Da Europa para o mundo


As mudanças drásticas do futebol nas últimas décadas e a pujança financeira dos mercados emergentes levam-nos a questionar que (auto)regulação vamos ter no futebol mundial para o futuro e como a mesma pode refletir uma melhor conjugação dos interesses dos vários agentes desportivos.

Da Europa têm emanado as decisões judiciais que determinam os mais significativos abalos na regulamentação da FIFA. Se Bosman parecia já longínquo, num curto espaço de tempo o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) foi chamado a pronunciar-se sobre a conformidade de normas ou decisões tomadas pelos organismos que tutelam o futebol com o direito e princípios que regem a União Europeia.

Depois do caso da Superliga e da nova regulamentação dos agentes, o ‘caso Lassana Diarra’ segue em frente com a posição do Advogado-Geral que, embora não seja vinculativa, é bastante importante para o desfecho da ação judicial. Em causa, as sanções aplicadas pela regulamentação belga, por transposição do disposto no famoso artigo 17.º do regulamento do estatuto e transferência de jogadores da FIFA (RSTP), que responsabiliza solidariamente o jogador condenado por promover a rescisão do seu contrato sem justa causa e o seu novo clube. Foi o que acabou por suceder ao clube Sporting Charleroi que avançou para a contratação de Diarra depois de 11 meses em que este, apesar da inegável qualidade, não conseguiu encontrar clube.

Para já, a reflexão parece ser a de que a livre circulação dos jogadores é posta em causa por esta dupla sanção que resulta não apenas do apuramento do montante indemnizatório a pagar ao clube anterior, mas também da corresponsabilização do empregador seguinte.

A Europa continuará, neste aspeto, a ter uma importância decisiva, uma vez que as decisões do TJUE e a vinculação dos estados-membros, vão necessariamente obrigar a FIFA a rever os regimes aplicáveis, para evitar diferenciações de tratamento a nível global. No leque de questões a submeter à justiça europeia poderão estar também direitos sociais dos trabalhadores, como a saúde e bem-estar no contexto da relação laboral, o direito ao repouso ou o direito a férias, ameaçados pelos calendários cada vez mais espremidos para retirar o máximo de rentabilidade a cada organizador.

Jürgen Klopp voltou a chamar a atenção para a realidade vivida em Inglaterra. Este autêntico sufoco competitivo, em ano de Europeu, continua a acentuar o foço para a realidade de outras Ligas e mercados emergentes, onde sobra espaço competitivo porque não existe margem para potenciar a sua comercialização. Apesar dos milhões gerados noutras paragens, acredito que as principais reformas continuarão a suceder da Europa para o Mundo, assim se exija o respeito pelas liberdades e garantias a que os diferentes estados-membros se vincularam.

Artigo de opinião publicado em: jornal Record (5 de maio de 2024)

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