"O treinador tem de ser genuíno, verdadeiro e o mais coerente possível"


Com apenas 41 anos, estreou-se esta época na II Liga, pelo Mafra, e promete não ficar por aqui.

Como nasceu a paixão pelo treino?
Quando era miúdo, nos tempos de escola e na minha formação no Sporting, tinha uma estima muito grande pelos professores de Educação Física e pelos treinadores. Alguns eram ex-jogadores, como Osvaldo Silva, César Nascimento ou Fernando Mendes, e isso fazia com que eu, já na altura, os questionasse sobre alguns exercícios.

Em que altura decidiu ser treinador?
Quando estava no Salgueiros entrei na Faculdade de Desporto, da Universidade do Porto, e já ia à procura de mais conhecimento ao nível do treino. Tive a felicidade de ter vivenciado um gabinete de futebol top a nível mundial, com o professor Vítor Frade à cabeça, das minhas maiores influências, mas também os professores Júlio Garganta e António Natal. Quis viver bem a minha carreira como jogador, mas aos 28/29 anos, quando regresso da Grécia, que foi a minha última experiência como profissional, decidi terminar a licenciatura e depois o mestrado. O Sousense proporcionou-me poder continuar a jogar, ter um salário como jogador, e iniciar-me no treino com uma equipa de sub-8 e depois de sub-10. No final do primeiro ano, convidaram para coordenador de todo o futebol de formação. No meu terceiro ano no clube, convidaram-me para treinador dos seniores e coordenador da formação. Encerrei a carreira de jogador e passei ao desafio de treinar, apenas e só, uma equipa sénior e logo no Campeonato de Portugal.

Esperava um arranque tão fulgurante na II Liga?
Depois de dois anos no Sousense, um no Salgueiros, mais dois em Leiria, tinha praticamente 150 jogos no Campeonato de Portugal, tinha disputado três fases de subida com três equipas diferentes e pode não haver outro treinador com tantos jogos nessa fase. A carga emocional que esses jogos têm pode ser maior do que num jogo numa jornada normal de II Liga. Sentia-me completamente preparado. Se estava à espera de um arranque tão fulgurante da equipa? Acreditamos sempre, mas se me perguntassem se esperava estar no primeiro lugar à quinta jornada responderia que seria difícil. Esperamos dar continuidade e ter qualidade no nosso jogo porque dessa forma será possível valorizar os nossos jogadores e vencer jogos.

O que o levou a aceitar o convite do Mafra?
Quando o presidente José Cristo me ligou foi até uma surpresa, mas ele disse que conhecia o meu trabalho no Campeonato de Portugal e que gostava do perfil de um treinador jovem. Penso que ambos gostámos dessa primeira conversa, houve uma boa comunhão de ideias e, como sentia que já estava preparado, decidi aceitar. O presidente também me falou da importância de sustentar o Mafra nesta divisão e, acima de tudo, que fosse uma equipa que praticasse um futebol positivo. Quero agradecer muito ao Mafra. É a equipa ideal porque confiou e quis apostar em mim.

Qual é a principal virtude que um treinador deve ter para conquistar o grupo de trabalho?
Sobre isso não tenho dúvidas porque vou muito atrás das sensações que tinha quando jogava. O treinador tem de ser genuíno, verdadeiro e o mais coerente possível nas tomadas de decisão que tem de exercer praticamente todos os dias. É dessa forma que tento estar.

"TENHO PENA QUE NÃO HAJA AINDA MAIS JOGADORES A DAR FORÇA AO SINDICATO. DEVIAM SER TODOS, DO DISTRITAL À I LIGA."

Tem alguma referência como treinador?
Começo pelo treinador que me estreou na I Liga, o míster Manuel Fernandes, por tudo o que me ensinou e, acima de tudo, pela pessoa em si. Depois, ainda que só o tenha apanhado na Seleção, um treinador que veio contra uma série de correntes no treino, o professor Jesualdo Ferreira. Foi na realidade um professor. Ia ao detalhe do jogo e começou a ter as primeiras preocupações com pormenores para fazer de nós melhores jogadores. Outro treinador que me marcou foi o míster Pedro Martins, que está no Olympiacos. Conseguiu tirar de mim coisas que outros treinadores não conseguiram, além de tudo o que conhecia do jogo. Bebi de todos os treinadores que tive, mas estes são três que me marcaram.

A relação entre treinador e jogador tem mudado?
Sim, e é um dos grandes desafios para quem está deste lado. Temos de conhecer cada vez melhor as novas gerações. Há uma nova realidade com as redes sociais, há ferramentas que antigamente não existiam. Tive o meu primeiro telemóvel no final dos anos 1990: era um calhau e lembro-me de achar que era espetacular! Hoje os nossos telefones funcionam como computadores. A Internet mudou muita coisa. O que fazemos agora aqui pode saber-se em todo o mundo no segundo a seguir. Temos de conhecer muito bem a mentalidade dos jogadores mais novos para estabelecer relações fortes com eles. Os treinadores geriam os grupos de uma forma que, se calhar, se o fizessem da mesma forma agora, não iam ter a mesma aceitação e sucesso.

Em que liga gostaria de treinar?
O que mais me seduz é uma equipa que queira verdadeiramente que eu lá esteja. O Mafra quis que aqui estivesse e penso só em vencer aqui. Obviamente que olho para cima e se isso for a I Liga muito bem, se for um desafio no estrangeiro teria de analisar muito bem, mas não tenho uma liga que me chame à atenção.

Até onde gostaria de chegar como treinador?
Comecei de muito baixo, a treinar em meio-campo e às vezes não tinha água quente. Comecei com uma equipa em que praticamente todos os jogadores trabalhavam, a treinar à hora de jantar. A única coisa que queria era jogar um bom futebol e vencer o próximo jogo, porque sei que assim estou mais perto de subir patamares e consolidar as nossas ideias. É mesmo assim que penso, dia-a-dia. Não esqueço de onde viemos, onde começámos, e o que foi feito para hoje estarmos onde estamos. E é tentar, sem esquecer isso, procurar fazer bem para subir o mais possível, sem colocar limites. No futebol, tudo é possível desde que consigamos vencer o próximo jogo.

Qual é a sua opinião sobre o trabalho do Sindicato?
Fui sócio durante quase toda a minha carreira e mantive uma relação próxima com o presidente e todos os funcionários, mas tenho pena que não haja ainda mais jogadores a dar força ao Sindicato. Deviam ser todos, do Distrital à I Liga. Está cada vez mais forte, organizado, competente e proativo, com uma série de iniciativas na defesa dos interesses dos jogadores. É uma Direção que tem procurado defender os interesses dos jogadores, que são os grandes artistas deste jogo.