Um golpe chamado Lassana Diarra


O Tribunal de Justiça da União Europeia deu razão à posição defendida por Lassana Diarra e proferiu uma das decisões mais fortes contra a construção jurídica efetuada pelo regulamento do estatuto e transferência de jogadores da FIFA, desde o acórdão Bosman. Terá o mesmo efeito reformador? Ainda é cedo para saber a dureza deste golpe, embora o potencial para destabilizar o funcionamento do atual sistema de transferências seja menor.

O caso já foi amplamente discutido. Num conflito laboral com o Lokomotiv Moscovo, em torno da existência de justa causa para a sua rescisão unilateral, o jogador teve uma oportunidade de trabalho seguinte, para jogar no Charleroi, da Bélgica. Esta oportunidade frustrou-se, não por falta de interesse desportivo ou possibilidade de acordo entre as partes quanto aos termos contratuais, mas pelo receio fundado do clube interessado em responder juntamente com o jogador no pagamento da indemnização a fixar após desfecho desfavorável da ação na FIFA.

Esta impetuosa regra que recai sobre o clube contratante molda o sistema atual numa restrição às liberdades de circulação e concorrência, princípios fundamentais do mercado de trabalho na UE. Alguns vaticinam o potencial reformador desta decisão, talvez com demasiada esperança, outros são mais comedidos no sentido de considerar que o problema será resolvido com ajustes pontuais e condicionamentos diferentes para atingir resultados semelhantes. Pessoalmente, vejo-a como um instrumento importante para exigir o diálogo que se perdeu.

Há muito que não existe concertação entre a FIFA e as suas confederações, FIFPRO, Associações de Ligas e de Clubes. Num período de prosperidade, pré-pandemia, aplaudimos as novidades na regulamentação introduzidas pelo chamado ‘package one’ que, por exemplo, veio clarificar os procedimentos para resolução unilateral com justa causa, por salários em atraso, rever e melhorar o funcionamento dos órgãos de resolução de disputas e permitir a criação do FIFA Fund. O ímpeto reformador esfumou-se, os ‘packages’ seguintes ficaram na gaveta.

Hoje existe uma paz podre e um diálogo de cosmética, sem qualquer objetividade na procura de soluções que protejam os jogadores e o futebol. Lassana Diarra, apoiado pelos colegas da UNFP e da FIFPRO, ficará na história por ter levado a sua luta pessoal adiante, na defesa de um bem maior.

Por fim, foi com muita tristeza que soube do falecimento do Daniel Guimarães, um ser humano fantástico que deixa muitos amigos em Portugal. Presto as mais sentidas condolências à família e amigos, enaltecendo a luta que ele travou contra o problema de saúde, mas também contra a falta de proteção na doença que afeta os futebolistas no nosso país. Honrar a sua memória é continuar a lutar por mudanças legais e regulamentares que corrijam esta injustiça.

Artigo de opinião publicado em: jornal Record (6 de outubro de 2024)

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