Vale (quase) tudo!


O futebol português tem albergado e ressuscitado um conjunto de ‘incumpridores crónicos’ que, por entre procedimentos legais e chico-expertise, procuram atingir o objectivo de sempre: furtar-se ao cumprimento das obrigações assumidas. Estamos habituados a que os clubes que recorrem ao Plano Especial de Revitalização (PER), por exemplo, assegurem a continuidade na competição, apesar do incumprimento, invocando a situação económica difícil que resulta, na maior parte das vezes, de actos de má gestão.

No último Verão fomos surpreendidos com a decisão da Associação Académica de Coimbra (AAC) em recorrer ao despedimento colectivo. Como tantas vezes sucede, o problema não está na existência dos expedientes legais mas na forma e motivos pelos quais são invocados. Lamenta-se o comportamento da AAC ao longo do procedimento que culminou com o despedimento de (apenas) um jogador. Os argumentos invocados contrastam com a realidade vivida durante todo o defeso, marcada pela sucessão de contratações e por uma forma de ‘gestão desportiva encapotada’ que nos exige reflexão.

Haveria fundamento para despedir? A actividade da AAC estaria definitivamente comprometida sem um procedimento desta natureza? Teriam necessariamente de ser os jogadores implicados a suportar os efeitos da (alegada) redução de receita causada pela descida do clube à 2.ª Divisão? Foram contempladas alternativas? 

O desporto tem especificidades incontornáveis, desde logo porque os resultados obtidos pelos clubes são imprevisíveis e os plantéis estão em permanente mutação. Porém, muitos dos problemas financeiros dos clubes portugueses têm outro fundamento. Começam na irresponsabilidade e má gestão financeira e terminam na ineficácia dos mecanismos de controlo. 

Exigem-se mudanças nos mecanismos de licenciamento e fiscalização, garantindo o cumprimento das obrigações, a integridade das competições e a igualdade entre os competidores. Infelizmente, o dinheiro fácil de investidores estrangeiros, a maioria desconhecidos, está a aumentar o clima de impunidade e irresponsabilidade. E, mais grave, muitos não se importam com o desporto ou o futebol! Vale (quase) tudo!

Artigo de opinião publicado em: jornal Record (18 de Outubro de 2016)

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