O caminho em liberdade (parte 1)
A história dos futebolistas portugueses enquanto coletivo profissional começou antes do 25 de Abril, mas foi indiscutivelmente assegurada pelas conquistas resultantes da nossa liberdade. Estando os direitos e garantias que foram adquiridos muito longe de estar consolidados para sempre, importa preservar a memória do quão difícil foi introduzir pequenas mudanças no sistema.
Os primeiros passos do Sindicato dos Jogadores são conhecidos pela capacidade que tiveram os seus fundadores, em plena ditadura, e pela primeira grande vitória com o fim da ‘lei da opção’, regime que indiscutivelmente fazia dos jogadores uma propriedade dos clubes. É difícil pensar no que poderia vir a seguir se a Revolução dos Cravos não tivesse acontecido e o país autoritário e repressivo, fechado em si mesmo, não se tivesse gradualmente modernizado e aberto, em particular, ao espaço europeu.
Sendo certo que o futebol nunca perdeu o poder transformador enquanto elevador social, é indiscutível que precisou de um período superior a duas décadas para garantir, com o acórdão Bosman, um verdadeiro abanão no sistema internacional de transferências, impondo a livre circulação dos jogadores, efetivamente reconhecidos como trabalhadores no espaço europeu. Esta força inspiradora e o acumular da experiência internacional, que vínhamos acumulando há vários anos desde a entrada na FIFPRO, motivou um caminho decisivo para os jogadores de futebol em Portugal: a primeira lei do contrato de trabalho desportivo e o primeiro Contrato Coletivo de Trabalho, a fechar a década de 90.
Podem parecer duas conquistas irrelevantes, mas encerraram vitórias sem as quais já teríamos padecido às inúmeras tentativas de afastar o direito ao salário, o direito a um contrato de trabalho digno e o direito às condições de trabalho que gradualmente foram evoluindo. Se em 1998 o legislador não tivesse reconhecido aos praticantes desportivos profissionais a qualificação como regime laboral especial, diferenciada do chamado regime laboral comum mas integrado na nossa constituição laboral, não tenho dúvidas de que estaríamos hoje a enfrentar os desafios que muitos países bálticos e da Europa de Leste, em particular, têm com a fuga permanente dos clubes ao regime laboral e a celebração de contratos atípicos alicerçados nas regras civilísticas da prestação de serviços, fazendo ruir por completo a estabilidade contratual dos atletas e das suas famílias.
Acredito genuinamente na oportunidade histórica que nos foi dada pelos capitães que há 50 anos tiveram a audácia de pôr fim à ditadura e quero passar às gerações seguintes, nas mais diversas áreas, a mensagem de que por mais distante que vamos ficando desse marco histórico, muito do que temos e fazemos hoje foi influenciado por ele.
Artigo de opinião publicado em: jornal Record (21 de abril de 2024)