"In dubio, pelo atleta"


O fenómeno desportivo tem um impacto na sociedade que nos leva, facilmente, a desviar a atenção dos (verdadeiros) protagonistas. Os resultados produzidos no terreno fazem-se ressentir desta dissimulação entre o essencial e o acessório.

Recentemente a AFE, entidade homóloga do Sindicato Português em Espanha, divulgou a redução drástica das reclamações de jogadores profissionais de futebol por salários em atraso, invertendo em definitivo uma tendência de incumprimento salarial, alimentada pela situação financeira do país, que atingiu o pico na época 2014/15.

Por detrás desta inversão está uma política desportiva capaz de valorizar o praticante, aliada a uma regulamentação implacável com os incumpridores. Cumpre-se para competir ao contrário da tradicional filosofia: compete-se para eventualmente cumprir!

Em Portugal a realidade é outra, não apenas pela conjuntura. Uma vez mais, o praticante desportivo e a valorização da sua actividade profissional não estão no centro da reflexão política. São preocupações nas "bocas do mundo" mas não se reflectem na regulamentação em vigor.

Existe, aliás, uma tendência para "aligeirar" o papel do atleta quando nele está a própria essência do desporto. Em prática individual ou colectiva, com mais ou menos representatividade nos organismos de decisão, continuamos presos a uma lógica miserabilista que não ousa "elevar a fasquia".

A saúde física e mental, a educação integral, o apoio financeiro adequado, as garantias laborais essenciais, a protecção no desemprego e o acesso a pensões adequadas à natureza e desgaste da actividade do praticante não podem ser matérias para "analisar depois", subjugadas permanentemente a outros interesses, à influência de outros agentes.

Muito tem de mudar para que o desporto reflicta na vida dos atletas o impacto real que tem na sociedade. Sempre que o decisor for confrontado com o "jogo de interesses" que sustenta a política desportiva, deve privilegiar o esforço, a dedicação e a entrega que personificam o praticante desportivo e relembrar que é neles que reside o futuro que desejamos.

Artigo de opinião publicado em: jornal Record (19 de Dezembro de 2016) 

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