“Estaria a mentir se dissesse que não me passou pela cabeça desistir”


Avançada do Estoril regressou aos relvados nove meses depois de se ter lesionado.

Quando é que o futebol surgiu na tua vida?
Sempre tive um gosto muito grande pelo futebol. Joguei basquetebol durante dez anos, mas na altura havia aquela situação de as raparigas não poderem jogar futebol com os rapazes, de que o futebol era um desporto de rapazes. Finalmente, convenci os meus pais e na altura até surgiu uma equipa em Viseu e comecei, com 16 anos, mas sempre joguei com o meu irmão, nos parques e campos, em criança.

Em que momento é que pensaste “é isto que eu quero fazer quando for grande”?
Sempre tive o gosto de jogar futebol. O meu irmão jogou durante muitos anos, era guarda-redes e eu acabava por ser a cobaia dele. Então, sempre tive isso no sangue. Claro que com o passar do tempo, comecei a jogar mais, fui para outra equipa, comecei a levar tudo mais a sério e, se calhar, foi isso.

Sempre tiveste em mente os enormes desafios que o futebol feminino ainda apresenta?
Sim. Desde que comecei que ambiciono ser jogadora profissional. Graças a Deus, o futebol feminino está a ter um grande desenvolvimento, está a proporcionar às mais novas mais oportunidades e acho que daqui a uns tempos, todas as raparigas vão ter uma oportunidade. 

De Viseu vieste para o Fofó. O que motivou essa mudança?
No meu primeiro ano de futebol, no Viseu 2001, tive logo a sorte de ser campeã nacional da segunda divisão e depois tive a oportunidade de juntar a universidade com o futebol. Estou a estudar desporto aqui em Lisboa e tive um treinador que me ligou a perguntar se eu gostava de vir e ingressar na equipa do Fofó e, claro, nem pensei duas vezes, aceitei logo.

“O MAIOR DESAFIO FOI, SEM DÚVIDA, A MINHA LESÃO.”

Como é que foi a adaptação, tendo em conta que tinhas apenas 20 anos?
Foi um bocado difícil. Estamos habituados a viver com os nossos pais e de um momento para o outro estamos na capital a viver sozinhos. Com a ajuda dos meus pais e dos meus amigos as coisas foram ficando mais fáceis.

Qual o maior desafio que encontraste na tua ainda curta carreira?
O maior desafio foi, sem dúvida, a minha lesão. Além de ser muito demorada, 9 meses, foi muito dura e acho que isso para um desportista, uma paragem longa, é sempre muito difícil.

Entretanto, este ano, aqui no Estoril, sofreste uma lesão que te deixou longe dos relvados muito tempo. Sentiste logo no momento que poderia ser uma coisa grave?
É engraçado, sem ter graça nenhuma, mas foi na altura do Covid. Nós fomos para casa em março e tivemos de março até junho em casa. Fomos acompanhados pelos nossos místers, davam-nos treinos via zoom, mas aproveitei esse momento para trabalhar imenso. Regressámos em agosto e eu sentia-me numa forma excelente. Fizemos o nosso primeiro jogo frente aos rapazes do clube e eu choquei com um deles. Assim que houve esse choque pedi para sair, porque senti que alguma coisa não estava bem no joelho. Fiz fisioterapia, toda a gente dizia que eu não tinha nada, eu sempre a bater que tinha alguma coisa grave, até que, no último treino antes de voltar a ingressar na equipa, faço um remate e sinto umas dores brutais. Acabei por ser operada.

“ANTES DE IR PARA A CIRURGIA DISSERAM-ME QUE IA ESTAR QUATRO MESES PARADA E QUANDO ACORDO A PRIMEIRA COISA QUE ME DIZEM É QUE LAMENTAM, MAS IA SER MUITO MAIS TEMPO.”

