Mbappé e os casos do dia a dia

Os direitos laborais dos futebolistas convivem com a confrontação permanente entre princípios fundamentais como a liberdade de trabalho e a estabilidade das competições. Atualmente assistimos a derivações contratuais que colocam em causa os equilíbrios criados pelo sistema.
O contrato de trabalho desportivo, necessariamente a termo, que tinha nessa previsibilidade absoluta quanto à duração do vínculo laboral o contrapeso das restrições ao exercício da liberdade de desvinculação que assiste a qualquer trabalhador, viu nos pactos de opção e nas cláusulas de renovação automática, nuances que geram maior conflitualidade do que efeitos benévolos para as partes.
O caso de Mbappé e a atitude persecutória do PSG é um espelho mediático dos muitos casos que surgem no dia a dia, em diferentes escalões, caracterizados por uma atitude de chantagem que configura assédio laboral, em função de determinada pretensão da entidade empregadora, seja para a renovação de contrato seja para a aceitação de uma proposta de rescisão, após comunicação da dispensa.
Com os valores estratosféricos que foram investidos, livremente, pelo clube francês com o contrato do jogador tenta-se ignorar a legitimidade deste em decidir o seu futuro, direito plasmado no contrato celebrado e aceite de livre vontade por ambas as partes.
A minha convicção, contrariamente ao incumprimento salarial que subsiste mas vai sendo limitado pelo aperfeiçoamento dos mecanismos de controlo e fiscalização, é que a prática do assédio na relação laboral desportiva, revestido de especial gravidade no contexto de uma profissão de desgaste rápido e curta duração, tem vindo a aumentar e a ser alimentado por um sentimento de impunidade dos clubes, relativamente a ações que possam ser tomadas no imediato para pôr termo a essa situação, que não impliquem a ‘ultima ratio’ da resolução contratual com justa causa.
Artigo de opinião publicado em: jornal Record (1 de agosto de 2023)