“Subir neste clube é totalmente diferente do que subir em todos os outros”


Mauro Antunes é o capitão do Belenenses, que está de regresso às ligas profissionais.

 

Mauro, antes de mais, gostávamos de falar sobre a tua formação. Fizeste a maioria no Sporting e os últimos dois anos no Belenenses. Como se deu esta mudança? 
Estive dos 7 aos 17 na formação do Sporting e nessa altura fui dispensado, não quiseram contar mais comigo e surgiu a oportunidade de vir para o Belenenses, na altura treinado pelo mister Rui Jorge, que fez com que me ajudasse a escolher um clube, aliado à grandeza do Belenenses, que fez com que fosse essa a minha escolha.

Terminando a formação, a estreia como sénior é no Moura. Na altura não surgiu a oportunidade de aqui continuares?
Não, na altura não havia equipas B's. Nesse ano ainda fiz a pré-época com a equipa principal, mas depois não houve qualquer proposta para continuar e acabei por ir para o Moura, na altura Campeonato Nacional, era a chamada Segunda B. E foi aí que fiz o meu primeiro ano como sénior.

A vida deu várias voltas e ao longo da carreira, até este momento, passaste por vários clubes. Quando acabas a formação e começas enquanto sénior num clube da distrital, puseste em causa a continuidade como jogador? 
Não passou pela cabeça deixar o futebol. Comecei sim, desde muito cedo, a pensar em ter um plano B. Sabia que não iria ser fácil, até porque depois ficou uma realidade bastante baixa e comecei a perceber que não era fácil chegar a um patamar alto. Comecei a olhar para um possível plano B mais cedo do que, se calhar, alguns colegas meus. Felizmente, no ano seguinte, estava na Segunda Liga.

Em relação a esse plano B, deste-lhe continuidade ou ficou em stand-by?
Eu fui fazendo sempre alguns cursos e atualmente trabalho na área da banca, da parte da tarde, já há três anos e tenho conseguido conciliar com o futebol.

“TINHA QUASE A CERTEZA DE QUE AS COISAS IAM CORRER BEM E QUE ÍAMOS CONSEGUIR.”

É importante os jogadores desde jovens terem logo um plano B e investirem no seu futuro, tendo em conta a imprevisibilidade do futebol?
Sem dúvida. Acho que até mesmo quem chega a um patamar alto, a verdade é que são poucos aqueles que conseguem viver apenas daquilo que conseguiram ganhar no futebol. Acho que ter um plano B acaba por ser sempre muito importante para qualquer jogador.

Há pouco falavas da Segunda Liga e queria ir por aí. A verdade é que acabaste por chegar ao Mafra e celebrar uma subida do Campeonato de Portugal para a Segunda Liga. Foi um momento especial? 
Sim, na altura tinha estado a jogar fora de casa, foi num ano em que voltei para perto dos meus familiares e amigos e conseguir essa subida de divisão com o Mafra foi um momento importante porque consegui juntar novamente um objetivo e ter perto de mim as pessoas de que mais gosto.

Depois dessa temporada na Segunda Liga sais para o Amora e, um ano depois, para o Belenenses. Antes de mais tenho de perguntar como surgiu a oportunidade de regressares?
Sempre mantive uma grande ligação ao clube. Aliás, cheguei a estar na primeira subida de divisão do clube, desde que desceu aos infernos. Estava na bancada a ver esse jogo e houve sempre uma grande ligação e eu sentia que gostava de ajudar neste trajeto. Depois, na altura do Amora, foi quando chegou a pandemia, quando veio o Covid, e o futebol estava muito instável, principalmente nestas divisões inferiores, Campeonatos de Portugal, mesmo as ligas, não sabia bem o que ia acontecer. Foi quando surgiu esta possibilidade de vir para o Belenenses, ajudar o projeto, e ambicioso como é, e como eu também o sou, acabou por ser algo que ambas as partes chegaram rapidamente a um acordo, e foi também a altura em que depois comecei a conciliar a minha profissão com o futebol.

