“Quero regressar ao futsal português”


RICARDINHO joga em Espanha no Inter Movistar, mas tem o desejo confesso de regressar a Portugal. Um dos melhores jogadores de futsal do planeta esteve à conversa com o SJPF.

Aos 28 anos, e após ter sido considerado o melhor jogador do mundo em 2010, o que falta conquistar?
Ainda falta tanta coisa… Tenho alguns objetivos para cumprir. Um deles era jogar na liga espanhola e tentar conquistar algo. Outro é tentar ganhar algo pela nossa seleção, está difícil. Todos os anos nos mantemos no quase mas vamos tentar mudar isso.

 

O que acha do crescimento a que o futsal português tem assistido nos últimos anos?
Na minha opinião, o ano passado, a nível competitivo, não foi muito bom. A Federação está a fazer um trabalho excelente, conseguiu dar um passo gigante. Desde o ano passado até agora, houve muitas modificações, uma aposta maior na modalidade, com a mudança do nome da liga e o apoio do Banco BIC. A aposta será boa não só para os jogadores mas também para as equipas consideradas amadoras. Sem dúvida isso trará maior competitividade ao nosso futsal. O Leões de Porto Salvo e o Braga têm feito um campeonato espetacular e espero que apareçam mais equipas para fazer frente aos grandes.

 

O que falta à seleção para vencer uma grande competição?
Estamos no caminho certo. Infelizmente, julgo que os jogadores precisam de sair de Portugal para mudar de mentalidade, que foi o que me aconteceu. Nos últimos anos, a liga portuguesa não me ajudava muito a esse nível. Jogavas cinco a sete jogos importantes por ano e pouco mais. Jogando fora, em ligas como a russa ou a espanhola, tens uma capacidade física e mental para ultrapassar vários fatores. A saída de muitos jogadores para essas ligas vai ajudar, sem dúvida, ao crescimento da nossa seleção. Vamos ter uma mentalidade mais ganhadora, porque treinamos mais que os outros e também temos qualidade. Só que eles acreditam cegamente no que fazem.

 

Como foi a experiência de ter jogado no Japão?
Aceitei o desafio de ir para o Japão, não muito pela questão da competitividade – porque sabia que ia dar um passo para o lado ou mesmo para trás -, mas sim pela experiência e pelo lado financeiro, obviamente, que é monstruoso.

 

Quais são as diferenças entre os quatro campeonatos onde já competiste?
O campeonato espanhol é o mais difícil onde já estive, em termos de intensidade e competitividade. Na liga russa, as equipas também são fortes mas é muito mais físico, os russos têm qualidades técnicas mas o campeonato lá é, como eu costumo dizer, no “deixa andar” [risos]. Aqui em Espanha há uma competitividade muito grande, os jogadores têm um querer enorme e acreditam que se pode ganhar até no último segundo.

 

Essa pode ter sido uma razão para não ter ganho um título na Rússia?
Acho que não. Só estive quatro meses e meio na Rússia. Achei que ia ter alguns problemas com a língua, mas os problemas foram mesmo com a língua portuguesa porque aconteceram com os treinadores. Quando falei com o presidente para sair, por não me estar a sentir bem, a equipa estava em segundo lugar a três pontos do primeiro. Estávamos em boa posição para fazer um bom campeonato. Mas só vou estar numa equipa enquanto me sentir bem e achar que sou útil.

 

Como tem sido recebido nos clubes onde tem jogado?
Tem sido fantástico! Até hoje não tenho razão de queixa em lado nenhum. Estava um pouco receoso por chegar aqui a Espanha, porque o Inter não ganha nada há três ou quatro anos. A equipa foi perdendo alguns nomes muito fortes, como cinco ou seis brasileiros que foram campeões do Mundo. Quando assinei, tentei afirmar que vinha para ajudar e não para ser um herói. Mas ficaram contentes pela forma como entrei na equipa, eu também falo com todos de forma igual e não vivo num mundo diferente e isso ajudou-me bastante. Estamos em primeiro lugar, a fazer um campeonato espetacular e ainda não perdemos nenhum jogo.

