Cavalos de corrida!


A convite da FIFPRO participei com os sindicatos inglês, francês e italiano e as ligas inglesa e espanhola no evento que lançou os resultados preliminares do estudo à carga competitiva da época 2023/24, faltando ainda recolher os dados que resultarão do Euro’2024.

O evento que antecipou o lançamento da 5.ª edição deste relatório da FIFPRO foi um exercício de convergência entre jogadores, treinadores e representantes de ligas nacionais, todos eles reconhecendo que atingimos o limite. O alargamento do grupo de jogadores abrangidos pelo estudo demonstra claramente que este problema da sobrecarga não está a afetar apenas a pequena percentagem dos jogadores de elite que competem nas principais ligas europeias, como ficou bem demonstrado com o exemplo de Fredrik Aursnes na liga portuguesa.

A quase sobreposição de competições nacionais e internacionais, entre épocas cada vez mais longas, significa a impossibilidade de os atletas usufruírem de um período de repouso e recuperação do desgaste acumulado. Toda a pressão imposta por mais jogos, mais viagens e ajustamentos a diferentes horários, ambientes e condições climatéricas, bem como o isolamento da família e qualquer vislumbre de um direito a ter um projeto de vida alternativa, a pensar na transição de carreira como defendemos, conjuga-se num ritmo infernal que impede o melhor rendimento desportivo dos jogadores de topo mundial.

Alguém dizia no debate realizado em Londres, de forma irónica, mas assustadora, que se estivéssemos a falar de cavalos de corrida ninguém legitimaria este número e espaçamento entre provas. Já não há dúvidas de que a saúde e bem-estar dos atletas está comprometida. Apesar disso, o nível de diálogo para a compatibilização entre calendários e regulamentação sobre a segurança e proteção dos atletas no contexto laboral nunca foi tão baixo.

Acresce ainda o fenómeno crescente de sobrecarga em jovens talentos do futebol mundial, comparativamente com os registos dos talentos de gerações anteriores, na mesma idade, cujo impacto na saúde, longevidade da carreira e consistência demonstrada ao mais alto nível ainda está por medir. Hoje apenas se pensa em drenar mais dinheiro de novas competições, mas ninguém parece importar-se com a preservação da qualidade do jogo, do equilíbrio com as competições nacionais e sustentabilidade dos clubes que garantem a base da pirâmide, comprometendo postos de trabalho e o desenvolvimento dos atletas que alimentarão toda a indústria.

É preciso falar abertamente deste tema, desapossados de jogos políticos e do mito criado sobre o facto de os jogadores não se queixarem. A verdade é que se queixam, tanto os que não param como os que gostariam de ter mais oportunidades de competir e, mesmo que não o fizessem, o ónus está em quem manda no futebol e permite que tudo isto aconteça.

Artigo de opinião publicado em: jornal Record (2 de junho de 2024)

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