(Des)controlados
Esta semana volto a um assunto central no debate sobre o desporto que queremos: o (in)cumprimento salarial no futebol português.
De geração em geração, muitos jogadores têm em comum a dolorosa experiência do incumprimento salarial que, quando não se manifesta pela falta de pagamento, traduz-se num atraso sistemático. Alguns dos clubes incumpridores habitam o nosso principal escalão, o que foi, e continua a ser, absolutamente intolerável.
Ao longo dos anos, o sistema evoluiu e a preocupação com a fiscalização da gestão financeira dos clubes, ou a falta dela, aumentou. Tenho alertado para a insuficiência do modelo, principalmente após a necessária, mas nem por isso menos perigosa, entrada de investimento estrangeiro nos clubes nacionais.
A Liga dispõe de mecanismos de controlo do cumprimento das obrigações salariais, promovendo na presente época desportiva a obrigatoriedade de apresentação dos documentos comprovativos desse cumprimento até 10 de janeiro de 2017. A par deste mecanismo, destaco o trabalho da Comissão de Auditoria, sustentada por uma portaria, que, embora meritória na fixação de critérios mínimos para a ‘habilitação’ dos clubes/SAD a participar na competição desportiva, peca por diferenciar o cumprimento das obrigações tributárias e contributivas do cumprimento das obrigações salariais.
O acesso à competição tem de estar, definitivamente, associado ao cumprimento. Só assim se garante justiça e verdadeira igualdade entre os competidores. Não podemos continuar a ter clubes que, reiteradamente, falham, mesmo quando beneficiam de instrumentos legais como o PER ou o SIREVE. A este propósito só há um caminho: restrição no acesso à competição. Noutros casos ‘deixam-se cair os clubes’ para no seu lugar nascer uma nova pessoa jurídica, expurgada das dívidas contraídas. Prática inaceitável.
Apesar de terem conquistado garantias ao longo das últimas décadas e de, inclusivamente, terem um membro designado para a referida Comissão de Auditoria, os jogadores, através do Sindicato, continuam a discutir com os arquitetos da regulamentação desportiva, invariavelmente na mão dos clubes e seus representantes, uma política de ‘tolerância zero’, capaz de sancionar eficazmente, no plano desportivo e para além dele, os clubes que ‘se arrastam’ em gerações de incumprimento.
Artigo de opinião publicado em: jornal Record (10 de janeiro de 2017)