A verdade incómoda


Se pudesse fazer um retrato da situação financeira do futebol português diria que o pós-pandemia se tornou numa oportunidade desperdiçada para melhorar os indicadores de sustentabilidade. Este está a ser um ano particularmente duro em relação aos salários dos jogadores, pelos relatos que vão chegando do terreno. Estou muito à vontade para falar porque tenho dado a cara por todos os companheiros e companheiras que, infelizmente, chegam ao limite de ver comprometida a sua vida pessoal e familiar por causa de salários em atraso.

Custa verificar que mesmo com todos os mecanismos de licenciamento, controlo e fiscalização, implementados a muito custo, continuam a existir falhas graves no mais básico. No passado dia 15 de dezembro decorreu um controlo salarial para as competições profissionais e não profissionais, enquadrada na regulamentação da Liga e da Federação, respetivamente.

Estou preocupado com os clubes que até ao limite deste controlo tinham os pagamentos fiscalizados por fazer, cuja situação continuaremos a acompanhar, e com aqueles que, mesmo com um sistema instituído e consolidado há vários anos, continuam a saltar de controlo em controlo, isto é, a deixar sempre os pagamentos por fazer, até à fiscalização seguinte. Isto acontece nas competições profissionais e não profissionais.

Acrescento, ainda, que se jogadores e treinadores conquistaram este sistema de fiscalização, apesar de imperfeito, outros funcionários essenciais para o normal funcionamento dos clubes passam por dificuldades ainda maiores, por não lhes restar outra solução que não aguardar ou litigar.

Já escrevi muito sobre o que ainda nos falta fazer para melhorar o sistema de licenciamento e controlo: rever os prazos de controlo; a exigência e verificação não apenas de contratos vigentes, mas também de acordos celebrados com jogadores que já não se encontram ao serviço dos clubes; proibir ou pelo menos limitar os efeitos de acordos de deferimento do pagamento de dívidas objeto de controlo salarial; criar exigências de sustentabilidade adicionais para clubes em PER ou processo de insolvência; introduzir a exigência de garantias patrimoniais adicionais a investidores, quase sempre o foco do problema na relação entre aquilo que prometem investir, as datas em que se obrigam a fazê-lo e os atrasos que acabam por suceder.

Além de continuar a apelar à proatividade dos jogadores e antecipação das situações de crise, procurando esse apoio do Sindicato, dirijo um apelo aos dirigentes, em quadra natalícia, para que haja um verdadeiro esforço no cumprimento das obrigações. Vejo muitas ações de solidariedade a acontecer, fantásticas para vídeos ou campanhas promocionais, mas não encontro o mesmo espírito de entreajuda e respeito em relação à sua própria casa. Uma verdade incómoda, mas que reflete o que temos vivenciado.

Artigo de opinião publicado em: jornal Record (17 de dezembro de 2023)

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