 

Acha que é o melhor do mundo?
Não acho que seja o melhor do mundo. Trabalho para ser o melhor do mundo. Isso é diferente. Tenho esse objetivo e trabalho para isso. Agora se me acho o melhor? Não, não acho. Mas eu sou um pouco assim. Há dias vi o Falcão jogar, e muitos dizem que ele já não corre ou não faz isto e aquilo com esta idade, e eu continuo a dizer que ele está lá nos momentos certos e faz a diferença. Para mim, esses são os melhores do Mundo. Aí é que isso se nota. Quando a equipa precisa, o jogador tem de dar a cara.

 

Quem são os atletas que mais admira?
Tenho bastantes e felizmente tenho muitos portugueses. Claro, toda a gente sabe que o meu ídolo é o Falcão e que o admiro enquanto lenda, mesmo. Mas tenho um respeito e uma consideração muito grandes pelos jogadores portugueses. Para mim, aquele quarteto, o André Lima, o Pedro Costa, o Arnaldo e o Zé Maria, que foi para mim o grupo mais eficaz na seleção portuguesa, a esses tiro-lhes o chapéu e faço-lhes uma vénia por todo o trabalho que fizeram na seleção e nos seus clubes. Qualquer pessoa que goste de futsal tem de os admirar.

 

Como surgiu a hipótese de jogar futebol de onze no Benfica?
Acho que isso faz parte do passado. Foi algo que aconteceu numa das minhas melhores épocas. Eu ainda tinha o sonho de jogar futebol de onze, desde miúdo. Surgiu essa hipótese, mas falou-se disso demasiado cedo, cá fora. Devia ter tudo sido feito com mais calma, mais off the record, digamos assim. Mas assim como apareceu também desapareceu, porque as pessoas ficaram receosas que não corresse bem, até porque o Benfica não tinha ganho nada na época anterior e, em vez de investir num jogador de futebol, investir-se num jogador de futsal não era a aposta correta para os adeptos…

 

Tem pena que não tenha acontecido?
Não, só tenho pena daquilo que faço. Não tenho pena nenhuma do que não faço, já passou. Se calhar hão de surgir coisas melhores, não sei [risos]. O que eu sei é que dois anos depois fui considerado o melhor jogador do mundo. Se tivesse ido para o futebol não teria sido o melhor jogador de futsal e não teria orgulhado tantos portugueses como orgulhei até hoje.

 

Porque saiu do Benfica?
Tive um problema no balneário, que foi coisa que nunca me tinha acontecido nos oito anos que lá passei, durante os quais passaram grandes jogadores no clube. Infelizmente, naquele ano no Benfica, encontrei algumas pessoas que me olhavam como se eu fosse ali roubar protagonismo. Não consigo perceber ao certo, porque eu estava para ajudar e, quer queiram quer não, o Benfica ganhou tudo nesse ano. Infelizmente saí como não queria sair. Felizmente tenho portas abertas em todo o lugar – se calhar ao contrário isso já não acontece – e trabalharei sempre para ajudar as equipas, não vou estar num plantel para prejudicar alguém. Eu senti que estava a prejudicar essas pessoas, sem fazer nada de mal. Talvez tenha sido a hora certa para mudar, até porque o Benfica no ano passado não foi tão feliz e afinal o problema não era o Ricardinho.

 

Pretende regressar ao futsal português?
Claro que sim! E não quero regressar com 33 ou 34 anos, quero voltar ainda a poder ajudar muito o clube que for representar. Quero ganhar mais títulos em Portugal, porque sei que há jogadores que já ganharam muito mais que eu. Mas eu jogo para bater os recordes dos outros, porque essas são as coisas boas da modalidade; é conseguir ultrapassar as lendas. Posso dar um exemplo: o Pedro Costa conseguiu estar três anos seguidos sem perder um jogo, algo que eu não consegui e acho que nunca vou conseguir, mas gostaria de conseguir ultrapassar essa marca. Na minha opinião, acho que é quase impossível, mas ele sabe que eu gostaria de atingir essa marca. Já lhe falei nisso várias vezes e ele ri-se bastante, porque diz que não é fácil e é preciso tomar as decisões certas.