Como está a ser este processo de recuperação?
Acho que o facto de ser muito longo, é logo muito difícil. Antes de ir para a cirurgia disseram-me que ia estar quatro meses parada e quando acordo a primeira coisa que me dizem é que lamentam, mas ia ser muito mais tempo. Acho que se tivermos as pessoas certas ao nosso lado as coisas tornam-se mais fáceis, porque infelizmente são mais os dias em que estamos mais em baixo e com dores, do que os dias em que estamos em cima.

Psicologicamente mexeu muito contigo?
Não foi uma fase feliz, mas de certa forma agradeço o que me aconteceu, porque psicologicamente fez-me crescer imenso. Fez-me ver o futebol e a vida de outra forma.

É mais complicado a recuperação física ou o processo mental?
Essa é difícil [risos]. Acho que é por etapas. Inicialmente a parte física é muito difícil, porque deixamos até de andar. Temos de fazer coisas acompanhadas que fazíamos sozinhos. Depois, a parte mental começa a dificultar tudo, porque é uma longa recuperação. É como disse, com as pessoas certas, a parte física mas sobretudo a mental, torna-se mais fácil.

Quando soubeste que ias ter mesmo de ser operada, o que te passou pela cabeça?
Inicialmente pensamos “bora, é mais uma batalha, vou conseguir ultrapassar isto”, mas durante o processo não é assim. Estaria a mentir se dissesse que não me passou pela cabeça desistir. Quando as coisas começam a correr bem, o chip volta a mudar e queremos é voltar ao ativo e à luta pelos nossos sonhos e ambições.

“TODA A GENTE DEVE TER UM PLANO B, PORQUE O FUTEBOL ACABA CEDO.”

Esta paragem fez-te pensar mais num plano B, fora do futebol?
Sim, claro. Acho que ter sido operada duas vezes é difícil. Temos pessoas que são excelentes jogadoras e profissionais que continuam a trabalhar, continuam no seu processo e nós temos de “voltar ao zero”. Isso faz-nos pensar muito num plano B.

Quão importante consideras que, em particular, as jogadoras tenham um plano fora do futebol?
Toda a gente deve ter um plano B, porque o futebol acaba cedo. Por mais que lutemos, que trabalhemos e até que sejamos boas, nem toda a gente consegue atingir um alto patamar. Claro que devemos sempre continuar a lutar e trabalhar com essa ambição, porque podemos conseguir. Se não, então seguirmos pelo plano B.

Nunca te passou pela cabeça desistir?
Como disse, estaria a mentir se dissesse que não. Nos momentos maus passa-nos sempre isso pela cabeça. Claro que num processo longo, existe essa fase. Acabamos por conseguir mudar o chip e, se hoje foi um dia mau, amanhã será um dia melhor.

Qual foi a tua maior motivação para não desistir?
Os meus pais e a minha família. Estiveram lá desde o primeiro segundo. Se por um lado houve pessoas que nunca acreditaram que eu ia lá chegar, a minha família sempre esteve ao meu lado a garantir-me que era só uma fase difícil, que eu ia conseguir e que, se não conseguisse, ao menos tinha lutado com todas as minhas forças, que é o mais importante.

“SEMPRE TIVE O SONHO DE SER JOGADORA PROFISSIONAL.”

Como é que um atleta lida com este revés e estas ausências prolongadas dos relvados?
Nós nunca sabemos lidar a 100%. Vamos lidando, dia a dia. Depois vemos como é que o nosso corpo responde, uns dias melhor, outros pior, mas nunca podemos pensar “daqui a uns meses eu vou…”. Não. Tem de ser dia após dia. Tem de ser “hoje já consegui isto”.

Que sonhos tens no futebol, em particular para a tua carreira?
Sempre tive o sonho de ser jogadora profissional e gostava muito de ser campeã nacional.

Acreditas que serás capaz de os alcançar a todos?
Luto sempre para ser melhor, ainda que com todas as lesões e atrasos no meu processo. Luto todos os dias para os atingir.