tua zona?
O dia em que eu notei que estávamos mesmo de quarentena e que as pessoas estavam com medo foi o dia antes do governo decretar o Estado de emergência. E o dia a seguir. Só. De resto, como moro abaixo de uma estrada nacional, vejo muito movimento à mesma. Não sei se as pessoas têm de ir trabalhar ou se estão só a passear, a verdade é que vejo na mesma muitos carros na estrada, não dá para perceber. Muitas pessoas nas paragens… Ao ir e vir do trabalho passo por sítios muito mais calmos, mas aqui é mesmo muito movimentado ainda.
E como é que tem sido com o Amora? Têm dado instruções, tens mantido o contacto?
Têm, têm. Falamos quase todos os dias no nosso grupo, o nosso preparador físico planeou uns treinos para nós, que vai renovando de duas em duas semanas, e temos sempre aquele plano de treinos, assim é mais fácil.
E tu, como uma das capitãs, tens mantido contacto regular com as tuas colegas?
Sim, nós falamos. Até fazemos videochamadas no zoom, e falamos todas. É uma forma de ajudar a superar esta fase e de não perder o foco. A Federação já disse que esta época já acabou, mas temos de começar a pensar em preparar já a próxima.
E como é que viste essa decisão de dar por terminadas as competições nesta fase?
Fiquei muito triste, porque tínhamos boas hipóteses de subir este ano, tínhamos ficado em primeiro na nossa série, estávamos bem posicionadas, estávamos em primeiro com o Torreense, fiquei mesmo triste. E ainda faltava um troféu para nós disputarmos, que era a Taça aqui de Setúbal, que ganhámos no ano passado… Mas pronto, em primeiro lugar está a saúde.
Tens alguma mensagem para deixar às pessoas, atendendo a que dizes que continuas a ver muito movimento na tua zona?
A única mensagem que queria deixar é que saiam de casa só em último caso, quando for absolutamente necessário. Se andarem por aí a passear, assim isto nunca vai acabar.
Estás ansiosa por voltar aos treinos coletivos?
Estou muito ansiosa, mesmo. Faz mesmo muita falta. Só quando não temos é que percebemos a falta que nos faz… Fogo!