Um berbicacho na inscrição de estrangeiros
Escrevi neste mesmo jornal há umas semanas que temia o caos no processo de recrutamento de jogadores estrangeiros, com a entrada em vigor do DL 37-A/2024, de 3 de junho e o fim da manifestação de interesse como meio de regularização da esmagadora maioria dos processos de entrada e permanência de futebolistas em Portugal.
Desde então, sucederam-se reuniões em sede governamental, onde se regista que o Sindicato dos Jogadores não foi objeto de qualquer consulta para contribuir com a visão dos praticantes. Chegámos a um ponto em que o melhor que podemos esperar, na falta de outro enquadramento legal, é que os vistos de trabalho, procura de emprego ou exercício de atividade desportiva amadora sejam emitidos muito mais rápido do que alguma vez o foram.
Como gosto de manter a coerência sobre as minhas posições, fui um dos críticos do ‘regabofe’ em que se viveu durante anos no recrutamento e inscrição de atletas estrangeiros e subscrevo a indignidade com que deixávamos, anos a fio, pessoas que trabalham e querem fazer vida em Portugal à espera de uma decisão sobre o seu processo de manifestação de interesse.
Sempre defendi que nos escalões não profissionais, isto é, no nosso futebol de base, as exigências devem ser maiores porque a lógica de recrutamento massivo de estrangeiros para fazer negócio não pode sobrepor-se à natureza lúdica, recreativa e de desenvolvimento dos nossos jovens formados localmente. Coisa diferente é o futebol profissional, onde a contratação de jogadores estrangeiros e descoberta de talentos emergentes é uma das peças que compõem a competitividade que vamos conseguindo preservar.
A Primeira Liga é o expoente máximo disso. Precisamos e vamos continuar a precisar de recrutar e fazer uso dessa capacidade de deteção de talento em todo o mundo para competir com países que apresentam argumentos financeiros bastante superiores.
Por tudo isto, esperar que o sistema de atribuição de vistos garanta a entrada e inscrição de jogadores a tempo do fecho da janela de transferências é, no mínimo, de uma enorme ingenuidade e só podia, assim que compreendido pelos clubes, gerar uma enorme contestação. Esperando que haja alguma sensibilidade na procura de soluções retiradas do atual quadro legal, desejo igualmente que os responsáveis da AIMA não deitem fora o trabalho de cooperação institucional que existia no âmbito do protocolo entre o SEF, FPF, Liga e Sindicato dos Jogadores. Foram anos a melhorar a articulação institucional, a trabalhar preventivamente e conjugar os dispositivos legais existentes com as especificidades do fenómeno desportivo.
O SEF morreu e, pelo menos no que diz respeito ao Sindicato, morreu com ele uma articulação institucional que nos permitia antecipar e propor ao poder político soluções para os problemas que sucediam no terreno.
Artigo de opinião publicado em: jornal Record (14 de julho de 2024)