“No país dos agachadinhos”


A leitura atenta do editorial do economista Nicolau Santos, sob o título em epígrafe, inserto no Jornal Expresso – Economia, serve de mote a mais uma reflexão dos problemas que afectam o futebol, em especial os que se prendem com o drama do incumprimento salarial.

Escreve Nicolau Santos: “Portugal é um país sui generis. Os primatas que por cá nasceram andam de pé como o homo sapiens. Interiormente, contudo, quase todos vivem agachadinhos. Basta sentirem que alguma coisa que digam ou façam os pode prejudicar na sua vidinha e zás: do peito dos bravos lusitanos salta logo o “homo agachadinhus” que trazem dentro deles. Mas o pior de tudo é desagradar ao padrinho. Isso é que nunca! Jamais! As consequências podem ser terríveis e muito duradouras! Os sinais da má formação congénita são os seguintes: quem devia falar, não fala; quem devia escrever, não escreve; quem devia opinar, não opina. Quem devia demitir-se, não se demite. Nem todos, contudo, sofrem do mal.”

Ora, salvo o devido respeito, estas palavras podem aplicar-se, “mutatis mutandis”, ao futebol, em particular no que toca ao incumprimento salarial.

Na verdade, a actividade do futebol é geradora de milhões; dinamizadora da economia; criadora de milhares de postos de trabalho; factor nacional de auto-estima; promotor da imagem de Portugal e dos portugueses; fonte de responsabilidade social; impulsionadora da prática desportiva e, concomitantemente, do bem-estar e da saúde pública.

Enfim, o futebol é elemento central na vida das sociedades. Ora, no futebol, o clube, pague ou não, beneficia da actividade do jogador e da sua imagem que usa em diversas circunstâncias e para múltiplos fins.

Por outro lado, como é consabido, os empresários auferem “comissões”, independentemente de o jogador – que gera e lhe permite essa mais-valia - receber ou não. Como é, então, possível que não se pague aos jogadores principais responsáveis por esta actividade?

Ao serem licenciados em Julho os clubes juntam documentos comprovativos do pagamento das dívidas da época anterior e apresentam um orçamento que garanta as da época em curso. Como é, então, possível que se venha a constatar, dois meses depois, que afinal devem salários da época anterior e que deixaram de pagar os da época em curso? Como é, também, possível que este espectro atravesse tanto as competições profissionais como as não profissionais?

Neste contexto, como é possível que as entidades competentes – Federação Portuguesa de Futebol e Liga Portuguesa de Futebol – e os clubes não ponham termo a este calvário que só por inércia se verifica. Como se compreende, então, que todos estejam de acordo censurando os incumpridores que promovem a mentira, a desigualdade e põem em causa a verdade desportiva?

Deixando a minha opinião sincera, a resposta às questões suscitadas encontro-a na epígrafe utilizada por Nicolau Santos e é a de que “somos um país de agachadinhos”. No futebol alguns ganharam um estatuto que ninguém ousa questionar. A ousadia é, aliás, ficar identificado e, consequentemente, ser um alvo, não dos poderosos mas dos medíocres que lhes querem agradar. Se pudéssemos classificar o agachamento dir-se-ia que no futebol atinge o degrau mais baixo.

Pertinente, se afigura, deixar uma nota especial para os jogadores que, nesta matéria, são as vítimas e, ás vezes, responsáveis.

Ora, é verdade que a relação laboral é uma relação subordinada, em que quem exerce o poder de direcção é o clube; que a dependência do salário causa fragilidades; que as represálias existem e que as oportunidades escasseiam quando se assume uma atitude.

Pergunto, no entanto, se muitos dos actuais dirigentes merecem o benefício da dúvida, uma oportunidade, mais um sinal de confiança. Importa referir que a minha experiência, a de alguém que acompanha este drama, leva a constatar que o facilitismo e a bondade dos jogadores não só agravou os problemas como aqueles jogadores que directamente pactuaram com os clubes, acreditando na sua boa-fé, vieram a ser os mais mal tratados.

Não quero, contudo, deixar de distinguir entre os clubes e dirigentes que merecem o nosso respeito e confiança – neste caso devemos conjugar esforços – e os que de forma continuada nos enganam e, por essa via, vêem justificados os atentados aos direitos dos jogadores e ao património dos clubes – neste caso devemos ser intransigentes.

Não nos iludamos: esta questão – o incumprimento salarial – diz respeito a todos os jogadores (mesmo àqueles que nunca passaram por esta situação porque, um dia, lhes poderá acontecer e porque todos os dias perdem o respeito que outros levaram anos a conquistar) não é uma questão menor já que põe em causa a dignidade pessoal, profissional e social.

Estou, pois, certo que uma nova mentalidade está a emergir e frutificar e que, face à actual situação, leva a gritar em uníssono e bem alto: BASTA.

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