 

Jogaria em qualquer clube em Portugal ou admite jogar apenas no Benfica?
Eu só admito jogar no Benfica por algumas razões: a forma como fui tratado ali, o crescimento que tive nesse clube, os títulos que ganhei e o respeito que consegui conquistar. Eu sei que há os benfiquistas e, como em todo o lado, os “doentes”, aqueles que não querem saber do lado humano e só lhes interessa que o Benfica ganhe. Mas eu sei que não são todos assim, esses sete por cento de “doentes” são aqueles que não vivem o clube, são os que vivem na doença. Sei que tenho muitos admiradores no Benfica porque falo com eles muitas vezes e sei que gostariam do meu regresso. Sei que adoraria regressar ao Benfica, mas só regressarei quando sentir que vou ser útil e que vou ajudar a mudar alguma coisa e sentir que sou capaz de ainda dar alegrias aos benfiquistas. Agora, se me falarem em jogar nos rivais, aí não. Era incapaz de jogar nos rivais do Benfica. Obviamente que se a porta no Benfica estiver fechada (que eu sei que não está), sou profissional e, se regressar a Portugal, terei de jogar noutro lado.

 

No plano financeiro, já compensa ser profissional de futsal?
Não posso falar do meu caso pessoal porque, felizmente, desde os meus 16 anos que me tem compensado. Mas acho, a um nível geral, neste momento em Portugal ainda não. Porque tens o Sporting e o Benfica que são equipas profissionais, mas tens, por exemplo, o Leões de Porto Salvo e o Braga, que são equipas que estão a fazer campeonatos espetaculares e têm jogadores que têm de trabalhar e fazer outras coisas para se conseguir manter. Infelizmente, ainda não é fácil ganhar dinheiro suficiente no futsal. Se falares em campeonatos como o italiano, o espanhol ou o russo, aí já se consegue viver de ser profissional de futsal. Felizmente, não me posso queixar e sou um abençoado por isso.

 

Lançou um livro em 2007. Como surgiu a oportunidade?
Eu e o Rui [Pedro Brás, coautor do livro] somos muito amigos, ele estava no Benfica na altura em que eu lá jogava. Ele é um apaixonado pela modalidade e sempre disse que iria fazer de tudo para que o futsal desse um salto. Nessa altura, fiz épocas muito boas e ele disse-me que as pessoas olhavam para mim como uma imagem do futsal. Ele quis lançar o primeiro livro sobre futsal comigo. Obviamente, nem pensei duas vezes. Foi algo extraordinário que nem estava nos meus planos a longo prazo e apareceu-me assim nas mãos. E com a ajuda do editor da Prime Books, abriram-me essa porta e foi um livro de sucesso.

 

Pretende lançar outro?
Sim. Mas vai ser um bocadinho mais agressivo. Estou interessado em contar algumas peripécias que já me aconteceram no futsal. Acho que vai ser um livro um pouco polémico, mas acho que as pessoas merecem saber algumas coisas que se passam nos bastidores às quais não têm acesso. Não tenho data, ainda é um projeto.

 

Qual é a imagem que tem do SJPF?
Acho que é perfeito, o trabalho e a ajuda que dão aos atletas são perfeitos. Espero sinceramente que continue assim por muitos anos e que consigam melhorar ainda mais. Sei que não é uma boa situação o jogador ter de pedir a vossa ajuda, mas sei que o SJPF faz um trabalho excelente.

 

PERFIL

Nome: Ricardo Filipe Silva Duarte Braga

Data de Nascimento: 03/09/1985

Equipas: Estrelas de Fânzeres, Miramar, Benfica, Nagoya Oceans (Japão), CSKA Moscovo (Rússia), Inter Movistar (Espanha)

Títulos: 1 UEFA Futsal Cup, 5 campeonatos nacionais, 5 supertaças, 1 Taça de Portugal.

Considerado o Melhor Jogador do Mundo em 2010