O caminho em liberdade (parte 2)
Passaram 50 anos do dia que mudou o destino do nosso país e a intensidade com que o povo português assinalou esta data deixa-me esperançoso em relação ao futuro. Numa nota mais pessoal, tinha 7 anos e provavelmente andava pelas ruas do castelo de Bragança a jogar à bola quando os Capitães de Abril derrubaram o regime. Conheci bem a dureza da vida no interior e a falta de oportunidades que condenou as gerações anteriores ao trabalho árduo, à emigração ou à degradação pessoal.
Fui o primeiro da minha família a conseguir frequentar e concluir uma licenciatura e acabei por assumir funções numa organização que me tem concedido o privilégio de expressar e reivindicar direitos para toda uma classe profissional. Inspirado nos corajosos fundadores do Sindicato dos Jogadores, a que nunca é demais prestar homenagem, senti sempre o peso de poder dizer o que penso, discordar e combater, sempre que foi necessário, os interesses conflituantes desta indústria do futebol.
Todos somos filhos desta revolução, mesmo os mais descrentes. Para a preservar importa, mais do que nunca, incutir a necessidade de um verdadeiro ativismo. Vejo nos jogadores e jogadoras de futebol um enorme potencial. É certo que enfrentam desafios muito diferentes das gerações pós-revolução.
Nessa altura não havia volta a dar, cada atleta era necessariamente o ator das suas próprias reivindicações, uma peça chave no coletivo, numa relação de grande proximidade com os companheiros, com os media e com a população em geral.
Hoje é mais difícil esta pureza de princípios, existe maior isolamento, uma posição de receio e expetativa entre a agenda profissional que retira o tempo para pensar além do jogo seguinte. Somos, no entanto, uma classe empoderada pelo acesso à educação e preocupação com o pós-carreira, num setor em que já não está em causa a liberdade de circulação, mas antes várias liberdades individuais comprimidas a martelo pela complexa ideia da especificidade do desporto.
Desde logo, o poder de exprimir opiniões, a capacidade de tomar posição sobre o que quer que seja sem ataques viscerais nas redes sociais, o direito a uma vida pessoal resguardada ou ao bem-estar físico e mental para sair da bolha competitiva com calendários cada vez mais apertados. Poderia elencar dezenas de outros problemas e desafios: o racismo, discriminação e assédio, a violência, a corrupção, a xenofobia e o tráfico de pessoas, o espelho de uma sociedade que tem na indiferença o seu maior inimigo.
Ter memória e falar do 25 de abril, não apenas na evocação dos seus aniversários, mas com maior regularidade na nossa vida em sociedade, é manter viva a convicção de que em democracia não importa de onde vimos. Temos o poder de mudar o que entendemos estar errado, se assim quisermos abraçar as causas que nos fazem sentido. Viva o 25 de abril, fascismo nunca mais!
Artigo de opinião publicado em: jornal Record (28 de abril de 2024)