Houve alguma hesitação? Tendo em conta que esta mudança representava a um regresso às distritais?
Houve, houve, claro. Na altura foi algo que tive de pensar bastante. Era quase abdicar daquilo que tinha sido a minha profissão a vida toda, mas por outro lado eu tinha quase a certeza de que as coisas iam correr bem e que íamos conseguir não só a subida de divisão naquele ano, mas o resto das coisas acabaram por acontecer em diante, até porque eu já conhecia grande parte da estrutura e confiava também no trabalho que estava a ser feito por eles.

“QUEM TEM A CRUZ AO PEITO, TEM DE ENTRAR PARA TODOS OS JOGOS COM A AMBIÇÃO DE VENCER.”

E tinhas razão. No primeiro ano, festejam a subida ao Campeonato de Portugal e, no ano a seguir, são repescados do Campeonato de Portugal para a Liga 3. Pensavas que era possível em dois anos subires dois escalões aqui? 
Sonhar, nós sonhamos sempre. Eu digo sempre isto, mas é a realidade, quem veste esta camisola e quem tem a Cruz ao peito, tem de entrar para todos os jogos com a ambição de vencer e quando assim é, estamos sempre mais perto de atingir os objetivos. Sabíamos que não seria fácil, mas conseguimos e acreditámos sempre. E acho que aí esteve sempre o segredo.

Este ano... Já festejaram o regresso aos campeonatos profissionais. Qual foi o sentimento quando soou o apito final frente à Sanjoanense? 
Acho que foi um sentimento que ainda hoje nem consigo bem exprimir, porque é algo tão grande… Subir neste clube é totalmente diferente do que subir em todos os outros, até porque foi o que se viu aqui no sábado passado. Esta massa adepta é incrível e já mereciam isto há muito tempo. Então, foi o orgulho de poder também dar a estes adeptos aquilo que por tanto lutaram e que tão corajosos foram para poder estar agora a viver este momento.

Sentes que de alguma forma estás a viver uma espécie de sonho ou os festejos já ficaram lá atrás? 
Sim, neste momento, até porque assim nos obriga, já estamos focados na final que ainda vamos ter de jogar, até porque seria a cereja no topo do bolo conseguir o título nacional, a juntar à subida de divisão. Por essa razão é um bocado aqui este misto de sentimentos que, ok, festejámos a subida de divisão, mas ao mesmo tempo, passando dois dias, já estávamos a trabalhar porque temos um jogo para ganhar. Então, acaba por ser aqui um misto de sentimentos, mas o nosso objetivo para já, de momento, é voltar a ganhar no Jamor e aí sim, depois poder desfrutar de tudo o que já estamos a conseguir conquistar.

“SONHAR É MESMO ALGO QUE NUNCA DEVEMOS PARAR DE FAZER.”

Enquanto capitão, houve momentos em que tiveste de motivar os teus colegas ou, pelo contrário, puxá-los de volta à terra? 
Acabamos por viver esses dois momentos. Tivemos momentos muito complicados durante a época em que nos tivemos de unir ainda mais e perceber que se assim não fosse não iríamos conseguir atingir os objetivos. Como depois também nesta fase final, ao fim de três vitórias consecutivas, parecia que as coisas estavam a ocorrer demasiado bem e tivemos de manter os pés assentes no chão ao ponto de percebermos que acabámos por conseguir a subida de divisão com os mesmos pontos de um adversário, então foi aqui um bocado esse misto de sentimentos que tivemos de fazer ao longo da época, mas acho que foi algo que foi bem conseguido da nossa parte.

Acompanhaste o clube da distrital até aqui, a este momento, prestes a jogar pelo título de campeão da Liga 3 e com lugar garantido na Liga 2. É a prova de que nunca devemos desistir?
Sim, claramente. Eu acho que, especialmente na minha vida pessoal, sonhar é mesmo algo que nunca devemos parar de fazer. E não falo só pelo meu individual, mas pelo clube. Acho que é algo que deve ser exemplo, não só para os clubes, mas para qualquer pessoa, individualidade ou coletiva, porque o que se conseguiu foi efetivamente algo muito importante, algo histórico e é a prova de que nunca se deve desistir.

Esperas celebrar uma última subida?
Claro, é o que estávamos a falar anteriormente, acho que sonhar é sempre possível e eu que já que fiz parte deste trajeto todo, gostava de sonhar poder viver este momento. Vivendo ou não, certamente estarei aqui para ver esse momento, que vai acontecer mais tarde ou mais cedo.